Projetos de lei do Poder Executivo em áreas como saúde, educação e assistência social tiveram tratamento pacífico e foram aprovados sem dificuldades ao longo de 15 meses de convivência entre o Governo Raquel Lyra e a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). O mesmo não se pode dizer de pautas da área econômica, como mudanças em impostos e reajustes para servidores públicos, que já motivaram pelo menos sete períodos de embates em menos de um ano e meio. O caso mais recente foi a extinção das faixas salariais de policiais e bombeiros militares, aprovada após 63 dias de desgastes para os dois lados.
As primeiras tensões começaram em 17 de abril do ano passado, quando o Governo de Pernambuco enviou para a casa legislativa o Projeto de Lei 556/2023, por meio do qual solicitava autorização dos deputados para contratar até R$ 3,4 bilhões em operações de crédito. A matéria acabou aprovada por unanimidade em 3 de maio, com apenas 15 dias de tramitação, mas não sem antes estar envolvida em ruídos de comunicação entre integrantes desses poderes.
Em uma reunião entre a governadora Raquel Lyra (PSDB), a vice-governadora Priscila Krause (Cidadania) e deputados para sanar dúvidas sobre o projeto, houve reclamações de que parlamentares teriam sido constrangidos publicamente a encurtar discursos. Na mesma semana, durante audiência pública, membros do secretariado foram acusados de não informar em que áreas os recursos dos empréstimos seriam aplicados e que isso seria como conceder “um cheque em branco” ao governo.
Já a gestão estadual pediu urgência na aprovação do texto porque previa o rebaixamento para o selo Capag C após um resultado orçamentário negativo em 2022, o que inviabilizaria a contratação de novas operações de crédito em 2024. Nesse e em outros projetos, também defendeu que o formato e a abrangência das propostas apresentadas eram os possíveis para não comprometer o espaço fiscal do estado.
Reajuste para profissionais de educação também teve embates
Já a polêmica seguinte passou mais tempo em pauta na Alepe. O Projeto de Lei Complementar 712/2023, que concedia um reajuste de 14,95% ao piso salarial dos profissionais de educação, demorou 42 dias para ser aprovado, entre maio e junho, com um total de 30 votos em um cenário em que eram necessários 25. Quinze deputados votaram contra a proposta alegando que o aumento salarial não repercutiria para toda a categoria, gerando distorções na carreira. A votação foi traumática, com parlamentares se acusando mutuamente de inflamarem o público presente nas galerias do plenário da Alepe.
Governo judicializou mudanças na LDO
A votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) referente ao período de 2024 a 2027 também deixou marcas na relação entre Governo e Parlamento. Ao longo de 35 dias de tramitação, entre 1º de agosto e 5 de setembro de 2023, o texto passou por mudanças como a que abreviou até junho o prazo para pagamento de emendas parlamentares pelo Executivo, bem como a que determinou que o excesso de arrecadação em relação às estimativas de receitas fosse repassado aos outros poderes.
Contrária à medida, a bancada governista chegou a evitar que uma sessão tivesse quórum com o objetivo de obstruir uma das votações. Dias depois, porém, o texto acabou aprovado com os trechos que desagradavam o Governo Raquel Lyra. Os vetos que a governadora fez a esses pontos também foram derrubados em sessão posterior, o que motivou a gestão estadual a acionar o Supremo Tribunal Federal (STF). No início de maio, a corte deu vitória ao Governo de Pernambuco, mantendo os vetos. O caso já havia sido alvo de decisão liminar do ministro André Mendonça em fevereiro deste ano.
Discussões sobre impostos acirraram os ânimos
De 22 de agosto a 26 de setembro, outros 35 dias foram necessários para discutir o Descomplica PE, pacote de ações fiscais do Governo de Pernambuco que incluía a redução de 2,5% para 2,4% na alíquota do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e o aumento de 18% para 20,5% na alíquota do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Entre tentativas frustradas de inserir emendas no texto e queixas sobre um só projeto alterar dois tributos, a votação acabou com placar de 30 votos favoráveis e 11 contrários, e a lei passou a vigorar em janeiro de 2024.
