Regulação de biocombustível para aviação: perspectivas no NE

Com o avanço da descentralização produtiva, característica de muitos SAF produzidos a partir da biomassa, é essencial que a regulação atenda cada vez mais às especificidades locais
Pedro Menezes de Carvalho
Pedro Menezes de Carvalho é advogado e professor de Direito Econômico

Pedro de Menezes Carvalho*

A aviação, um dos setores mais desafiados em termos de emissões de gases de efeito estufa (GEE), tem como meta ambiciosa reduzir suas emissões em 50% até 2050. Diante desse desafio, o Substituto de Combustível Sustentável para Aviação (SAF) emerge como uma solução imperativa. Atualmente, a produção global de querosene de aviação alcança a cifra de 390 bilhões de litros, dos quais apenas 14 milhões de litros correspondem ao SAF.

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O desenvolvimento do Combustível Sustentável para Aviação, ou SAF (do inglês Sustainable Aviation Fuel), é parte integrante do esforço global para mitigar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e combater as mudanças climáticas. A aviação contribui com aproximadamente 3,5% do dióxido de carbono (CO2) lançado na atmosfera.

Considerando a expansão projetada do mercado aéreo, espera-se que essa proporção aumente nos próximos anos, caso não sejam adotadas medidas significativas. As pesquisas e testes em desenvolvimento do SAF avançam rapidamente, com o objetivo de promover sua utilização em larga escala. Embora represente apenas 0,1% do consumo total de querosene de aviação, de acordo com a Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), a produção de SAF triplicou em 2022 em comparação ao ano anterior, atingindo cerca de 300 milhões de litros.

Combustível Sustentável para Aviação

O Combustível Sustentável para Aviação, também conhecido como biojet ou BioQAV (querosene verde), é produzido a partir de fontes renováveis. Sua utilização pode resultar em uma redução significativa das emissões de CO2, estimada entre 70% e 90%, quando comparada ao querosene de aviação convencional. O Combustível Sustentável para Aviação (SAF) apresenta a vantagem de ser um combustível “drop-in”, o que significa que pode substituir diretamente o querosene de aviação convencional. Essa característica possibilita sua utilização nos modelos de aeronaves existentes sem a necessidade de modificações estruturais significativas, facilitando e acelerando sua implementação.

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No contexto brasileiro, há uma abundância de matérias-primas viáveis para a produção de SAF. Plantas ricas em açúcares, resíduos agrícolas e óleos são potenciais fontes de matéria-prima para essa finalidade. Com uma cadeia produtiva já estabelecida e rastreável, culturas como a cana-de-açúcar, soja e eucalipto despontam como candidatas naturais para impulsionar uma indústria de SAF no país. O estudo “Disponibilidade de matéria-prima para combustível sustentável de aviação no Brasil”, desenvolvido pela Roundtable on Sustainable Biomaterials (RSB) em colaboração com a Agroicone, oferece uma análise detalhada das fontes potenciais de produção de Combustíveis Sustentáveis de Aviação (SAF) no Brasil.

O estudo identifica várias fontes de matéria-prima para a produção de SAF, destacando as seguintes: Resíduos de cana-de-açúcar; Resíduos de madeira; Óleo de cozinha usado (UCO); Sebo bovino e Gases de combustão

Essas fontes de matéria-prima, quando combinadas com tecnologias de produção de SAF como Alcohol-to-Jet (ATJ) e Fischer-Tropsch (FT), oferecem um potencial significativo para o Brasil se tornar um produtor líder de combustíveis sustentáveis de aviação. O estudo ressalta a importância de explorar essas fontes de forma sustentável, considerando não apenas os benefícios ambientais, mas também os aspectos econômicos e sociais envolvidos na transição para uma bioeconomia sustentável.

Um dos elementos-chave na produção de SAF é o hidrogênio, que reage com o dióxido de carbono (CO2) para gerar hidrocarbonetos de cadeia longa, semelhantes aos encontrados no querosene de aviação. O hidrogênio pode ser obtido de diversas fontes, tanto fósseis (como o gás natural) quanto renováveis (como o etanol), oferecendo flexibilidade na escolha dos processos de produção. Uma dessas iniciativas de destaque é o “Carbon Offsetting and Reduction Scheme for International Aviation” (CORSIA), implementado pela Organização da Aviação Civil Internacional (OACI).

