José Carlos Cavalcanti: a crise financeira de 2007 que nos afeta até hoje

Neste artigo, o professor José Carlos Cavalcanti explica o que provocou a crise de 2007.
José Carlos Cavalcanti é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Divulgação

Por José Carlos Cavalcanti*

Lá se vão 15 (quinze) anos da mais impactante crise financeira desde a Grande Depressão dos anos 20/30 do século passado, e mesmo assim, sabemos muito pouco ainda sobre quais foram seus determinantes; ou seja, o que aconteceu, como aconteceu, por que aconteceu, e por quais razões ela ainda nos afeta atualmente.

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Este próximo passado dia de 09 de agosto deste ano, todavia, marcou os 15 (quinze) anos de um fato importante que potencialmente disparou a cadeia de eventos que fez eclodir a crise financeira (que ficou reconhecida como a Grande Recessão), mas que ainda não foi devidamente entendido, até mesmo pela Financial Crisis Inquiry Commission (Comissão de Investigação da Crise Financeira- doravante Comissão), estabelecida por Lei do Congresso Americano, e assinada pelo Presidente dos EUA em maio de 2009, cujo relatório final foi entregue dois anos depois.

O fato referido foi o seguinte. No dia 09 de agosto de 2007, o banco francês BNP Paribas fez um anúncio que caiu como uma bomba nos mercados. O banco congelou 1,6 bilhão de euros – US 2,2 bilhões – em fundos, alegando que “se tornou impossível determinar o valor de alguns dos seus fundos de forma justa, independentemente de sua qualidade ou avaliação de crédito”.

Este fato, de acordo com Jeff Snider, Estrategista Chefe da Atlas Financial [co-host do popular podcast Eurodollar University, e um dos mais conhecidos especialistas do mundo sobre o Euro-Dollar Market e, não foi devidamente investigado pela referida Comissão. Segundo ele, os fundos do BNP Paribas, money market funds (fundos do mercado de moeda), por natureza, definições, e mandatos legais, são constituídos para serem inteiramente seguros (e eles eram, segundo Snider). 

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A regulação financeira à época permitia que até 35% do total desses fundos pudessem ser aplicados em “alternativas”, tais como ABS (Asset-Backed Securities, dos quais as MBS – Mortgages Backed Securities, títulos lastreados em hipotecas residenciais, que se tornaram mais populares no mercado imobiliário americano, particularmente as subprime, ou seja, as hipotecas estendidas aos mais pobres ou com histórico de crédito incompleto ou inexistente). Acontece que nem todas as ABS dos fundos eram subprime, tal como muitos observadores pensavam à época.

Mesmo assim, de acordo com Snider, a liquidez de mercado para todas as categorias de MBS e ABS literalmente desapareceu, razão pela qual o BNP Paribas admitiu que não poderia valorar seus fundos. Logo, não foram as perdas do subprime que motivaram a posição do banco, mas sim a admissão, por um dos participantes monetários chave do mundo, de quanto o sistema havia encalhado naquele ponto. O desaparecimento da liquidez mostrou as “vulnerabilidades do sistema financeiro” já àquela época, fato não investigado a fundo pela Comissão, segundo Snider.

O principal ponto do argumento de Snider é que a Comissão não investigou a fundo tais “vulnerabilidades”.  Até mesmo o Presidente do Federal Reserve (Banco Central dos EUA), Ben Bernanke, admitiu para a Comissão (página 27 do relatório) que não avaliou bem os riscos sistêmicos à época da crise. Segundo ele: “As perdas prospectivas do subprime eram claramente não tão grandes o suficiente para darem conta da magnitude da crise”.  E continua: “Mais que isso, as vulnerabilidades do sistema, junto com hiatos do kit de ferramentas do governo em resposta à crise, eram as explicações principais do porquê a crise foi tão severa e teve tais efeitos devastadores na economia mais ampla”.

Em resumo, e como defendido por Snider, ainda precisamos investigar e entender que “vulnerabilidades do sistema” são essas, que já se apresentavam naquela oportunidade, e que têm se agravado desde então. Na opinião de Snider as conclusões da Comissão são apenas parte da história, ou da explicação para a crise. Pelo que se conhece dos seus trabalhos, outra parte da história está relacionada às questões do Euro-Dollar Market.  E aqui não podemos deixar de referenciar também a contribuição de Brent Jonhson, CEO e Gestor de Portfólio da Santiago Capital, com sua “Dollar Milkshake Theory”, que tenta dar conta da complexa arquitetura do sistema monetário internacional.

Apesar de aqui terem sido consideradas como parciais, as conclusões do relatório da Comissão foram as seguintes: a) A crise era evitável; b) Amplas falhas na regulação e supervisão financeira se provaram devastadoras para a estabilidade dos mercados financeiros nacionais; c) Falhas dramáticas de governança corporativa e de gestão de risco em muitas sistematicamente importantes instituições financeiras foram as causas desta crise; d) Uma combinação de tomadas de empréstimos excessiva, investimentos de risco, e ausência de transparência, colocou o sistema financeiro em uma rota de colisão com a crise.

Adicionalmente: e) o governo esteve mal preparado para a crise, e sua inconsistente resposta  adicionou incerteza e pânico nos mercados financeiros; f) Houve quebra sistemática de prestação de contas e ética; g) O colapso de padrões de empréstimo hipotecário e de securitização de hipotecas acendeu e espalhou a chama de contágio e crise; i) Derivativos do mercado balcão contribuíram significativamente para esta crise; e, j) Falhas das agências de ratings de crédito foram engrenagens essenciais na direção de destruição financeira.

* Jose Carlos Cavalcanti é professor do Departamento de Economia e do Centro de Informática da UFPE e o e-mail do autor é: [email protected]

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