Entrevista: Pedro M. Carvalho aponta os retrocessos no Marco do Saneamento

As mudanças foram feitas sob o argumento de destravar o setor e atrair R$ 120 bilhões em investimentos públicos e privados, mas os valores se baseiam em quais estudos? Que impacto as mudanças provocam no mercado?
Pedro Menezes de Carvalho
Pedro Menezes de Carvalho é advogado e professor de Direito Econômico

O governo federal alterou, na última quarta-feira (05) as regras do Marco do Saneamento Básico. Em cerimônia o Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou dois decretos que regulamentam a Lei 11.445/2007, alterada pela Lei 14.026/2020, que define as diretrizes para o saneamento no país. Isso foi feito sob o argumento de destravar o setor e atrair R$ 120 bilhões em investimentos públicos e privados para universalizar os serviços de água e esgoto até 2033.

Se para o ente público isso pode ser bom, para a iniciativa privada, nem tanto. Além da insegurança jurídica, a medida pode representar mais custos. A opinião é de Pedro Menezes de Carvalho, advogado e professor de Direito Econômico, especialista em saneamento. Confira a entrevista que ele deu ao Movimento Econômico sobre o assunto.

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Movimento Econômico – A mudança nas regras foi um avanço ou retrocesso?

Pedro Menezes de Carvalho – Um retrocesso, sem dúvida. Um ponto é a capacidade financeira das estatais para implementar e universalizar a demanda. Existia um prazo para que essas estatais comprovassem sua capacidade econômica e financeira de prestar o serviço. Não tendo condições, o serviço seria prestado pela iniciativa privada, via leilão. Grande parte das estatais descumpriram esse prazo, pincipalmente de estado mais pobres, como Maranhão, Acre, Rondônia, Roraima, Piaui… E aí, o governo deu nova chance, até dezembro de 2025. O grande problema é que temos até 2023 para implantar o que determina a lei A Lei nº 14.026/2020: atendimento de 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto. Ou seja, as empresas terão sete anos para implementar isso. O que é um absurdo.

ME- O que significa a alteração nos consórcios públicos?

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PMC- Sob o ponto de vista do negócio, alguns municípios são interessantes, outros não. Petrolina, por exemplo, tem população que torna o negócio viável, já Belém do São Francisco, não. A ideia era que os municípios formassem consórcios para que, por meio deles, o procedimento de regionalização ocorresse. Mas o prazo para isso acabou em março. O decreto do presidente Lula prorrogou esse prazo até dezembro de 2025. Mas se os municípios não fizeram isso até agora, vão fazer até 2025? O que se percebe é que não há interesse efetivo dos prefeitos nisso.

ME – Outro ponto são os contratos diretos. O que mudou?

PMC- O Marco do Saneamento vetou esses contratos. Eles eram feitos entre as empresas estatais e os municípios sem concorrência. Mas agora estão de volta. Isso é temerário. Muitos municípios não honravam os compromissos contratuais. Mas, num contrato com uma empresa privada, ela impõe a execução do contrato. Essa mudança vai afastar as empresas privadas do setor.

saneamento
A questão é: que impactos a mudança provoca no mercado do saneamento?/Foto: Agência BNDES

Impactos no mercado de saneamento

ME- Os leilões também foram afetados…

PMC – Inicialmente, o Marco previa leilões por outorga. Neste modelo, a empresa que vai gerir água e esgoto do estado de Pernambuco, por exemplo, teria que pagar um valor por isso. Então, qual empresa ganharia o leilão? A que oferecesse ao estado o maior valor, a maior outorga. Mas agora, isso mudou e não é mais por outorga e sim por tarifa cobrada ao usuário. Então o que acontece: ganha quem oferece a menor tarifa. Isso pode gerar a percepção de que é melhor para o usuário. Mas quando o estado se preocupa apenas com a tarifa, não olha para a prestação do serviço.

Em Alagoas, no governo de Renan Filho, fez uma coisa interessante. No leilão, ele pegou o valor da outorga e distribuiu com os municípios, criando um incentivo para que os municípios fizessem contratos com a BRK para prestação do serviço. Todos saíram ganhando.

ME- Como você avaliou a redução do limite de 25% para a realização de Parcerias Público-Privadas (PPP) pelos estados?

PMC- Essa é cereja do bolo. O limite de 25% significava que numa PPP a participação do setor público no negócio era de até 25%. Ou seja, o negócio ficava blindado para ingerências públicas. Hoje não existe mais isso. No momento em que não tem esse limite, o investidor privado, que antes tinha controle sobre 75% do contrato, perde a ingerência sobre ele. Imagine que faço um contrato com uma estatal e a empresa tem salários acima do mercado, o que eleva custos. Digamos que além disso, tenha serviços de qualidade duvidosa, que pode gerar mais custos. Eu, empresário, vou ter que trabalhar com essas regras. Para o discurso político é bem interessante. Mas no dia a dia é péssimo. Vamos continuar tendo todas deficiências da estatal atrapalhado a prestação dos serviços. Para a população, no final das contas, não é interessante.

ME- Então, essa projeção de quem as mudanças podem garantir a atração de R$ 120 bilhões em investimentos pode não ser bem a realidade?

PMC – Eu não sei de onde saiu esse valor. Não existe nenhum dado, nem comprovação de como o governo chegou a esse valor. O que tem de concreto são as experiências anteriores da iniciativa privada com PPPs que deixaram péssima impressão. Todas as vezes que fazemos uma medida regulatória, como é o caso, há necessidade de se fazer análise de impacto regulatória. Já houve casos de anulação de ato regulatório por não haver análise de impacto. Qual o impacto que essa mudança no Marco do Saneamento provoca no mercado? Não basta falar, tem que ter estudos técnicos para comprovar isso.

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