Ademilson Saraiva: Endividamento das famílias é desafio ao crescimento em 2023

O superendividamento é prejudicial a famílias e empresas, tolhe o poder de compra e o crescimento da economia, refletindo um desempenho tímido no varejo e na indústria.
Ademilson Saraiva – Economista

Por Ademilson Saraiva*

O endividamento das famílias foi pauta assídua no noticiário econômico durante o segundo semestre. Pesquisas de instituições que acompanham a situação e percepção dos brasileiros quanto ao assunto apontaram, por um lado, o aumento na buscam por crédito e, por outro, o avanço na inadimplência.

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A discussão sobre as causas e implicações da escalada do endividamento – face ao aumento do custo de vida e a intensificação da desigualdade, especialmente após a fase mais crítica da pandemia –, têm sido relevantes e, não à toa, receberam destaque nos debates durante o período eleitoral, uma vez que as dificuldades financeiras das famílias impõem desafios imediatos ao primeiro ano de mandato do próximo governo.

Contrair dívidas não é exatamente o problema. Quando a finalidade é, por exemplo, investir em algo que trará retorno em médio ou longo prazo, mesmo que não financeiro, ou eliminar alguma despesa corrente, ou mesmo outra despesa financeira, com custo efetivo mensal mais elevado, um empréstimo ou financiamento, pode ser vantajoso.

A situação do endividamento das famílias passa a ser um problema, propriamente, quando recorrer ao crédito se torna indispensável à manutenção do consumo essencial. Nesse momento, o endividamento pode se tornar um problema estrutural para a família, sobretudo com a perspectiva de elevação persistente dos juros.

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Mesmo com a retomada do mercado de trabalho formal e as medidas de suporte à renda garantidas, por hora, até o final do ano, os itens mais essenciais aos consumidores de mais baixa renda, como alimentos (alta de +12,7% no ano) e bebidas (+15,6%), materiais de higiene (+12,8%) e limpeza (+18,4%) e produtos farmacêuticos (+14,6%), acumulam alta de preços muito acima da média geral (+6,5%).

Levantamento do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), da FGV, aponta que esses consumidores (com até dois salários mínimos mensais), além de mais endividados, acabam sujeitos a crédito mais caro para conseguir sanar dívidas atrasadas ou complementar a renda, o que vem potencializando a inadimplência.

De acordo com levantamentos da Confederação Nacional do Comércio (CNC), a média anual da proporção de famílias endividadas saltou 10 pontos percentuais entre 2018 e 2021, saindo de 60,3% para 70,9%. Em 2022, até outubro, a média é de 77,8%, e o aumento tende a ser de 8 pontos percentuais este ano, quase o dobro do registrado em 2021, quando expandiu 4,4 p.p.

A proporção das famílias com contas em atraso, por sua vez, chegou a 25,2% na média anual de 2021. Em 2022, a média alcança o patamar de 28,6% até outubro, tendo o percentual mensal saltado de 26,4% em janeiro para 30,3% no último mês.

O superendividamento é prejudicial a famílias e empresas, tolhe o poder de compra e o crescimento da economia, refletindo um desempenho tímido no varejo e na indústria. Este ano, no acumulado de janeiro a setembro comparado ao mesmo período de 2021, a produção na indústria de transformação e o volume de vendas do varejo registraram, respectivamente, queda de 0,7% e crescimento de apenas 0,8%.

A tendência ao endividamento e inadimplência ainda reflete o período mais grave da pandemia, em que foram necessárias medidas para conter a disseminação do coronavírus. O trajeto, desde então, foi de queda na renda do trabalho, compensada de forma descontinuada pelo auxílio emergencial, seguida de uma maior busca por crédito, cujo custo aumentou substancialmente à medida que o Banco Central ajustou a taxa básica de juros (Selic) – a qual era de 2,00% a.a. em 2020 e atualmente se encontra no patamar de 13,75% a.a. – como mecanismo para conter a inflação.

*Ademilson Saraiva é economista e sócio na Ceplan Consultoria

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