Desde que foi lançado, em julho, o programa habitacional Morar Bem PE, do Governo de Pernambuco, está chamando atenção de empresas e governos de estados do Norte e Nordeste. A secretária de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Estado de Pernambuco, Simone Benevides, assim como o secretário Executivo de Políticas Urbanas e Habitação, André Fonseca, têm sido convidados para apresentar a iniciativa em fóruns diversos promovidos por entidades como o Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscom), a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) ou mesmo a Associação das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi).
No mês passado, Simone Benevides esteve em Fortaleza apresentando o programa, e nos próximos dias 9 e 10 estará no Maranhão. A razão disso é que o mercado está entendendo que o programa é uma das mais inovadoras iniciativas dos últimos tempos para reduzir o déficit habitacional. Numa live promovida pela CBIC, no mês passado, mais de mil pessoas acompanharam a apresentação ao vivo da secretária.
O modelo desenvolvido em Pernambuco tende rapidamente a ser adotado em outros mercados, o que é muito bom para as duas regiões (N/NE), que precisam não só resolver o problema do déficit habitacional, mas gerar empregos. E como se sabe, a construção civil é a principal engrenagem para fazer a economia girar. Confira a entrevista da Secretária Simone Benevides, que é funcionária de carreira licenciada da Caixa Econômica Federal, à editora do site Movimento Econômico, Patricia Raposo.
Movimento Econômico – O Programa Morar Bem PE está atraindo a atenção do setor de construção de vários estados do N/NE. O que inspirou o seu desenvolvimento?
Simone Benevides – Existe um paradigma de que no Norte e Nordeste não há dinheiro suficiente para fazer o que São Paulo, Paraná, Minas Gerais e outros estados fazem, que é complementar os recursos da entrada para aquisição de imóveis do programa federal Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Para as famílias terem acesso ao programa do governo federal, elas precisam bancar a entrada, que é uma poupança feita durante o período de construção. E não havia incentivos para isso. O déficit habitacional dessas regiões (N/NE) corresponde a 42% de todo déficit do país, mas o orçamento liberado do fundo de garantia (FGTS) corresponde a bem menos: 32%. Percebemos que de 2015 a 2022, essas regiões acabaram por devolver recursos do FGTS e essa verba terminou indo para obras do MCMV dos estados do Sudeste.
ME– O que de fato acontecia?
SB – Existe a premissa de que isso ocorria porque as pessoas não tinham crédito aprovado pela Caixa. Mas vimos que, em 2022, a Caixa aprovou carta de crédito para 50 mil pessoas em Pernambuco, com renda de até dois salários mínimos. No entanto, só 10 mil delas compram os imóveis. O que aconteceu com as outras 40 mil? Mergulhamos nos dados da Secretaria Nacional de Habitação para entender e descobrimos que essas pessoas não tinham dinheiro para pagar a entrada, e que o valor médio necessário correspondia a R$ 20 mil reais. Então vimos que com esse valor por família, poderíamos começar a reverter o cenário.
ME– Como isso vinha impactando o mercado?
SB- Além do incômodo de “devolver dinheiro”, a construção civil não conseguia acelerar obras para essa faixa de público. A escassez de negócios por aqui estava levando as construtoras a buscar obras em outros estados.
ME –Qual o peso da informalidade neste cenário?
SB– Essa faixa de renda dificilmente consegue ter poupança. Quem consegue efetivar a compra usa recursos vindo da venda de um carro ou do apoio da família, por exemplo. As construtoras não conseguiam financiar o valor para esse público porque ou ele paga o aluguel de onde mora, ou paga o financiamento. Mas. de fato, a informalidade é alta e a grande maioria não conta com fundo de garantia. Então tínhamos uma situação que era a seguinte: nem as pessoas compravam, nem o déficit habitacional caia e nem as construtoras construíam.
ME– Qual a meta do governo com esse programa?
SB– Nos próximos 12 meses, vamos contemplar 10 mil famílias com recursos tomados junto à Caixa Econômica Federal da ordem de R$ 200 milhões. Para 2024, a Lei Orçamentária Anual (LOA) prevê mais R$ 333 milhões. Ao final do governo esperamos ter 40 mil imóveis contratados com recursos da ordem de R$ 1 bilhão.
ME– Quando os primeiros imóveis serão entregues?
SB – Pouco depois de lançarmos o programa, 14 construtoras se credenciaram e sete já contavam com obras em execução que se enquadravam nas exigências do programa. Até dezembro entregaremos os primeiros imóveis.
ME– E quais são essas exigências?
SB – Uma delas é que não vamos aceitar imóveis de estoque, apenas novos imóveis. A outra é que o preço tem um teto, R$ 190 mil reais.
ME – Esse preço não cria dificuldades com a localização dos imóveis?
SB – Temos obras do Litoral ao Sertão. E temos imóveis sendo construídos até no Recife. Com a garantia de entrada, as construtoras ganham velocidade nas vendas e isso ajuda na equação financeira. O programa tem um diferencial: não impomos onde as pessoas vão morar, elas podem escolher.
ME– O governo do estado pode não só reduzir o déficit habitacional com esse programa, mas também o desemprego…
SB– Certamente. O programa vai movimentar a economia. A construção civil tem grande capacidade de gerar emprego. Um industrial local que também atua no setor de construção nos disse que a cada R$ 1 milhões de lucro na construção ele consegue gerar 6 vezes mais empregos do que com a mesma receita na indústria. Essa é a força do setor. Além disso, vimos que, em 2022, considerando a liberação média de recursos do FGTS pela Caixa para 10 mil famílias, a movimentação no setor alcançou R$ 2 bilhão no mercado local. Com mais 10 mil do programa de habitação estadual, serão ao todo R$ 4 bilhões. É algo que gera impacto do mercadinho ao grande armazém de construção. Muito bom para nossa economia.
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