
O dólar encerrou 2024 registrando um aumento de 27,34% em relação ao real, reflexo das incertezas crescentes sobre a atuação do governo com o equilíbrio fiscal. Essa foi a maior alta da moeda americana desde 2020, período da pandemia de covid-19, quando a valorização foi de 28,9%. Na comparação com as demais moedas globais, o real teve o segundo pior desempenho no ano, ficando à frente apenas do peso argentino, que acumulou alta de 27,53%.
Para tentar frear a valorização da moeda americana, o Banco Central intensificou sua atuação no mercado cambial em dezembro. Ao longo do mês, foram injetados US$ 32,5 bilhões no sistema, sendo US$ 21,5 bilhões por meio de vendas à vista – a maior oferta mensal desde a adoção do câmbio flutuante em 1999. Outros US$ 11 bilhões foram adicionados por meio de leilões com compromisso de recompra.
No último dia útil de 2024, na segunda-feira (30), o dólar chegou a ser cotado a R$ 6,24, com alta de 0,79%, antes de um novo leilão do Banco Central, no valor de US$ 1,81 bilhão. Ao final do pregão, a moeda fechou em R$ 6,18, com leve recuo de 0,21%.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, declarou na segunda-feira (30) que as intervenções do Banco Central foram “corretas”. Segundo ele, “o câmbio no Brasil é flutuante, e o dólar encerra 2024 bastante valorizado globalmente. Mas considero adequadas as ações do Banco Central, pois garantiram liquidez para quem estava realizando remessas enquanto o mercado processava as medidas fiscais anunciadas”, afirmou após reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Mercado de ações em queda
O impacto da disparada da moeda americana, aliado às pressões inflacionárias e à elevação da taxa Selic pelo Banco Central, foi sentido no mercado de ações brasileiro. Para o analista macroeconômico Rafael Cavalcanti, “a alta do dólar e da Selic tiram o interesse do mercado em ações brasileiras. Com isso, boa parte dos investidores migra para a renda fixa ou títulos externos”.
Após alcançar 134 mil pontos no fim de 2023 e atingir 137 mil pontos em agosto, o Ibovespa fechou 2024 com 120.283 pontos, acumulando uma queda de 10,36%. Este foi o pior resultado anual do índice desde 2021, quando a pandemia fez o mercado recuar quase 12%.
Fatores internos e externos que contribuíram para a valorização do dólar frente ao real em 2024
Para especialistas, tanto fatores internos como externos tiveram um peso na desvalorização do real diante da moeda americana. “Internamente, a instabilidade política devido a ataques do governo federal contra o presidente do Banco Central, Campos Neto, gerou incerteza entre os agentes econômicos. O mercado não consegue identificar claramente o que ocorre na relação entre o governo federal e o Banco Central”, pontua o economista e colunista da Associação Comercial e Empresarial de Caruaru, Jhonattan Washington”.
Jhonattan explica que a inflação acima da meta também impactou significativamente o Brasil. Com isso, há tendência de aumento nos juros, o que gera instabilidade econômica, reduzindo a confiança na moeda brasileira, além da questão do déficit fiscal. “O governo tentou atender o mercado com cortes no orçamento, mas os cortes não foram como o esperado. Provavelmente, as contas públicas não fecharão nos próximos anos, e o governo está rolando a dívida devido ao déficit e aos juros altos”, afirmou.
O economista chama atenção para o Bolsa Família, programa de transferência de renda que atende mais de 20 milhões de famílias brasileiras em situação de vulnerabilidade social. “O programa alcançou níveis recordes em 2024, pressionando ainda mais o orçamento. Todos esses fatores contribuem para a perda de confiança no Brasil e o aumento da confiança em investimentos externos”
Já o economista Wagner Brito chama atenção para a valorização global do dólar e a política monetária contracionista do Federal Reserve, com altas taxas de juros, que tornam os ativos americanos mais atrativos. “Isso resultou na saída de capital de mercados emergentes, como o Brasil. Além disso, o cenário internacional adverso, incluindo tensões geopolíticas e a busca de investidores por ativos seguros, o que contribuiu para a valorização da moeda americana”, explica.
Brito ainda frisa que a desaceleração do comércio global e o aumento dos custos de importação afetaram a competitividade brasileira, que “agravaram a pressão sobre a economia”.
