O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7721, que discute os impactos das apostas online (bets) no Brasil, afirmou nesta segunda-feira (11) que o julgamento do mérito da ação deve ocorrer ainda no primeiro semestre de 2025.
Fux disse que pode adotar algumas providências jurídicas para proteção da população brasileira mais vulnerável, que sofre os impactos das apostas online. “Os problemas que foram aqui aventados, relativos às comunidades carentes, aos problemas mentais e aos outros graves problemas que foram destacados, leva-nos à ideia de que este julgamento tem que ser urgente”, afirmou o ministro.
O STF realiza nesta segunda-feira a primeira parte da audiência pública que discute os impactos das apostas online no país. Segundo o ministro, as posições apresentadas por diversas partes durante a audiência reforçam a necessidade de que a legislação vigente precisa passar por ajustes. “Vamos avaliar se antes do julgamento do mérito haverá necessidade da chamada providência jurídica”, afirmou.
A audiência pública continua na manhã de terça-feira (12) e está sendo transmitida pela ao vivo pela TV Justiça, pela Rádio Justiça e pelo canal do STF no YouTube. Cerca de 50 expositores são esperados nos dois dias de audiência pública para tratar de saúde mental, economia e outros efeitos.
Concluída a audiência pública, o ministro disse que pretende conversar com representantes do Executivo e do Legislativo antes de tomar alguma decisão sobre o tema. O debate sobre as “Lei das Bets” tem gerado grande interesse devido ao crescimento acelerado das apostas online no país, que trazem impactos econômicos e sociais profundos e levanta discussões sobre regulamentação, práticas internacionais e questões éticas.
O processo que motiva o debate foi protocolado na Corte pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A entidade questiona a Lei 14.790/2023, norma que regulamentou as apostas online de quota fixa. Na ação direta de inconstitucionalidade (ADI), a CNC diz que a legislação, ao promover a prática de jogos de azar, causa impactos negativos nas classes sociais menos favorecidas. Além disso, a entidade cita o crescimento do endividamento das famílias.
“Cassino no bolso”
Críticos da regulamentação, como a deputada e ativista Macaé Evaristo, argumentam que a expansão das apostas representa a “instalação de um cassino no bolso de cada brasileiro”, destacando que a prática pode acarretar problemas sociais significativos, incluindo o risco de dependência e impacto econômico negativo para famílias de baixa renda.
Segundo Evaristo, a expansão das apostas sem um controle rígido pode contribuir para o aumento de casos de endividamento e levar a uma dependência emocional e financeira entre os jovens, incentivados por mecanismos de publicidade agressiva das plataformas de apostas.
Volume de apostas
Durante a audiência, Rogerio Antônio Lucca, representante do Banco Central (BC), reapresentou os dados divulgados em agosto deste ano sobre o tamanho econômico do mercado de apostas no Brasil.
A partir do monitoramento do sistema brasileiro de pagamentos, o BC descobriu que as empresas de bets receberam cerca de R$ 20 bilhões de 24 milhões de apostadores, que têm perfil entre 20 e 40 anos de idade.
Os números do órgão também mostram que 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família gastaram cerca de R$ 3 bilhões em apostas. A aposta média foi de R$ 100.
Rogério também ressaltou que o Banco Central não tem poderes para interferir no mercado de apostas, mas colabora com o fornecimento de informações sobre os impactos financeiros na economia brasileira.
“O Banco Central não tem competência sobre as atividades de apostas. A participação do BC nesse debate é tentar trazer luz no que diz respeito ao tamanho deste mercado, avaliação do impacto na estabilidade financeira e o desenvolvimento de ações de cidadania financeira”, afirmou.
Coaf: alertas de atividades suspeitas ligadas a bets
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) diz que o órgão registrou aumento do número de alertas recebidos por unidades de inteligência financeira (UIFs) no exterior, como malta e Gibraltar, países acusados de não combaterem a lavagem de dinheiro e que são sedes de empresas de apostas online (bets) internacionais.
A informação foi destacada por Rafael Bezerra Ximenes de Vasconcelos, diretor de supervisão Coaf, em audiência do Supremo Tribunal Federal para debater o mercado de bets no Brasil nesta segunda-feira.