Já a Lei Orçamentária Anual (LOA) precisou de dois meses para aprovação, de 5 de outubro a 5 de dezembro. A tramitação foi novamente tumultuada, especialmente na Comissão de Finanças, Orçamento e Tributação, que chegou a ter uma reunião ordinária encerrada abruptamente pela presidente, deputada Débora Almeida (PSDB), e reaberta pelo vice, deputado Lula Cabral (Solidariedade), com aval do presidente da Alepe, deputado Álvaro Porto (PSDB). O projeto acabou aprovado com R$ 1,1 bilhão a mais na previsão de receitas, contrariando o governo.
Entre novembro e dezembro, os deputados discutiram o Projeto de Lei 1506/2023, que criou um mecanismo de compensação para garantir que todos os municípios pernambucanos recebessem a mesma fatia da redistribuição do ICMS do ano anterior. Em audiência com secretários estaduais, parlamentares reclamaram da falta de uma fórmula justa para essa partilha, o que motivou a proposição de emendas do deputado José Patriota (PSB). Após acordo com a Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), elas foram retiradas de pauta. O texto do governo foi aprovado, mas não de forma unânime.
Na mesma época, um pacote com mais de 30 projetos enviados pelo Poder Executivo também foi apreciado pelos parlamentares em menos de um mês, alguns com impacto social, como o que criou o Mães de Pernambuco, programa de transferência de renda para mulheres em situação de vulnerabilidade social. Essas temáticas, porém, tramitaram e foram aprovadas sem questionamentos.
Extinção das faixas salariais: tramitação durou 63 dias
Em 2024, a pauta que motivou embates entre Executivo e Legislativo ocupou quase todo o primeiro semestre. Teve início em 5 de março, pouco após a retomada dos trabalhos parlamentares após o Carnaval, e só terminou em 7 de maio, a apenas um mês e meio do recesso dos deputados. O Projeto de Lei Complementar 1671/2024 tratou da unificação das faixas salariais de policiais e bombeiros militares, promessa de campanha que a governadora Raquel Lyra pretende cumprir, de forma escalonada, até 2026, alegando que não há espaço fiscal para extingui-las em 2025, como defendeu a oposição.
Com inserção nas corporações militares, a bancada do PL protagonizou embates com parlamentares governistas nas comissões da Alepe ao longo dos 63 dias de tramitação da matéria. O processo acabou gerando o rompimento do Governo do Estado com o deputado federal Coronel Meira (PL), que compareceu como ouvinte a votações no Parlamento estadual, e com o deputado estadual Joel da Harpa (PL), que vinha acompanhando a bancada do governo em 2023. Pessoas indicadas por eles para cargos na gestão estadual foram exoneradas no início do mês, o que elevou ainda mais as tensões. Na semana passada, outros integrantes do governo ligados ao presidente estadual do PL, Anderson Ferreira, foram demitidos do comando do Departamento Estadual de Trânsito (Detran).
As emendas e manobras regimentais de que o projeto foi alvo nesse período provocaram um roteiro de idas e vindas pelas mesmas comissões e geraram, inclusive, o risco de trancamento da pauta da Alepe. A tramitação tumultuada teve ainda xingamentos em plenário, vaias a membros do secretariado em audiência pública e convites a representantes do governo para dar explicações.
Na votação final em plenário, o texto acabou aprovado por 41 votos a 1. Em votações de destaques à matéria, porém, a bancada governista conseguiu apenas um voto a mais que os 25 necessários, contra 16 da oposição, uma demonstração de como os deputados pernambucanos seguiram divididos, até o último minuto, sobre o conteúdo do projeto. Na semana passada, a governadora Raquel Lyra sancionou o texto. A expectativa agora é pela apreciação do projeto de lei referente ao reajuste salarial dos policiais civis, que deve chegar à Alepe nos próximos dias.
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