
Pedro de Menezes Carvalho[1]
Por décadas, o modelo tradicional de escritório de advocacia operou sob a lógica de que excelência técnica, reputação e relacionamento pessoal eram suficientes para garantir crescimento e estabilidade. Essa fórmula funcionou bem em um mercado menos competitivo, com clientes mais dependentes e pouca pressão por inovação. No entanto, essa lógica simplesmente não se sustenta mais, por si só. O mercado jurídico mudou radicalmente, em especial pela explosão das Inteligências Artificiais. A forma de consumir serviços jurídicos se transformou, e as exigências dos clientes evoluíram de forma irreversível.
As empresas, que antes viam o jurídico como um mal necessário, hoje exigem que seus parceiros sejam muito mais do que solucionadores de problemas pontuais. Elas querem aliados estratégicos, profissionais capazes de compreender seu negócio, antecipar riscos, propor soluções criativas e, acima de tudo, gerar valor de forma eficiente, ágil e previsível. Nesse contexto, torna-se cada vez mais evidente que muitos escritórios continuam operando como se fossem apenas bancas de advogados, e não como empresas. Ignoram que, antes de qualquer coisa, são organizações que vendem serviços jurídicos e que precisam ser gerenciadas como qualquer empresa moderna — com visão estratégica, governança, desenvolvimento de talentos e cultura orientada a resultados.
Papel do advogado
Essa mudança de mentalidade passa, também, por abandonar de vez o papel do advogado como “guardião do não”. O advogado que se posiciona apenas como agente de bloqueio, que opera sob uma cultura de aversão ao risco e que se limita a apontar o que não pode ser feito, perde rapidamente relevância. O cliente moderno não quer — e não aceita mais — um jurídico que trave seus negócios. O papel do advogado, especialmente em um ambiente corporativo, é ser um viabilizador. É construir caminhos, é ajudar o cliente a alcançar seus objetivos com segurança, criatividade e inteligência jurídica. O jurídico, portanto, deve deixar de ser percebido como centro de custo e passar a ser visto como ferramenta de antecipação, de previsão e de estratégia. Quando o escritório adota essa postura, deixa de ser um acessório do negócio do cliente e passa a ser parte fundamental da geração de valor.
O erro estrutural mais recorrente está na gestão de pessoas, mais especificamente na forma como se contrata, se organiza e se lidera equipes. Durante anos, a pergunta que predominou nas mesas de sócios foi: “Quantos clientes esse advogado irá trazer? ” — essa, na verdade, é a pergunta errada. O foco não pode mais ser esse. A questão central deve ser: “Quanto de valor esse profissional é capaz de gerar para o nosso negócio? ” Valor, aqui, não significa apenas faturamento imediato, mas também reputação, expansão de mercado, capacidade técnica, desenvolvimento de novos negócios e escalabilidade da operação. Para que isso aconteça, os escritórios precisam abandonar a visão limitada que trata todos os advogados como peças intercambiáveis e, definitivamente, compreender que equipes de alta performance são formadas por profissionais com competências distintas, complementares e igualmente indispensáveis.
Existe uma ilusão muito comum na advocacia de que excelência técnica basta, por si só. Esse é apenas o ponto de partida. Nenhum cliente escolhe mais um escritório apenas porque ele domina o Código Civil ou a legislação tributária. Isso é o básico, não se espera menos do que isso, capacidade técnica é um valor inescusável. O verdadeiro diferencial reside em como o escritório se organiza, como entrega, como se relaciona e, sobretudo, como estrutura seus times para gerar valor de forma consistente. E, para isso, é preciso entender que não existe um perfil único de advogado que resolva todos os problemas.
Os escritórios que prosperam hoje são aqueles que compreenderam a necessidade de formar times compostos por três perfis estratégicos fundamentais: o acadêmico, o vendedor e o técnico. O acadêmico é aquele que fortalece a reputação do escritório, constrói autoridade, participa de eventos, publica artigos, concede entrevistas e consolida a imagem institucional no mercado. Nem sempre é a melhor pessoa para conduzir uma negociação ou fechar um contrato, mas sua presença no ambiente jurídico e empresarial é fundamental para atrair atenção, gerar credibilidade e abrir portas.
Já o vendedor é quem transforma essa credibilidade em contratos assinados. É quem possui habilidades de escuta ativa, empatia, negociação e entendimento profundo das dores do cliente, traduzindo essas dores em soluções jurídicas alinhadas às estratégias de negócio. Por fim, o técnico é aquele que garante a excelência da entrega, desenvolvendo teses sólidas, pareceres robustos e estratégias jurídicas sofisticadas. Contudo, há um erro extremamente caro e recorrente no mercado: desperdiçar esse profissional em atividades operacionais que não demandam sua senioridade, como a elaboração de petições simples ou revisão de documentos padronizados, aqui entra o júnior que atuará em forma de apoio. Isso representa não apenas um desperdício de talento e dinheiro, mas também um gargalo na escalabilidade do escritório.