O CORSIA estabelece metas individuais de emissões de gases de efeito estufa para as companhias aéreas em voos internacionais, com o objetivo de evitar que suas emissões ultrapassem os níveis observados na média entre os anos de 2019 e 2020. Para cumprir essas metas, as empresas têm a opção de comprar créditos de carbono, gerados por iniciativas de mitigação reconhecidas pelo CORSIA, para compensar o excesso de suas emissões. O programa CORSIA foi lançado em 2021 e está sendo implementado em três fases. As duas primeiras fases, que ocorrem entre os anos de 2021 e 2026, são de adesão voluntária por parte dos países participantes. Somente a partir de 2027 a participação no CORSIA será obrigatória para todos os países envolvidos. Atualmente, 81 países se comprometeram voluntariamente a aderir ao esquema, embora o Brasil não esteja entre eles.

No contexto nacional, a regulação dos combustíveis, incluindo os combustíveis de aviação, é atribuída à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Cabe à ANP definir as regras para a comercialização, especificidades químicas e físicas, bem como realizar a fiscalização desses produtos. Além disso, a ANP é responsável por implementar as resoluções do Conselho Nacional de Política Energética, que tem como objetivo promover novos mercados, valorizar os recursos energéticos e incentivar o uso de combustíveis alternativos.

Em virtude do Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, instituído em 2005, a Lei 12.490 ampliou as atribuições da ANP, passando a incluir a regulação da cadeia de biocombustíveis, incluindo aqueles destinados à aviação. As normas para a comercialização do querosene de aviação (QAV-1) também são estabelecidas pela ANP. O mercado do Querosene de Aviação QAV-1 no Brasil é altamente concentrado, com a Petrobras, produzindo cerca de 3.332 mil metros cúbicos em suas refinarias. Embora o Brasil tenha registre um saldo positivo no comércio internacional de QAV-1, é importante destacar que o país geralmente importa mais do que exporta, especialmente para atender aos mercados das regiões Norte e Nordeste. As importações são predominantemente realizadas pelo terminal de SUAPE, em Pernambuco.

A ANP estabelece as especificações e regras para a comercialização desses combustíveis alternativos. As especificações foram alinhadas com normas internacionais, restringindo os combustíveis considerados sintéticos aos listados nos anexos da ASTM D7566, sem criar um processo de certificação nacional para novos combustíveis de aviação; mantendo o alinhamento com padrões internacionais. Em 2019, as regras para a comercialização do QAV-1 e dos combustíveis alternativos foram unificadas na Resolução 778 da ANP, estabelecendo as responsabilidades de cada agente na cadeia de combustíveis de aviação. O produtor de um SAF é responsável por garantir a qualidade do produto, que deve seguir as especificações determinadas, e a comercialização só é permitida após a emissão de um certificado de qualidade pela ANP. No Brasil, após a mistura, é criado um novo produto, o querosene de aviação C (QAV-C), que pode ser utilizado em qualquer infraestrutura destinada ao QAV-1 e pode ser misturado com mais QAV-1 ao longo da cadeia. No entanto, é proibida a mistura de outros combustíveis alternativos com o QAV-C, assim como é vedada a mistura de diferentes QAV-C ao longo da cadeia. Tanto o produtor quanto o distribuidor de QAV-1, após a mistura com o combustível alternativo, precisam certificar o QAV-C para garantir as especificações necessárias. .

A tendência no mercado é a possibilidade de o distribuidor comercializar o QAV-C diretamente com o consumidor final, além de permitir a venda entre distribuidoras e para revendedores, inclusive deve-se ressaltar que atualmente está em discussão a possibilidade vê venda direta do Querosene de Aviação, tal medida deverá reduzir o custo das companhias entre 4% a 8%. É importante notar que no Brasil também há uso de combustíveis não drop-in na aviação, como o etanol.

O baixo preço do etanol em relação aos combustíveis tradicionais de aviação despertou o interesse de alguns operadores de aeronaves, especialmente os prestadores de serviços agrícolas. Diferentemente dos combustíveis drop-in, a lógica da utilização do etanol como combustível de aviação envolve a adaptação das aeronaves e motores para operar com esse combustível. Em relação ao aspecto regulatório, a incipiência tanto na produção quanto no uso dos Combustíveis Sustentáveis para Aviação (SAFs) no Brasil dificulta qualquer prognóstico sobre o setor. Novos obstáculos, possivelmente imperceptíveis no momento atual, podem surgir com o aumento da escala de produção. Entretanto, o fato dos SAF serem combustíveis drop-in, originários de diversas rotas produtivas e seguindo uma rígida certificação internacional, permite algumas discussões sobre as possíveis dificuldades que serão enfrentadas pelos reguladores e agentes da cadeia de combustíveis de aviação.

