Uma semana em Brasília e no Congresso Nacional que valeu por todo o recesso branco das eleições. A sucessão de fatos ocorridos entre a segunda e quarta-feira na Capital Federal reacenderam o debate polarizado que dominou as últimas duas eleições presidenciais, com o movimento do campo da esquerda em defesa da proposta pelo fim da escala de trabalho 6×1 e o ataque de um homem ao Supremo Tribunal Federal (STF). Uma semana confusa, com potencial de desenhar com quase dois anos de antecedência a disputa pela Presidência da República de 2026. Ou, ao menos, inflamar e manter engajados os aliados fiéis de cada lado até o período eleitoral.
No início da semana passada, a deputada Erika Hilton (PSOL-RJ) ganhou destaque, principalmente nas redes sociais, ao coletar assinaturas para que comece a tramitar na Câmara dos Deputados Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa reduzir a jornada de trabalho de 44 para 36 horas semanais. Também prega a redução da escala de trabalho de seis dias de trabalho por um de descanso.
Com um bom mote, de que “a escala 6×1 é desumano”, e um trabalho bem-feito de comunicação, a pauta caiu no gosto popular, com um apelo irresistível para a classe trabalhado, de mais tempo livre para diversão e para a família. Prova disso é que em algumas cidades do País, manifestantes foram às ruas, no dia 15 de novembro, para dar apoio à proposta.
“Acho que foi muito mobilizadora a pauta, em um momento muito importante para retomada dessa mobilização. Acho que todo o nosso campo deve abraçar essa pauta, mesmo que tenha divergência com alguma coisa, de encaminhamento, uma divergência pontual aqui ou acolá, mas como conteúdo é uma pauta extremamente importante porque chegou à população”, destacou a senadora Teresa Leitão (PT-PL), ressalvando que essa não é uma proposta nova, mas que a deputada Erika Hilton “fez uma comunicação muito eficiente, de que há vida além do trabalho”.
Apoio na oposição
O impacto do projeto foi tão amplo na classe trabalhadora que obrigou parte da oposição a aderir à proposta. Em dois dias, a deputada conseguiu reunir o mínimo necessário de apoio para que a PEC comece a tramitar. No início da noite da quarta-feira (13), Erika Hilton convocou uma coletiva de imprensa para anunciar que já havia superado com folga as 171 assinaturas necessárias para que pudesse protocolar a PEC.
Dar entrada na matéria é uma coisa, aprová-la com a atual composição do Congresso Nacional é outra. E bem mais complicada. Pelo menos essa é a visão do cientista político da Universidade Federal do Piauí, professor Elton Gomes.
“Cada deputado que chegou ali, chegou com o apoio de algum setor empresarial. Uma parte deles, basicamente a esquerda, chegou com o apoio de movimento social e sindicato, que é favor dessa medida. O restante representa um segmento econômico, como o agro, a indústria a área de prestação de serviço, entre outras. Eles não devem aprovar essa medida e encarecer pelo triplo a contratação do Brasil, que já é caríssima”, ponderou o professor.
Semana de revés para o campo da direita
Na mesma semana em que o campo de esquerda encontrou um mote de engajamento para chamar de seu, o campo da direita sofreu um grande revés na pretensão de fazer andar no Congresso Nacional uma proposta de anistia para os envolvidos nos episódios de 8 de janeiro de 2023, quando os prédios dos três Poderes foram invadidos e depredados por simpatizantes do ex-presidente Jari Bolsonaro, que também seria beneficiado com a anistia.
No momento que a deputada Erika Hilton falava sobre ter conseguido as assinaturas para PEC, explosões na Praça dos Três Poderes e no estacionamento do Anexo IV do Câmara Federal, que funciona ao lado do Supremo Tribunal Federal, trouxeram de volta a lembrança dos ataques ocorridos na primeira semana de janeiro de 2023.
Por volta das 19h30, duas explosões, em um intervalo de cerca de 20 segundos, ocorreram perto do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. Vendo as suas duas tentativas de atingir o prédio frustradas, Francisco Wanderley Luiz, um ex-candidato a vereador pelo PL em Rio do Sul (SC), que tinha como nome de urna Tiú França e conquistou 98 votos, acendeu um terceiro explosivo e deitou a cabeça sobre ele, vindo a óbito.
A leitura imediata é que o novo ataque ao STF emperra qualquer possibilidade de sucesso do projeto de anistia, embora que distante, como lembra o professor Elton Gomes. Segundo ele, não havia possibilidade de uma proposta como essa prosperar, visto que a Justiça já julgou e condenou parte dos envolvidos no episódio de janeiro de 2023.
“Acho que a chance de anistia sempre foram remotas, porque a anistia, por mais que seja um ato político, é, em última instância, um elemento que tem que ser reconhecido pela setor judicial ou Poder Judiciário, na sua mais alta corte, justamente quem condenou essas pessoas em um processo cuja constitucionalidade e legalidade muito questionadas. Isso porque foi um inquérito feito de ofício, sem individualização da conduta criminosa, com penas mais duras do que as comumente dadas para homicídios no Brasil. Então é muito dificilmente esse mesmo Poder Judiciário aceitaria como legal uma anistia dela pelo Congresso”, analisou o professor Elton.
A senadora Teresa Leitão concorda que o ataque brecará o projeto de anistia que estava ganhando corpo no Congresso Nacional. “Eu considero aquilo um atentado e acho que é o fruto de todo esse processo de mobilização da extrema-direita, que cresceu os olhos depois da eleição de (Donald) Trump. Eu acho que tem umas conexões que, embora não estejam explicitadas, são facilmente visíveis. Ele vinha planejando e acho que se sentiu empoderado depois da vitória de Trump. Isso vai impactar diretamente no projeto da anistia. Eles achavam que Trump ajudaria. Mas vai dar uma ré”, colocou a senadora.
Assim como o professor Elton, a senadora considera cedo para analisar se o episódio será utilizado como mote contra o campo de oposição.
O professor Elton acredita que não há interesse de nenhum dos lados em render esse assunto do atentado, pois cada campo político tentará jogar a culpa no outro. E às forças de segurança, avalia, não interessaria um debate sobre como um homem burlou a segurança da Praça dos Três Poderes para atacar o prédio do STF. Numa linha similar, a senadora Teresa Leitão acredita ser necessário esperar o fim das investigações para se posicionar sobre o assunto.
Uma semana tão movimentada como a passada, sete dias são muito poucos para encerrar tantos assuntos, que devem ganhar sequência nos próximos dias. Mas sempre sem tirar do foco a eleição de 2026.
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