Essa compreensão sobre perfis e especializações, no entanto, não se sustenta sem uma mudança profunda de mentalidade no papel do advogado e, especialmente, do sócio. O sócio que acredita que seu papel se resume a revisar contratos ou elaborar pareceres de alto nível está, objetivamente, condenando seu próprio escritório à estagnação. Ser sócio, hoje, é ser, antes de tudo, gestor. É entender de planejamento estratégico, de finanças, de precificação, de desenvolvimento de negócios, de gestão de pessoas e, acima de tudo, de construção de cultura organizacional. Não há espaço, no mercado contemporâneo, para sócios que não dominem conceitos de gestão. E se essa realidade incomoda, a resposta não está em ignorá-la, mas em se qualificar.
Mudança Cultural
Essa mudança cultural não se aplica apenas aos sócios ou às lideranças. Ela deve permear toda a estrutura do escritório. É essencial entender que todos os integrantes, sem exceção, fazem parte do processo de desenvolvimento e expansão dos negócios — cada um, claro, dentro da sua competência institucional. A cultura de captação e de geração de negócios não pode ser tratada como uma responsabilidade exclusiva de um ou outro profissional. O acadêmico, com sua capacidade de gerar autoridade, abre portas e atrai atenção. O vendedor transforma essa atenção em contratos. O técnico, com sua entrega impecável, fideliza e solidifica a relação com o cliente. E o sócio? O sócio faz tudo isso e, além disso, é quem sustenta a estratégia, garante o alinhamento entre as áreas e mantém a cultura empresarial viva.

Nesse ecossistema, até mesmo o estagiário desempenha um papel essencial. O estagiário não está no escritório apenas para auxiliar em tarefas menores, mas para ser desenvolvido, formado e preparado para ser, no futuro, um profissional que contribua efetivamente para a perpetuidade do negócio. O estagiário é, ao mesmo tempo, uma ferramenta de apoio e de investimento no futuro do escritório. Ignorar esse papel é desperdiçar a oportunidade de construir uma base sólida e alinhada com os valores e os objetivos estratégicos da organização.
Dentro desse cenário, há um ponto de atenção especialmente sensível e muitas vezes negligenciado: a condição dos profissionais seniores. Esses profissionais, na prática, exercem quase todas as funções de um sócio — lideram equipes, conduzem projetos, garantem qualidade técnica, atendem clientes e são pressionados a participar da captação. Contudo, não possuem os bônus, apenas os ônus. São, muitas vezes, sócios não declarados, sem participação nos lucros, sem acesso à sociedade e, frequentemente, sem uma perspectiva clara de crescimento. Esse é um dos principais fatores de desgaste, desmotivação e turnover no mercado jurídico. Escritórios que não estruturam trilhas de desenvolvimento claras, que não oferecem bônus atrelados à performance ou planos de acesso à sociedade, simplesmente alimentam um ciclo de perda de talentos que, quando se concretiza, leva embora conhecimento, cultura, relacionamentos e, não raramente, clientes.
A má gestão de pessoas não só custa caro — ela destrói escritórios. E faz isso de forma lenta, silenciosa e, muitas vezes, irreversível. O processo começa com a saída dos melhores profissionais, se agrava com a insatisfação dos que permanecem e culmina na perda de clientes, na estagnação dos negócios e na corrosão de uma reputação que, muitas vezes, levou anos para ser construída. O mais preocupante é que muitos só percebem que entraram nesse ciclo tarde demais, quando a reversão já é extremamente custosa — ou simplesmente inviável.
Por outro lado, os escritórios que entenderam essa dinâmica estão construindo modelos muito mais resilientes, inovadores e rentáveis. São organizações que não se enxergam mais como bancas de advogados, mas como empresas de serviços jurídicos de alta performance. Têm governança sólida, gestão profissionalizada, desenvolvimento de pessoas, cultura orientada a resultados, programas robustos de retenção de talentos e trilhas de crescimento claras e transparentes. Esses escritórios não estão preocupados apenas em vencer causas, mas em construir negócios jurídicos sólidos, escaláveis e preparados para um mercado que não perdoa amadorismo.
O futuro da advocacia pertence, definitivamente, a quem entende que gerir um escritório não é gerir um grupo de advogados — é gerir uma empresa. E que deve ser administrada como qualquer outro negócio de alta performance. O jogo não é mais sobre quem elabora a melhor petição; o jogo é sobre quem consegue transformar talento em valor econômico, para o escritório, para o cliente e para toda a cadeia. Quem não entender isso agora corre um risco muito real e muito concreto de, em pouco tempo, tornar-se apenas uma lembrança de um tempo que não volta mais.
[1] Pedro de Menezes Carvalho é advogado e professor universitário com mestrado em Direito pela UFPE. Especialista em Contratos pela Harvard University e em Negociação pela University of Michigan. Advogado na área de Regulação, Negócios, Energia e Financeira. Experiência destacada na docência na UNICAP, IBMEC e PUCMinas.
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