Embora os SAF não estejam inseridos no RenovaBio, programa brasileiro de estímulo aos biocombustíveis, a sua produção gera efeitos positivos no programa. O RenovaBio incentiva os SAF, pois a sua produção gera Créditos de Descarbonização (CBIOs) proporcionais aos seus benefícios ambientais em comparação com o QAV-1. O RenovaBio se apresenta como uma ferramenta de incentivo nesse sentido, permitindo que o produtor de SAF também lucre com a venda dos CBIOs associados ao combustível.

No entanto, com o avanço da descentralização produtiva, característica de muitos SAF produzidos a partir da biomassa, é essencial que a regulação atenda cada vez mais às especificidades locais, valorizando os benefícios da descentralização e reduzindo os impactos ambientais locais.

Dado que a estrutura atual de produção e distribuição de QAV-1 é concentrada, os produtores de SAF poderiam ficar dependentes de poucas empresas para comercializar seus produtos e ficariam em desvantagem na negociação de preços, o que poderia desestimular os investimentos na produção dos SAF. O Brasil demonstra um potencial significativo para se tornar um protagonista no desenvolvimento de Combustíveis Sustentáveis para Aviação (SAFs), conforme evidenciado pelo estudo “Disponibilidade de matéria-prima para combustíveis sustentáveis de aviação no Brasil”.

Este estudo realizou um mapeamento detalhado, destacando que o potencial brasileiro pode ser alcançado através do uso estratégico de resíduos provenientes de culturas já existentes. Estima-se que o país poderia produzir até 32 bilhões de litros de SAF por ano, o que seria suficiente para atender a demanda doméstica e ainda exportar. Isso sugere que, se os devidos investimentos e políticas forem implementados, o Brasil poderia se tornar um líder global na produção de SAF, promovendo o desenvolvimento econômico, a sustentabilidade ambiental e a segurança energética.

A região Nordeste do Brasil possui um potencial significativo para se tornar um polo de produção de Combustíveis Sustentáveis para Aviação (SAFs), contribuindo assim para a redução das emissões de gases de efeito estufa no setor da aviação. Com sua vasta oferta de biomassa e um ambiente propício para investimentos em energias renováveis, o Nordeste se destaca como uma região estratégica para o desenvolvimento e produção desses combustíveis alternativos. Em particular, o estado de Pernambuco pode desempenhar um papel crucial nesse processo, dadas suas características favoráveis e os esforços já em andamento para impulsionar a indústria de SAFs.

Com o apoio do governo brasileiro e parcerias público-privadas, Pernambuco tem potencial para se destacar na produção de SAFs. Iniciativas como a inauguração do Laboratório de Hidrogênio e Combustíveis Avançados em Natal, Rio Grande do Norte, são exemplos concretos desse movimento. Este laboratório, em parceria com o Instituto SENAI de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER) e a Cooperação Brasil-Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável, demonstra o compromisso do estado em explorar alternativas sustentáveis para a aviação.

Com metas ambiciosas estabelecidas pela indústria da aviação e regulamentações que incentivam o uso de SAFs, Pernambuco tem a oportunidade de se posicionar como um importante player nesse mercado em ascensão. Ao investir em pesquisa, desenvolvimento e inovação, bem como em parcerias estratégicas, o estado pode não apenas contribuir para a redução das emissões de carbono, mas também impulsionar sua economia, gerando empregos e promovendo o desenvolvimento sustentável.

*Advogado e Professor Universitário com mestrado em Direito pela UFPE. Especializado em Contratos pela Harvard University e em Negociação pela University of Michigan. Possui certificações em Sustentabilidade, Governança e Compliance pela Fundação Getúlio Vargas. Além disso, detém um MBA em Direito Marítimo pela Maritime Law Academy. Atua como Sócio do renomado escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados, liderando a área de Regulação, Infraestrutura, Energia e Sustentabilidade. Destaca-se por sua vasta experiência como docente, ministrando aulas em instituições de prestígio como UNICAP, IBMEC e PUCMinas.

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