Moedas locais se consolidam em AL e CE impulsionando economia circular

Moedas sociais ajudam a distribuir renda em comunidades do Ceará e de Alagoas. Economia circular deve ter protagonismo no pós-pandemia

Por Juliana Albuquerque e Samuel Santos

Até o ano de 2030, a economia circular poderá representar uma oportunidade de crescimento global da ordem de US$ 4,5 trilhões, de acordo com estimativas do Fórum Econômico Mundial. No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, em vigência desde 2010, foi um marco legal que vem abrindo caminho para tratar vários tipos de resíduos e que vem sendo impulsionada por experiências exitosas de moedas locais em diversas comunidades no Brasil. No Nordeste, o destaque fica com Ceará e Alagoas.

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A moeda local mais antiga no Nordeste é a Palmas, criada há 24 anos, pelo primeiro banco comunitário do Brasil, o Instituto Banco Palmas, com sede em Fortaleza, para atender à comunidade de Conjunto Palmeiras. Em seguida veio a Sururote, moeda social desenvolvida em 2017 dentro do projeto Maceió Mais Inclusiva, que trabalha pela melhoria da qualidade de vida da população de Vergel, na Lagoa do Mundaú, com base no modelo de economia circular.

O princípio da moeda social é fazer com que a economia circule dentro dos espaços periféricos, beneficiando quem compra e quem vende, no caso os pequenos comerciantes. Em Fortaleza, quem pensou nisso e colocou a ideia em prática foi Joaquim Melo, criador do Banco Palmas e diretor do Instituto E-dinheiro Brasil, que coordena uma rede de bancos comunitários formada por 118 instituições em 47 municípios.

“No início, o banco Palmas foi visto como algo ilegal, porque quem só podia emitir dinheiro era o governo. Mas insistimos com a ideia de fazer com que a riqueza gerada não saia das comunidades”, destaca Joaquim Melo.

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Instituto Banco Palmas - economia circular
O Instituto Banco Palmas, em Fortaleza (CE), foi o primeiro banco comunitário do Brasil, criado em 1998/Foto: Instituto Banco Palmas/Reprodução Redes Sociais

Em 2015, foi dado um passo mais ousado, com a criação de uma carteira eletrônica. Quem intermediou o projeto que deu origem ao operador de microcrédito E-dinheiro foi Roberto Pojo, especialista em política pública e gestão governamental do Ministério da Economia, mas que na época estava na equipe do Ministério do Desenvolvimento Social.

“O processo de crédito também é importante, principalmente quando falamos de populações mais vulneráveis. Ele incentiva ainda mais o uso da moeda social. A partir do momento que se tem um volume existente da moeda no banco comunitário, isso dá uma capacidade de alavancar esse dinheiro, concedendo pequenos empréstimos às pessoas para que elas desenvolvam ou incrementem sua atividade econômica”, explica Pojo.

Só em 2021 a plataforma E-dinheiro movimentou R$ 415 milhões em créditos. A ideia de ir além da moeda de papel deu tão certo que hoje já existem parcerias com governos, como é o caso do Ceará Credi, feito em conjunto com a gestão estadual. Em 2021 foram realizadas 4.527 operações, que beneficiaram 11.234 pessoas com a liberação de R$ 31.828 milhões.

De acordo com o último balanço do Instituto Palmas, o uso das moedas digitais injetou mais de R$ 262 milhões nos comércios locais. Ainda segundo o criador do Banco Palmas, é preciso ampliar o debate sobre a moeda social, sobretudo em um ano eleitoral.

“Se eu falo em R$ 262 milhões, com os 2% cobrados de taxa dos comerciantes, temos pouco mais de R$ 6 milhões em tarifas que foram distribuídas para os bancos comunitários. Uma das principais características desse modelo é que ela gera riqueza, através das taxas, mas essa taxa não é privada, ou seja, ninguém pode ganhar dinheiro com isso. Esses 2% são reinvestidos nas comunidades”, afirma.

Sururote

Em Alagoas, o Instituto MandaVer é o responsável pela criação da moeda Sururote. Ela surgiu para resolver um problema local na comunidade de marisqueiros Vergel, na Lagoa do Mundaú, em Maceió. “Na alta temporada, a comunidade chega a produzir cerca de 800 toneladas de resíduos das cascas de sururu, o que se tornou um problema crônico de descarte para a cidade”, comenta Lisania Pascoal, presidente do instituto.

