Das 33 milhões pessoas que passam fome no Brasil, 80% são mulheres e a grande maioria é de mães solos e negras. Esses números são acompanhados do aumento de casos de violência, em especial de feminicídio e misoginia. As estatísticas alarmantes foram apresentadas pela ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, que após onze meses à frente da pasta prestou informações à Comissão de Direitos Humanos (CDH), nesta terça-feira (21), quando apresentou o trabalho que está sendo desenvolvido em sua gestão.
“As mulheres estão num quadro de exclusão social absoluto”, alertou a ministra.
Portanto, discutir como enfrentar a fome, passa pela discussão de políticas para as mulheres, segundo a Cida. Ela enfatizou que, pela primeira, vez criou-se um ministério exclusivo para a defesa dos direitos das mulheres.
Presidente da CDH, o senador Paulo Paim (PT-RS) lembrou, a propósito, a recente aprovação no Congresso do projeto de lei que culminou na sanção da Lei 14.611/2023, garantindo igualdade de salário e de critérios de remuneração entre trabalhadoras e trabalhadores nas mesmas funções.
“As mulheres têm de apropriar dessa lei”, pregou o senador, ao defender que se faça cumprir a legislação instituída em julho deste ano e que estava há pelo menos 20 anos em debate no Legislativo.
Cida Gonçalves destacou ainda que as mulheres não conseguem ser chefes, porque no fim da tarde têm de pegar os filhos nas creches e outras preocupações domésticas que acabam impossibilitando-as de se dedicarem mais tempo a cargos profissionais:
“Mesmo que um chefe reconheça suas qualidades para uma função de chefia, ela não aceita. As mulheres não conseguem ter a ascensão porque a responsabilidade do serviço [em casa] e do cuidado ainda é da mulher. (…) Precisamos ter equidade, mas não vamos conseguir discutir equidade, se não tivermos igualdade”, argumentou a ministra.
Na opinião do senador Fabiano Contarato (PT-ES), apesar dos direitos previstos na Constituição, “ainda há muito o que se fazer num Brasil tão desigual, num Brasil tão sexista, num Brasil tão machista”.
O parlamentar disse ter ficado muito feliz com o tema da redação do Enem deste ano: o trabalho e o dever de cuidado, um encargo majoritariamente entregue às mulheres e, ainda por cima, invisibilizado: “Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. É uma função nossa dar efetividade a essa garantia constitucional”.
Violência
Durante debate sobre os resultados da Pesquisa Nacional de Violência Contra a Mulher, na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, Teresa Leitão (PT-PE) provocou a reflexão de um aspecto muito importante no combate à violência contra a mulher. Ela questionou a eficácia das medidas protetivas utilizadas como garantia para a segurança da mulher vítima de violência. “É como se fosse uma coisa inócua”, resumiu.
“A solicitação das medidas protetivas, para mim, é o ponto mais nevrálgico de todas as pesquisas que a gente faz. Porque é como se fosse uma coisa inócua. Se solicita em percentual muito pequeno. E em muitos casos de agressão, até chegando ao feminicídio, a mulher está sob medida protetiva”, afirmou a senadora.
A 10ª Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, realizada numa parceria entre o Instituto DataSenado e o Observatório da Mulher contra a Violência, revelou que três em cada dez brasileiras já foram vítimas de violência doméstica. A violência psicológica lidera as formas de agressão (89%), seguida por violência moral (77%), física (76%), patrimonial (34%) e sexual (25%). A pesquisa revela, ainda, que há descumprimento de medidas protetivas em quase metade dos casos relatados.
Diante dos resultados da pesquisa, Teresa Leitão alerta que “de todo esse arcabouço que existe para nos proteger, contraditoriamente, a medida protetiva não está surtindo efeito que deveria surtir”. A senadora pernambucana acredita que o machismo e a crença na impunidade levam a esta situação. “Os homens são muito autoritários nesse aspecto. Eles sabem que a impunidade ainda é muito grande. Desafiam o poder público e descumprem a medida protetiva de todas as formas, seja por ameaças, seja às vias de fato, como muitas vezes ocorre”.
Na conclusão, Teresa apontou a violência contra a mulher como “uma chaga na sociedade” que necessita ser combatida com outros mecanismos mais eficazes. Sugeriu que o Senado faça um estudo mais profundo de toda a pesquisa para descobrir o que o Senado, na Procuradoria da Mulher, na Comissão de Combate à Violência contra a Mulher e na Bancada Feminina, pode fazer “em termos de ação, em termos de legislação, de proposições para ir avançando”.