Intervenções do Banco Central no mercado de câmbio podem impactar a economia brasileira
As medidas do Banco Central ocorreram em um ambiente de alta tensão no mercado, alimentada pela insatisfação dos investidores com o pacote de ajuste fiscal anunciado pelo governo em novembro. “As intervenções do Banco Central no mercado de câmbio buscam reduzir a instabilidade econômica. Temos reservas em dólar, e foi assim que superamos a crise de 2008, entrando por último e saindo primeiro devido a essas reservas”, explica Jhonattan Washington.
O especialista comenta ainda que o BC tem feito um bom trabalho nesse aspecto, intervindo para evitar que o dólar fique excessivamente alto. Contudo, é preciso ir além e adotar medidas fiscais e econômicas que sejam estruturantes. “Apenas queimar reservas não é suficiente; precisamos de um ajuste fiscal mais consistente para garantir a estabilidade”, avalia.
Já para o economista Wagner Brito, as intervenções no mercado de câmbio geram impactos diferentes no curto e médio prazo. “No curto prazo, as vendas diretas de dólares aumentam a oferta da moeda estrangeira, estabilizando a taxa de câmbio. Isso reduz a incerteza para investidores e empresas, especialmente aquelas com contratos vinculados ao dólar, como importadores e exportadores”, explica Brito, alegando que essas intervenções poderiam conter a inflação temporariamente, reduzindo o repasse da desvalorização do real para os preços internos, especialmente de combustíveis, alimentos e produtos importados.
Contudo, Wagner chama atenção para os impactos das medidas a médio prazo, que podem ser mais negativos. “Há o risco de erosão das reservas internacionais, limitando a capacidade de lidar com futuras crises. Além disso, a dependência de intervenções pode distorcer o mercado cambial e reduzir a competitividade dos produtos brasileiros, especialmente no setor agrícola, prejudicando os exportadores”, comenta.
Escolha de Galípolo como presidente do Banco Central e impacto nas políticas futuras
Nesta terça-feira (31), o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, nomeou Gabriel Galípolo para exercer o cargo de presidente do Banco Central, a partir de 1º de janeiro de 2025, com mandato até 31 de dezembro de 2028. O decreto de nomeação foi publicado no Diário Oficial da União (DOU).
“Com a nomeação de Gabriel Galípolo como presidente do Banco Central, as políticas tendem a ser mais expansionistas, devido à proximidade dele com o presidente Lula. Isso significa que haverá menos efeitos negativos na economia. Até agora, as políticas do Banco Central foram contracionistas, retraindo a economia para conter a inflação. No entanto, o tempo disponível para essas políticas surtirem efeito é curto”, pontua o analista macroeconômico Rafael Cavalcanti.
Jhonattan Washington analisa que o nome de Galípolo foi uma boa opção, contudo é preciso identificar se ele terá autonomia para atuar à frente do Banco Central. “Isso influencia na estabilidade econômica e na credibilidade do BC. Precisamos esperar as primeiras reuniões do Copom para identificar como Galípolo vai agir”, opina.
Risco de descontrole inflacionário no cenário atual
Para os especialistas, há um risco de descontrole inflacionário e isso pode acontecer já em janeiro de 2025, uma vez que o ano está sendo encerrado acima do teto da meta de inflação. “Controlar a inflação geralmente implica aumento na taxa de juros, então o Banco Central precisa agir com independência e determinação. Isso exige cuidado”, afirma Washington.
O economista atesta que, com a nova presidência de Galípolo, há expectativas em relação às políticas monetárias que serão adotadas, além de políticas fiscais planejadas para 2025, que serão cruciais para o cenário atual. “Caso não sejam efetivas, o descontrole inflacionário será inevitável nos próximos anos”, comenta Jhonattan.
“Estamos saindo de uma gestão do Banco Central, liderada por Campos Neto, que foi acertada em termos de controle inflacionário, para uma nova presidência alinhada ao atual governo, que tem histórico de gastos fiscais excessivos. Isso pode representar um problema sério para o controle da inflação. No entanto, precisamos esperar para ver como será conduzido”, atesta o analista macroeconômico Rafael Cavalcanti.
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