Segundo Vasconcelos, os alertas de suspeitas envolvem apostas feitas por pessoas que não têm renda compatível com o nível de apostas e pessoas expostas politicamente.
“Nos últimos dois anos, o número de alertas de UIFs estrangeiras para a UIF brasileira sobre transações chamaram a atenção”, afirmou.
O diretor também defendeu que a regulamentação do setor de apostas deve levar em conta padrões internacionais de proteção contra a lavagem de dinheiro.
Vasconcelos ressalta que o ramo de apostas é um setor que também é usado para lavagem de dinheiro de atividades ilícitas para financiamento do tráfico de drogas e terrorismo.
“Esse é um setor que envolve riscos diferenciados de uso da atividade para lavagem e criminalidade correlata”, completou.
AGU
Durante a audiência, o advogado-geral da União, Jorge Messias, defendeu a regulamentação das bets. Para Messias, as regras são necessárias para proteger as pessoas mais vulneráveis.
O advogado-geral também demonstrou preocupação com o vício em apostas e disse que o comportamento é um problema de saúde pública. Messias citou que estudos do Ministério da Saúde mostram que os transtornos provocados pelo vício em jogos se assemelham aos problemas causados por substâncias químicas.
“As consequências de tal vício podem ser devastadoras, levando à deterioração dos laços familiares e a perda de estabilidade econômica. As apostas de cotas fixas se infiltraram silenciosamente nos lares brasileiros, atingindo principalmente as famílias de baixa renda”, afirmou.
Jogo legal
O Instituto Brasileiro do Jogo Legal (IJL), representado por Magno José Santos de Sousa, defendeu a regulamentação das bets pelo governo federal. Magno citou que há uma invasão de sites ilegais que não têm nenhuma responsabilidade com os apostadores.
“A culpa não é da bet, não é da aposta esportiva. A culpa do que nos estamos vivendo é sobre a ausência de regulamentação”, afirmou.
A Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) disse que o jogo regulado não provoca os “efeitos nefastos” de vício e endividamento. Pietro Cardia Lorenzoni, representante da entidade, também contestou o impacto das bets no varejo.
“A ADI, se acolhida, acaba, contrariamente ao seu objetivo, fazendo aquilo que ela busca evitar, que é o incentivo ao jogo patológico, ao jogo ilegal”, afirmou.
Defesa do jogo
Em defesa da legislação, representantes da Associação Brasileira de Radiodifusão (Abert) afirmaram que a Lei das Bets está alinhada com as melhores práticas internacionais de regulamentação de apostas online. Segundo o presidente da Abert, Daniel Pimentel, países como o Reino Unido, França e Austrália já regulamentaram o setor, estabelecendo medidas de proteção ao consumidor e mecanismos para garantir transparência.
Para Pimentel, a implementação de regulamentações inspiradas em práticas internacionais ajudaria a criar um ambiente mais seguro e controlado, evitando a exploração desmedida dos consumidores brasileiros e contribuindo para a arrecadação de tributos que poderiam ser investidos em educação e saúde.
Além disso, a regulamentação do setor de apostas online no Brasil é vista como uma forma de impedir a evasão fiscal e atrair investimentos estrangeiros para o setor de entretenimento e tecnologia. Estudos de consultorias indicam que a regularização pode gerar uma arrecadação significativa para o governo federal, com potencial de impacto direto no orçamento.
Perspectivas e próximos passos
Com o julgamento programado para o próximo ano, o STF buscará um equilíbrio entre o incentivo à economia, os padrões internacionais e a proteção dos consumidores. Se aprovada, a Lei das Bets abrirá espaço para uma regulamentação robusta do setor, incluindo regras específicas para publicidade, proteção ao consumidor e controle de práticas abusivas.
A decisão do STF será determinante para o futuro das apostas online no Brasil, definindo se o setor será regulamentado com base em padrões internacionais ou se medidas mais restritivas serão adotadas para proteger a sociedade dos potenciais riscos das apostas digitais.
*Com informações do STF e da Agência Brasil
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