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A terra sempre foi do índio, mas o marco temporal diverge

A aprovação do marco temporal altera a Constituição e direitos dos povos originários, segundo especialistas
Integrantes de várias tribos indígenas protestaram durante a votação do marco temporal/Foto: Joédson Alves/Agência Brasil.

Apesar dos indígenas estarem no Brasil, quando os portugueses começaram a chegar por aqui, a Câmara dos Deputados aprovou, na terça-feira (30), o projeto de Lei (PL) 490/2007, conhecido como marco temporal. Entre outras coisas, o texto propõe que as terras só poderão ser demarcadas como indígenas, se tivessem ocupadas – ou em disputa judicial – até 05 de outubro de 1988, quando foi promulgada a atual Constituição Federal.

As críticas a este entendimento são grandes, os interesses muitos e envolvem o destino de grandes áreas férteis, a exploração do subsolo de locais ricos em minerais como a Amazônia e a flexibilização de alguns direitos garantidos pela Carta Magna aos povos originários, entre outras mudanças. 

Em tramitação na Câmara desde 2007, os deputados se “apressaram” em colocar o projeto em votação, porque na próxima quarta-feira (07) o Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar um caso que pode se tornar referência na demarcação das terras indígenas no País. E aí, nesta guerra de poderes em que vive o Brasil, a Câmara quis mostrar que o STF não precisa se posicionar sobre este assunto, como insinuou o próprio relator do PL 490 na Câmara, o deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA), quando disse esperar que o STF paralise o julgamento sobre o tema. Depois da aprovação na Câmara, o texto terá que passar pelo Senado.

Julgamento no STF

Agora, voltando ao caso que será julgado pelo STF. O processo envolve uma disputa de uma área de 80 mil metros quadrados em Santa Catarina entre os indígenas Xokleng, agricultores e o Estado de Santa Catarina, que deseja ficar com o local.

Os Xokleng dizem que não estavam nestas terras em 1988, porque tinham sido expulsos do local. E durante o regime militar – que ocorreu entre 1964 e 1985 – a expulsão dos indígenas de algumas das suas áreas foi muito comum. Segundo informações da própria Câmara dos Deputados, existem, no Brasil, pelo menos 80 casos semelhantes ao de Santa Catarina e mais de 300 processos de demarcação das terras indígenas que apresentam algum tipo de pendência.

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Limites

Ainda de acordo com Arthur Oliveira Maia, “cada índio atualmente tem direito a 390 hectares. Caso não prevaleça a nossa vitória do PL 490 e se acabe com o marco temporal, teríamos a demarcação de mais do dobro da quantidade de terras indígenas já demarcadas, e cada índio teria 790 hectares de terra”, como foi publicado no próprio site da Câmara dos Deputados. O Movimento Econômico entrou em contato com o parlamentar que não retornou a ligação nem respondeu a mensagem enviada.

“Depois de 35 anos da Constituição, é razoável colocar um marco temporário na demarcação das terras indígenas. O PL diz que as áreas que não são mais ocupadas por indígenas podem ser redefinidas para a reforma agrária com a Funai à frente. A Justiça vai definir o que está em litígio. Não se pode dizimar a Amazônia nem retirar os índios das suas terras, mas defendemos que, onde for possível, é melhor conciliar a ocupação deles com a atividade econômica”, afirmou o deputado federal Augusto Coutinho (Solidariedade-PE), que votou a favor da aprovação do PL.

Ainda em Pernambuco, os parlamentares que votaram a favor do PL 490 foram: André Ferreira (PL), Clarissa Tércio (PP), Coronel Meira (PL), Eduardo da Fonte (PP), Fernando Coelho (União), Fernando Monteiro (PP), Fernando Rodolfo (PL), Lula da Fonte (PP), Mendonça Filho (União), Pastor Eurico (PL) e Waldemar Oliveira (Avante).

Uma das argumentações dos defensores do projeto é a de que os indígenas são 0,5% da população brasileira, de acordo com o último senso de 2010, e ocupam uma área que corresponde a 14% do território nacional, incluindo as pendências. Números mostram que não há qualquer relação entre a demarcação de terras e o não crescimento das áreas destinadas à agricultura ou à pecuária no Brasil. As terras dos indígenas responderam por 2% da perda de vegetação nativa, enquanto nas áreas privadas esta perda ficou em 68% nos últimos 30 anos, segundo o MapBiomas.

indígenas
Marco temporal: ameaça aos indígenas/Foto: ABR

Mudanças proposta pelo marco temporal

“A implementação desta lei vai significar que os povos indígenas terão os seus processos fundiários revistos. Quem vai ganhar é o agronegócio, a implementação de usinas nucleares e também ficará mais fácil o processo de licenciamento ambiental nestas áreas”, resume Renato Athias, professor do Departamento de Antropologia e Museologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E acrescenta: “o que mais chama a atenção desta iniciativa é a negação de uma história indígena antes de outubro de 1988. É um desrespeito ao artigo 231 da Constituição Federal”. Atualmente, não é permitida a exploração de atividades econômicas, como o garimpo, em terras indígenas.

São várias as mudanças propostas pelo PL nas terras dos povos originários: poderão ser realizadas atividades econômicas sem a consulta dos indígenas, como, por exemplo, o garimpo, o plantio de culturas transgênicas e a implantação de empreendimentos de geração de energia; serem realizados contatos com os povos originários que optaram por viverem isoladamente – o que pode extinguir tribos inteiras -, além de permitir que o poder público possa instalar estradas e redes de comunicação, entre outras.

O deputado federal Carlos Veras (PT-PE) votou contra o PL. “É um enorme retrocesso a aprovação do PL 490/2007 pela Câmara dos Deputados. O governo também orientou contra a matéria que, na prática, representa um ataque aos direitos dos povos originários. O PL, que não observou a necessidade de consulta prévia aos afetados, viola princípios constitucionais e tratados internacionais. A proposta ainda desconsidera todo o contexto das mudanças climáticas, flexibilizando a exploração desses territórios”.

Em Pernambuco, existem 13 comunidades indígenas, espalhadas principalmente no Sertão do Estado. As áreas mais valorizadas são as próximas ao Rio São Francisco, que podem ser usadas para o agronegócio, caso não sejam mais ocupadas pelos indígenas.

O PL 490 também altera a Constituição, sendo uma lei ordinária. E, por isso, alguns especialistas dizem que a iniciativa é inconstitucional. Pela legislação brasileira, a Carta Magna só pode ser alterada por Emendas Constitucionais que passam por um ritual e quórum específicos para a sua aprovação no Congresso Nacional.

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