Uma pesquisa divulgada pelo Serasa esta semana apontou que 29% dos brasileiros têm cinco ou mais cartões de crédito. Somado aos que têm três ou quatro cartões de crédito, esse percentual sobe para 70% dos brasileiros. Considerando o que informa o IBGE em sua Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD Contínua) – que 90% dos brasileiros têm renda média inferior a três salários-mínimos -, esta conta não fecha e fundamenta o alto nível de endividamento da população e sua falta de educação financeira.
Mas essa história não é de hoje. Tudo começa lá atrás, e a Educação Financeira no Brasil passa por três fases distintas. A primeira, antes do Plano Real, era totalmente concentrada nas pessoas com maior poder aquisitivo, as quais estavam preocupadas em tentar manter os rendimentos dos seus investimentos, porém com pouco ganho real.
A implantação do Plano Real, em 1994, é a fase de transição para a segunda etapa, com a estabilidade monetária e consequente bancarização dos indivíduos e liberação do crédito. Dessa forma, o consumo – ainda que parcelado – é o maior símbolo de ascensão e sucesso, e os brasileiros se lançaram às compras de forma desordenada, aumentando os níveis de endividamento e de inadimplência. Infelizmente uma grande parcela da população ainda se encontra nessa fase.
Ter dois ou mais cartões de crédito é sinônimo de que a pessoa ainda está nessa fase, pois consome de forma descontrolada, e não sabe ao certo o quanto gasta e nem quanto tem de limite. De acordo com a mesma pesquisa da Serasa, um dos motivos apontados para ter mais de um cartão de crédito é a possibilidade de emprestar para alguém que não tem, algo complemente inconcebível e enquadrável como crime, fora a responsabilidade do consumidor de pagar a conta que outra pessoa comprou caso este não efetue o pagamento.
Além disso, os bancos e outras instituições financeiras sempre oferecem um limite de crédito no cartão além das capacidades de pagamento do consumidor, gerando a possibilidade de um desvio comportamental em educação financeira chamado contabilidade mental, na qual a pessoa baseia suas compras pelo limite que ainda tem no cartão e não pelo que ela pode pagar.
Não é à toa que 77,7% das famílias brasileiras estão endividadas em abril deste ano, de acordo com a pesquisa da CNC, sendo o cartão de crédito o tipo de dívida mais comum dos consumidores.
A solução possível é ingressar na terceira fase da educação financeira no Brasil, utilizando a experiência negativa de endividamento como aprendizado para maior controle financeiro, promovendo então um relacionamento mais saudável com o dinheiro. Para isso, uma atitude muito importante é diminuir ao máximo a quantidade de formas de pagamento, como contas correntes e cartões. O ideal é no máximo duas contas e um cartão de crédito, para maior controle da situação financeira da família.
Só um maior nível de educação financeira da população brasileira é capaz de mudar a situação econômica do país, a qual depende do nível de poupança agregada e do crédito adequado à empresas, entre outros fatores, para a sua expansão.
Valéria Saturnino é Doutora em Finanças, professora da Universidade Federal de Paraíba UFPB) e Consultora Associada da Ceplan Consultoria Econômica
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