Segundo ela conta, antes da criação do projeto, em 2019, as mulheres que viviam de catar marisco tinham uma renda mensal de R$ 300. Após a implantação do projeto, cerca de 40 mulheres da comunidade conseguem uma renda extra com o descarte correto do marisco de até R$ 260 por mês.
“Hoje, dentro da mesma cadeia, essa mulher cata o marisco e, após a separação, a limpeza, a entrega os resíduos tratados, limitado a 150 quilos por mês, recebe o Sururote. A moeda social é utilizada dentro da própria comunidade, seja em mercadinhos, salão de beleza, farmácias, entre outros estabelecimentos do comércio da comunidade”, comenta Lisania.

moeda social - sururote
Sururote é a moeda social da comunidade do Vergel, em Maceió/Foto: Divulgação

De acordo com Lisania, para o comércio local, o recebimento da moeda social funciona como se eles estivessem vendendo no cartão de crédito; ou seja, ele recebe em Sururote, paga uma tarifa e troca no banco comunitário da comunidade, o Laguna, instituição que a partir do próximo mês vai colocar o Sururote na era digital.

Sururote digital

“A partir do mês de março nós vamos entrar no modelo híbrido – digital e social do Sururote. Precisamos do físico ainda pela questão da educação financeira. Afinal, nossa população não é alfabetizada. Então, não fazia sentido lançar uma moeda social em formato digital no começo. Mas com a população já acostumada, vamos evoluir e lançar uma outra frente de atuação que será focada no microcrédito”, adianta a presidente do MandaVer.

De acordo com Lisania, a intenção é que com o novo produto, até o fim deste ano, cerca de 100 mulheres passem a ter acesso ao microcrédito através do crédito digital de Sururote.

“A nossa proposta é o fomento do empreendedorismo. As mulheres, por exemplo, que são manicures e querem comprar um equipamento para produzir unhas em gel, recebem o crédito e depois fazem a devolução do que pegou emprestado”, complementa.

Arquitetura como parceira

É fato que o que antes era visto como lixo, hoje representa diversas possibilidades. Um exemplo é a utilização do material na produção de itens do universo da construção, da decoração e da arquitetura.
“Através da nossa empresa social e com a utilização da casca de sururu como matéria-prima, fizemos uma parceria com a Portobello, que viabilizou a criação de uma linha exclusiva de cobogó, o Mundaú, com design assinado pelo designer Marcelo Rosenbaum”, comenta Roberta Roxilene, diretora regional no Nordeste do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS) – entidade que junto com a MandaVer conduz o programa de economia circular em Lagoa do Mundaú.

cobogó
Cobogó criado a partir de resíduos de mariscos é solução sustentável/Foto: Acervo IABS/Divulgação

“Criamos a empresa social para que possamos dar continuidade à estratégia de economia circular, assegurando um fluxo de renda e crédito para a comunidade. Por isso, em um local cedido ao IABS, montamos uma fábrica para gerar emprego e renda para a comunidade com a venda de produtos fabricados a partir da casca do sururu”, afirma Roxilene, complementando que além de cobogó, por ser rica em carbonato de cálcio e outros elementos, como magnésio e fósforo, a casca do marisco já se transformou em revestimento acrílico texturizado, arandelas e até em móveis estofados.

Roberta Roxilene - IABS
Roberta Roxilene – diretora regional no Nordeste do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS)/Foto: IABS/Divulgação

Nunca foi tão necessário falar sobre moeda social e a sua importância para fortalecer a economia circular. A moeda social pode ter papel decisivo no período pós-pandemia. Preocupadas com os rumos da economia, prefeituras têm visto nos bancos comunitários uma saída para diminuir as perdas causadas pela crise. O E-dinheiro extrapolou as fronteiras do Nordeste e já se faz presente em várias cidades de outras regiões do Brasil, como no estado do Rio de Janeiro.

“A gente tem visto com muita felicidade o surgimento de novas moedas sociais digitais. Muitas prefeituras têm feito suas moedas, como a Mumbuca, em Maricá (RJ) – que movimentou R$ 258 milhões no ano passado; a Itajuru, de Cabo Frio (RJ), que começou agora; e a Elefantina, de Porciúncula (RJ), que também já está tendo boa adesão. Essas moedas sociais municipais vão ser o grande diferencial daqui para frente, pois elas estimulam e fortalecem a economia local e todos saem ganhando com isso “, completa Joaquim Melo.

Banco Mumbuca - Maricá (RJ)
O município de Maricá, no Rio de Janeiro, adotou a Mumbuca – uma moeda social digital/Foto: Instituto Banco Palmas/Reprodução Redes Sociais

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