
Em decisão cautelar, o ministro Moura Ribeiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), determinou a suspensão imediata de qualquer ato que envolva alienação, ônus ou garantias sobre o patrimônio do espólio do Grupo João Santos. A ordem judicial atinge diretamente o advogado Augusto Quidute, nomeado inventariante dativo, que fica impedido de operar os bens até o julgamento do recurso especial movido por Fernando João Pereira dos Santos, filho primogênito do empresário João Santos.
Fernando questiona a legalidade de sua destituição da inventariança e aponta nulidades no acórdão que conferiu plenos poderes a Quidute, cuja gestão estaria operando ativos abaixo dos valores reconhecidos na recuperação judicial. Para o relator, a medida é necessária para evitar riscos de dilapidação do patrimônio e garantir a solvência frente a credores e obrigações trabalhistas.
Disputa pelo espólio do Grupo João Santos
A disputa ocorre no contexto de um espólio estimado em mais de R$ 13 bilhões, que inclui fábricas de cimento, usinas de açúcar, ativos imobiliários, empresas de mídia e outras participações. O Grupo João Santos, dono da marca Cimento Nassau, já foi o segundo maior do setor no Brasil, com 13% de participação de mercado.
A nomeação de Quidute como inventariante teria ocorrido sem a anuência dos seis herdeiros diretos, que alegam terem sido excluídos da condução do inventário e da gestão da recuperação judicial. A situação levou o desembargador Márcio Aguiar a se declarar suspeito por “foro íntimo”, após questionamentos formais da defesa de Fernando, e o caso passou ao relator Gabriel Cavalcanti.
Outro foco de tensão está na análise de contratos firmados após o início da RJ. Documentos anexados ao processo na 15ª Vara Cível do Recife apontam pagamentos de R$ 21 milhões a prestadores de serviço sem vínculo histórico com o grupo, levantando suspeitas de desvio de finalidade e prejuízo a credores. A avaliação dos ativos também está no centro das controvérsias: imóveis usados em garantias de financiamento teriam sido subavaliados em até 90%, o que pode comprometer a recuperação financeira e a preservação do patrimônio.
A trajetória de João Santos, fundador do grupo, é marcada pelo empreendedorismo no Nordeste. Natural de Serra Talhada (PE), iniciou a vida profissional ainda criança, formou-se em economia e construiu um dos maiores conglomerados industriais da região. Morreu em 2009, aos 101 anos. Desde então, o espólio segue sob disputa judicial.
Em fevereiro passado, a 15ª Vara Cível, Seção B, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, homologou o Plano de Recuperação Judicial (PRJ) do Grupo João Santos, com base no aditivo aprovado na Assembleia Geral de Credores. O plano prevê o pagamento de até 30 salários mínimos para credores trabalhistas e um desembolso total de R$ 479 milhões em curto prazo. A decisão também incluiu a dispensa temporária da apresentação de certidões negativas de débitos fiscais estaduais e municipais, com prazo de 180 dias para regularização.
Apesar de questionamentos do Ministério Público de Pernambuco e de credores sobre supostos vícios na assembleia, o juiz considerou válidos os procedimentos adotados e destacou a necessidade de preservar a continuidade do grupo.
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE), por meio do promotor de Justiça Paulo Henrique Queiroz Figueiredo, havia recomendado a não homologação do Plano de Recuperação Judicial (PRJ) do Grupo João Santos. O parecer foi emitido após a aprovação do plano na Assembleia Geral de Credores (AGC), levantando questionamentos sobre falta de transparência, manipulação de quórum e prejuízos aos credores trabalhistas.
“Esse é um dos planos mais democráticos que a Recuperação Judicial já promoveu no Nordeste. Estamos quitando o crédito de 90% dos credores trabalhistas. A contestação é limitada a apenas 0,5% dos créditos, ou seja, a 115 pessoas. E esses correspondem a R$ 250 milhões da dívida, um terço do total devido às 23 mil pessoas”, disse na ocasição João Rogério, da PPK Consultoria, um dos responsáveis pelo processo de recuperação judicial.
Para trabalhadores que faziam parte do alto escalão da empresa, a proposta de recuperação judicial apresentada à categoria foi considerada injusta e inviável. “Para quem tinha créditos próximos a R$ 10 mil, a empresa oferecia pagar R$ 10 mil à vista. Se fossem R$ 15 mil, por exemplo, os R$ 5 mil restantes seriam pagos após a homologação da assembleia. Mas quem tinha direito a R$ 100 mil ou mais, receberia o correspondente a 30 salários mínimos na homologação, o restante teria um deságio de 80% e o pagamento se daria em 190 meses (cerca de 16 anos)”, reclamou Raul Freire, ex-funcionário o grupo.
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