
Bruno Nespoli Damasceno*
Se há algo certo no cenário econômico atual, é a incerteza. Em 2024, o índice global de Incerteza na Política Comercial (Trade Policy Uncertainty – TPU) mais do que dobrou, passando de 71,5 no primeiro trimestre para 237,4 no final do ano. O aumento reflete a intensificação das tensões geopolíticas, revisões de acordos comerciais e avanços de políticas protecionistas, que afetam cadeias produtivas em escala global.

A América Latina não está imune a esse fenômeno. Pelo contrário, a região enfrenta uma dupla incerteza: além do ambiente externo volátil, há desafios estruturais internos, incluindo dificuldades na integração econômica e na coordenação de políticas entre os países. O Mercosul, que já teve o potencial de ser um bloco econômico mais forte, perdeu espaço na agenda política, deixando um vácuo na evolução da cooperação regional.
Crescimento Econômico Ainda Abaixo da Média Global
O crescimento da América Latina segue abaixo da média global. Enquanto a economia mundial deve avançar 3,2% em 2025, a América Latina e o Caribe têm uma projeção de apenas 2,1%. O Brasil apresenta um ritmo um pouco melhor, com estimativa de 2,2%, mas outras economias relevantes, como o México, devem estagnar (0,0%), enquanto Chile e Colômbia avançam lentamente.
PIB (%) | 2023 | 2024 | 2025 (projeção) |
Mundo | 3,2% | 3,2% | 3,2% |
EUA | 2,9% | 2,8% | 2,0% |
Zona do Euro | 0,4% | 0,8% | 0,8% |
China | 5,2% | 5,0% | 4,5% |
América Latina e Caribe | 2,2% | 2,3% | 2,1% |
Brasil | 3,2% | 3,4% | 2,2% |
Argentina | -1,6% | -1,8% | 4,5% |
México | 3,3% | 1,5% | 0,0% |
Colômbia | 0,7% | 1,7% | 2,3% |
Chile | 0,2% | 2,5% | 2,3% |
Peru | -0,6% | 3,3% | 2,8% |
Elaboração feita pelo autor. | |||
Fonte: ItauBBA – Cenário Macro Global (disponibilizado em 17/março/2025) |
México e Argentina: dois casos opostos
O impacto dessas incertezas varia entre os países latino-americanos. O México, tradicionalmente apontado como um dos principais beneficiários do nearshoring – processo de relocação da produção para países próximos aos grandes mercados consumidores — deveria estar colhendo os frutos de sua proximidade com os Estados Unidos. No entanto, as incertezas políticas no país vizinho e a desaceleração das exportações levaram a um rebaixamento do PIB mexicano para 0,0% em 2025, demonstrando um enfraquecimento econômico inesperado.
Já a Argentina, historicamente marcada por turbulências econômicas, projeta um crescimento de 4,5% em 2025, impulsionado por um possível acordo com o FMI e pela esperada recuperação dos salários reais. O grande desafio será manter essa trajetória sem novas instabilidades políticas e monetárias nos próximos anos.
O Brasil no meio do tabuleiro
Para o Brasil, o cenário na América Latina traz tanto desafios quanto oportunidades. A região continua sendo um dos principais destinos das exportações brasileiras, especialmente nos setores de manufaturas e bens intermediários. No entanto, o enfraquecimento da demanda mexicana e as oscilações da economia argentina representam riscos para empresas brasileiras com atuação internacional.
Além disso, a falta de avanços significativos na integração regional e na modernização de acordos comerciais limita a competitividade da América Latina como um todo. Diferentemente da Europa, onde as cadeias produtivas são altamente integradas, a região ainda carece de uma infraestrutura de comércio eficiente e de políticas coordenadas entre os países.
O que isso significa para CFOs?
Para os CFOs brasileiros, esse cenário exige uma gestão financeira ainda mais estratégica, com foco em três pilares principais:
- Hedge Cambial e Riscos de Crédito:
- Diante da volatilidade na América Latina, os CFOs devem reforçar políticas de proteção cambial e reavaliar a exposição a clientes e fornecedores na região.
- Diversificação e Resiliência na Tesouraria:
- Estratégias de funding (captação de recursos) precisam levar em conta os riscos políticos e as mudanças nos fluxos de investimento estrangeiro, que podem afetar a liquidez disponível no mercado.
- Revisão da Estratégia de Expansão:
- Empresas que planejam crescer na América Latina devem considerar os riscos regulatórios e de demanda, reavaliando a viabilidade de operações em mercados de maior instabilidade.
Um novo normal para a América Latina
A incerteza comercial global, somada aos desafios internos da América Latina, reforça a necessidade de adaptação e resiliência para as empresas brasileiras que atuam na região. O atraso na integração regional pode ter consequências difíceis de reverter, exigindo uma abordagem cada vez mais estratégica para enfrentar esse cenário.
Se antes a pergunta era “quando” a América Latina se tornaria uma potência econômica integrada, hoje a questão que se impõe é “como” as empresas podem prosperar apesar dos desafios que a região ainda enfrenta.
*Bruno Nespoli Damasceno é Líder da Comissão de Tesouraria e Risco do IBEF-SP (Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças), além de líder de soluções de financiamento na Corteva Agriscience.
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