Incentivos fiscais: empresários e especialistas pedem ofensiva por benefícios à Stellantis

Incentivos fiscais, de acordo com o texto do relator da reforma tributária no Senado, serão apenas para a BYD, na Bahia, e nos bastidores do mundo empresarial se questiona se o amazonense Eduardo Braga (MDB) conhece o volume de benefícios para a Zona Franca de Manaus
Incentivos fiscais: extinção pode levar ao cancelamento de investimentos no polo automotivo de Goiana
Fim dos incentivos fiscais pode levar ao cancelamento de investimentos no polo automotivo de Goiana/Foto: Arthur Souza (Movimento Econômico)

A extinção dos incentivos fiscais para a Stellantis Goiana e a manutenção dos benefícios apenas para a BYD na Bahia vêm gerando forte reação entre as lideranças empresariais e especialistas em Economia e Direito Tributário, em Pernambuco. O presidente da federação local das indústrias (Fiepe), Ricardo Essinger, pede uma grande mobilização das entidades do setor produtivo e política para derrubar as condições, previstas na Reforma Tributária, para acesso da indústria automobilística a redução de impostos no Nordeste.

O texto apresentado pelo relator da matéria no Senado, o amazonense Eduardo Braga (MDB), nesta quarta-feira (25), determina que “só receberão o benefício os veículos que sejam dotados de tecnologia descarbonizante, ou seja, elétricos ou híbridos com motor a combustão, desde que utilizem álcool combustível também”.

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Na prática, a redação atende exclusivamente ao perfil da cadeia produtiva da chinesa BYD, montadora chinesa que está investindo R$ 3 bilhões num complexo localizado no distrito industrial de Camaçari, na Bahia.

Além disso, o texto implica na extinção dos incentivos para o polo automotivo da Stellantis em Pernambuco, onde já foram investidos R$ 18,5 bilhões pela montadora anglo-ítalo-americana. O polo gera 14,7 mil empregos no complexo localizado em Goiana (Região Metropolitana do Recife) e 60 mil em toda a sua cadeia produtiva.

Como a montadora pernambucana só inicia a hibridização/eletrificação da frota em 2024 e de forma progressiva, não atenderia aos critérios definidos no texto da reforma em discussão no Senado.

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Fim dos incentivos fiscais afeta desenvolvimento, diz Ricardo Essinger

O presidente da Fiepe defende que “vamos precisar de uma grande mobilização para alterar essas condições definidas pelo relator e que prejudicam não apenas à cadeia automotiva no estado, o que inclui a Baterias Moura, mas a todo o estado, pela importância do polo automobilístico para o desenvolvimento de Pernambuco”.

“Lamentamos que esses incentivos fiscais sejam retirados sem nenhuma explicação”, acrescenta. O empresário aproveita para rebater o argumento de que os benefícios para a Stellantis criam distorções no mercado de veículos, proporcionando diferencial competitivo privilegiado à montadora em relação a suas concorrentes localizadas em outras regiões.

Esse discurso não faz o mínimo sentido, considerando a fatia da Stellantis no mercado brasileiro, bastante inferior à de outras montadoras”, ressalta. “Uma prova de que essa distorção não existe é que veículos importados de modelos semelhantes aos produzidos no polo de Goiana entram no Brasil pagando alíquotas maiores de impostos que os nacionais e conseguem ser competitivos”, complementa.

Já outro líder empresarial, em off, questiona, em tom de ironia, se o relator da reforma conhece o volume de incentivos que são concedidos, em seu estado de origem, para a Zona Franca de Manaus. A renúncia de impostos federais no polo tem previsão de chegar a R$ 30 bilhões este ano.

Jorge Jatobá: extinção dos incentivos fiscais pode impactar investimentos

O economista e sócio na consultoria Ceplan, Jorge Jatobá, afirma que “é necessário um processo de convencimento das lideranças econômicas e políticas nacionais e regionais, sobretudo com apoio do Consórcio Nordeste, para mudar o texto do relator”.

“Estavam se discutindo três alternativas para os incentivos fiscais ao setor automotivo na reforma tributária. Uma seria extinguir os incentivos para as montadoras, nas regiões onde há benefícios. A outra seria estender a redução de carga tributária para todas, com igualdade de condições em todo o país. A terceira proposta seria manter o programa de incentivos como está hoje”, explica.

“A solução que veio do relator não estava contemplada nessas possibilidades e a opção foi fundamentalmente colocar um critério condicionante que as montadoras não teriam como atender, com exceção da BYD”, critica.