A senadora Eliziane Gama (PSD-MA) chamou atenção para a falta de autonomia das mulheres, em especial no que toca à questão financeira. A parlamentar lembrou que uma grande parte das mulheres não consegue sequer denunciar atos violentos da parte do marido. Por ser ele o provedor da casa, temem não dispor de recursos para a criação dos filhos caso o cônjuge venha a ser preso:
“Mulheres que às vezes não têm o dinheiro do vale transporte para ir à delegacia. Essa é a realidade”, expôs Eliziane.
Em 2021, uma mulher era assassinada a cada sete horas. Em 2022, o feminicídio passou a ocorrer a cada seis horas. Além do aumento da violência, houve aumento dos casos de crueldade, segundo a ministra.
“Os agressores matam os filhos, para depois matarem as mulheres. Ou ateiam fogo nas casas com as mulheres e os filhos dentro”, relatou a gestora.
Para Cida, não é preciso haver aumento de pena, mas julgamento e punição. Se há risco de vida, o Estado tem que proteger a mulher. Por isso, a ministra defende, como medida protetiva, o uso de tornozeleira eletrônica por homens que praticam violência contra as mulheres.
Leila Barros (PDT-DF) também destacou o aumento dos casos de feminicídio e ratificou a necessidade de implementação de políticas para que as mulheres saiam do ciclo de violência. A senadora manifestou o apoio da bancada feminina do Senado a essa luta, para que “possamos juntas levarmos mais orçamento para o ministério”.
Brasil sem Misoginia
O combate à misoginia — ódio ou aversão às mulheres — é uma das principais frentes de atuação ministerial, que conta com R$ 23 milhões em orçamento para áreas fins.
Segundo Cida Gonçalves, a questão da discriminação, do preconceito e do ódio contra as mulheres se sustenta em um país que hoje se rege a partir da intolerância ideológica:
“Qual é o fenômeno que está acontecendo no Brasil que permite um aumento da violência dessa forma? Enfrentar a misoginia é um passo estratégico para que possamos de fato ter um país que garanta os direitos das mulheres. Por essa razão, a misoginia não pode ser um problema só do governo”, ponderou Cida.
“Tem de ser combatido a partir de um movimento do indivíduo para a sociedade”, apontou. Ela advertiu que há hoje 80 canais que empregam o ódio contra as mulheres no YouTube e desses, 35 são monetizados:
“O que mais assusta é que esses 80 canais têm oito milhões de seguidores. São oito milhões de pessoas todos os dias sendo incentivadas pelo ódio. Não podemos aceitar”, disse.
Além de trabalhar pela autonomia econômica das mulheres e o enfrentamento à violência e à misoginia, também é pauta do ministério o empoderamento das mulheres, acrescentou a gestora.
Capilaridade
Há 300 unidades voltadas e à elaboração de políticas para as mulheres no país. No entento, seriam necessárias pelo menos 2,5 mil secretarias nos estados e municípios dedicadas a discutir os problemas das mulheres e criar mecanismos para defendê-las:
“Não é possível discutir se não tivermos secretarias das mulheres fortes nos estados, nos municípios. Eu posso fazer uma política nacional, mas não tenho capilaridade para discutir a política no restante do país. Precisamos que essa Casa nos ajude”, pediu a ministra.
Há hoje 12 casas das Mulher Brasileira em funcionamento, mas somente em 2023 foram recebidas 62 solicitações de implantação de novas unidades.
Cida disse ser ainda um desafio a implementação das delegacias 24 horas, conforme determinado pela Lei 14.541 de 2023, sancionada em abril deste ano para garantir o funcionamento ininterrupto das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.
A ministra explicou que os governadores alegam falta de condições para implementarem essa medida — pelo menos por enquanto. A saída é desenvolver um planejamento para que a lei 14.541 possa ser aplicada. Somente pelo Ligue 180, são recebidas 1.525 ligações diariamente. O serviço oferece espaço para denúncias e presta informação básica sobre os direitos das mulheres.
Além do uso das tornozeleiras pelos agressores, a ministra defendeu a Patrulha Maria da Penha, com profissionais que acompanhem as mulheres em situação de risco:
“Esse acompanhamento é fundamental. Quando uma mulher morre, todos nós somos culpados. O silêncio da sociedade brasileira é que assassina as mulheres todos os dias”, concluiu.
*Com informações da Agência Senado
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