Valéria Saturnino: Cresce endividamento das famílias. Como contornar?

Valéria Saturnino* A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada no último dia 4 de novembro pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), demonstrou que 74,6% das famílias brasileiras estavam endividadas em outubro de 2021, sendo a 11ª alta mensal consecutiva do índice. Apesar de ser um novo recorde, os outros dois indicadores da […]
Etiene Ramos
Etiene Ramos
Jornalista

Valéria Saturnino*

A Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), divulgada no último dia 4 de novembro pela Confederação Nacional do Comércio (CNC), demonstrou que 74,6% das famílias brasileiras estavam endividadas em outubro de 2021, sendo a 11ª alta mensal consecutiva do índice.

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Valéria Saturnino*

Apesar de ser um novo recorde, os outros dois indicadores da pesquisa demonstram uma relativa melhora na situação: o percentual de famílias inadimplentes (com dívidas ou contas em atraso) alcançou 25,6%, percentual 0,5 ponto abaixo de outubro de 2020; além disso, 10,1% das famílias declararam não ter condições de pagar contas ou dívidas, valor 1,8 ponto abaixo do mesmo período no ano anterior.

Sabemos que a inflação – que nos últimos doze meses está acumulada em 10,25% pelo IPCA – corrói o poder de compra do dinheiro, em especial para quem depende de salários fixos e observa mês a mês as contas aumentando. Dessa forma, uma redução no nível de inadimplência das famílias brasileiras e daquelas que declararam não ter condições de pagar suas contas se apresenta como um ponto positivo. Mesmo diante das adversidades impostas pela pandemia – como o desemprego – juntamente com a inflação, as famílias brasileiras têm buscado cada vez mais honrar seus compromissos financeiros em dia.

Um dos motivos que pode estar contribuindo para uma leve melhora nesses índices é o aumento da Taxa Selic, a taxa básica de juros da economia brasileira, a qual influencia todas as outras taxas, levando as famílias a repensarem suas decisões de endividamento e investimentos.

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Mesmo assim, não temos do que nos orgulhar. Temos cerca de 12 milhões de famílias endividadas no Brasil, o maior indicador em onze anos. Considerando a média do IBGE de três pessoas por família, estima-se que mais de 35 milhões de brasileiros estariam endividados, um grupo maior do que toda a população do Peru (31,91 milhões de habitantes) ou da Venezuela (28,64 milhões), dentre os demais países da América do Sul com menos habitantes – exceto a Argentina, a Colômbia e, obviamente, o próprio Brasil.

Fica a pergunta: como contornar esta situação? A Educação Financeira atualmente é considerada uma Política Pública a ser executada no mundo todo, conforme divulgação e apoio da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Desde 2010 foi lançada no Brasil a Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF) enquanto política pública nesse sentido.

Entretanto, em mais de uma década de implantação da ENEF, temos com resultado concreto apenas a inserção da Educação Financeira na Base Nacional Comum Curricular, e isso apenas em 2017, com foco na qualificação dos professores e efetiva implantação apenas em 2020.

Além dessa ação concreta, a ENEF foi responsável pela criação da Semana ENEF, um evento nacional anual promovido em todo o país com capacitações e orientações em educação financeira, bem como o Selo ENEF, que já certificou mais de 200 ações em suas duas edições (2013 e 2018).

Avaliando de forma concreta, as ações em educação financeira pelo país se mostram dispersas, sem uma atuação integrada, sem foco nos jovens egressos de faculdades e universidades e que estão ingressando no mercado de trabalho e começando a obter seus primeiros rendimentos, para que utilizassem estes de forma consciente e precisa em relação ao consumo e ao endividamento.

Além disso, com relação à forma e conteúdo, as ações priorizam conteúdos genéricos, não personalizáveis a cada situação, e focam no conteúdo de formação de poupança e investimentos, quando a maior parte da população adulta brasileira precisa aprender a negociar dívidas e a usar o processo de tomada de empréstimo de forma mais consciente.

Até 30 de novembro de 2021 está sendo promovido um mutirão nacional de renegociação de dívidas, sob a coordenação da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). As pessoas interessadas em participar devem se cadastrar no site consumidor.gov.br, no qual teve a adesão de mais de 160 instituições financeiras. A novidade este ano é o desenvolvimento pela Febraban de um site específico para orientações e preparação da renegociação da dívida (https://mutirao.febraban.org.br/), focando na educação financeira do consumidor.

Tudo isso é extremamente válido, agora se não houver uma ampla divulgação dessas oportunidades junto ao interesse da população brasileira em se educar financeiramente e sair dos níveis de endividamento, será mais uma ação fadada ao fracasso. A educação financeira na base é a principal solução, mas demora um longo tempo para trazer resultados. A população adulta brasileira precisa de Educação Financeira, pois ela também é essencial ao crescimento econômico do país.

*Valéria Saturnino é doutora em Finanças, professora da UFPB e consultora Associada da Ceplan Consultoria Econômica

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