Para o especialista, o conteúdo do senador Eduardo Braga sobre a cadeia automotiva do Nordeste é “assimétrico”. “Prejudica muito Pernambuco porque apenas beneficia o complexo da Stellantis quando o polo de Goiana tiver feito 100% de transição para carros híbridos e elétricos.  No curto prazo, o texto retira competitividade da indústria automotiva pernambucana”, aponta.

Para Jatobá, Stellantis pode regredir nos ganhos de competitividade

Jatobá ressalta que “quando a Stellantis veio se instalar aqui, havia um hiato de produtividade e competitividade, em torno de 14%, e esse hiato foi diminuindo ao longo do tempo à medida que a curva de aprendizado do complexo automobilístico seguiu sua trajetória”. “Isso foi fruto de muitos anos de trabalho, de experiência, investimentos pesados em qualificação profissional e ganho de escala”, frisa.

Para ele, haverá um retrocesso nesse ponto, se a reforma tributária for aprovada com a manutenção do texto do relator. “Com essa proposta, esse hiato da Stellantis pode voltar aos patamares iniciais e seus produtos perderem condições de competir”, analisa.

Ele diz ainda que os motivos pelos quais um grupo que está entre os maiores da indústria automotiva no mundo decidiu se instalar num estado sem tradição no setor e onde não havia uma cadeia adensada de fornecedores “são óbvios”.

Veio porque se ofereceu um conjunto de incentivos importantes, assim como acontece no Centro-Oeste. Isso proporcionou a instalação de uma indústria moderna e que pode ser impulsionadora do desenvolvimento econômico de Pernambuco em várias dimensões”, assevera.

O especialista chama atenção para o risco de que a extinção dos diferenciais na tributação do setor em Pernambuco tenha um efeito drástico: “essas mudanças podem ser determinantes para a reversão de alguns investimentos já planejados para o polo automotivo de Goiana”.

“Isso pode ter impactos que nós ainda não sabemos mensurar. Vai depender das decisões que a Stellantis possa tomar em nível global se essa proposta for aprovada e da estratégia que será adotada pelas outras empresas da cadeia automobilística local, como a Baterias Moura”, adverte.

Jorge Jatobá afirma ter dificuldade para entender a lógica do texto da Reforma Tributária em relação ao setor automotivo nas regiões incentivadas. “Se você pensar de um ponto de vista muito otimista, essas mudanças seriam um estímulo para que a Stellantis acelerasse a descarbonização de produtos e processos no Brasil. Mas as coisas não são simples assim”, pondera.

“O grupo é uma empresa multinacional que tem uma estratégia definida em termos globais e não vai ser simplesmente com uma mudança na legislação brasileira que a Stellantis vai alterar o seu planejamento que se aplica, claro, não apenas à unidade em Pernambuco, mas às outras plantas da empresa em todo o mundo”, avalia.

Incentivos fiscais devem ser mantidos no Norte e Nordeste para evitar concentração da industrialização no Sudeste e Sul, defende Mary Elbe Queiroz
Norte e Nordeste precisam defender a manutenção dos incentivos regionais, defende Mary Elbe Queiroz/Foto: Mary Elbe Queiroz (Divulgação)

Mary Elbe Queiroz critica extinção de incentivos fiscais no NO e NE

Pós-doutora em Direito Tributário pela Universidade de Lisboa e professora do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), Mary Elbe Queiroz faz uma crítica mais ampla ao tratamento que os incentivos fiscais para o Norte e Nordeste vem recebendo na reforma.

“A reforma tributária tinha como objetivo acabar com todos os benefícios. Depois, foram liberadas algumas exceções. Mas o objetivo maior sempre foi acabar com os programas de redução de carga tributária nessas duas regiões”, dispara.

“O que é um contrassenso porque se é uma reforma para atrair investimentos e gerar empregos, retirar os incentivos nas regiões que são as menos desenvolvidas do país, e mais carentes, significa concentrar cada vez mais a industrialização no Sul e Sudeste”, sustenta.

“Por isso, os governos estaduais do Norte e Nordeste devem se mobilizar pela permanência desses mecanismos. Extinguir esses dispositivos para redução de impostos faria sentido se a reforma retirasse incentivos para todas as cadeias produtiva, mas por que só beneficiar alguns setores como está previsto no texto?”, questiona.

“Além disso, a alternativa escolhida pelo relator da reforma prejudica mais fortemente Pernambuco. O estado perde não apenas os atrativos para a indústria automotiva, perde competitividade para atração de investimentos como um todo”, conclui.

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