Neoindustrialização abre passagem para o verde

A bioeconomia é um dos pilares da neoindustrialização

Nesta terceira matéria da série O Desafio da Neoindustrialização, o Movimento Econômico mostra que a bioeconomia pode ajudar na descarbonização da economia e na implantação de uma indústria verde no país com a expectativa dos insumos de origem sintética ou fósseis serem substituídos por bioinsumos. O Brasil já foi chamado até de “biopotencia”, mas para os insumos verdes se transformarem em produtos devem ser feitas mais pesquisas e investimentos em inovação.

O armazenamento destas sementes fazem parte de uma das 18 minifábricas instaladas pela Natura na Amazônia. Foto: Naiara Jinknss/Divulgação

Fazer a bioeconomia sair do grande potencial existente no Brasil e chegar a ser usada na produção das fábricas é um dos grandes desafios da Neoindustrialização. A bioeconomia pode contribuir para a descarbonização, porque muitos dos materiais que usamos – nos mais diversos setores industriais – são de origem fóssil. Somente como exemplo, duas empresas diferentes estão usando as plantas da caatinga para produzir ativos utilizados, respectiavamente, em xampus anticaspa e num corante índigo (azul) a ser usado pela indústria têxtil. É só o começo de uma grande transformação que pode ser capitaneada pela indústria. No  mundo, a expectativa é de que o setor de bioinsumos dobre a sua receita até 2025.  

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Os ativos da bioeconomia podem ser extraídos das plantas, algas e microrganismos, entre outros. Somente para se ter uma ideia do tamanho desta cadeia, o mercado natural de bioinsumos tem um faturamento em torno de US$ 5,2 bilhões anualmente e uma taxa de crescimento superior a 15% ao ano, segundo a Pesquisa da Annual Biocongrol Industry Meeting (Abim). A expectativa da instituição é de que o setor dobre de tamanho e alcance uma receita de US$ 11,2 bilhões até 2025. 

“Há uma tendência de todos os mercados migrarem para produtos mais verdes, de ativos de origem natural para substituir os sintéticos de origem não renovável. Isso inclui os ativos que podem ser retirados de plantas, algas, microrganismos. Outra tendência é a economia circular, que aproveita ao máximo os produtos, reduzindo os desperdícios”, resume a coordenadora de Biodiversidade e Sustentabilidade da Green Tech Brasil, Cristiane Cabral. De origem francesa, a empresa está no Brasil há cinco anos. 

Da casca da árvore chamada Juazeiro, a Green Tech Brasil está extraindo o dandrilys, um ativo que atua como regulador da microbiota do couro cabeludo. Um dos usos da substância está nos xampus anticaspas, substituindo o peritionato de zinco, que é sintético. “A gente percebia a planta com potencial, mas não encontrava muitos estudos nem referências científicas. Então, levamos para o laboratório para estudar”, lembra Cristiane, acrescentando que a pesquisa sobre o ativo foi feita na França. 

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O Juazeiro é uma planta típica da caatinga, bioma encontrado no semiárido nordestino. O ativo usado pela Green Tech sai do norte de Minas Gerais, quase Bahia. Dos estudos ao desenvolvimento da cadeia de valor, se passaram dois anos e meio. Atualmente, são extraídos a casca e a entrecasca da árvore nos galhos mais antigos, num processo parecido com uma poda. A empresa só compra o material dos agricultores que participam do treinamento para fazer o extrativismo dentro do manejo definido pela empresa, que garante a sobrevivência da planta.

Atualmente, três comunidades fornecem os insumos para a Green Tech e a iniciativa também conta com a Cooperativa Grande Sertão Montes Claros que auxilia na capacitação dos trabalhadores que fazem a extração de parte das plantas. Cerca de 90% delas são mulheres e fazem isso como forma de complementar a renda. 

A companhia também produz ativos usados em esfoliantes a partir de resíduos, como o de açaí (extraído do resíduo da polpa da fruta), do maracujá (a partir do resíduo do óleo) e de um resíduo industrial do coco. “A aproximação com os institutos de ciência e tecnologia (ICTs) é fundamental. Há pesquisas que podem ser trazidas para a empresa e virar ingredientes no futuro”, diz Cristiane, se referindo à prospecção de novos produtos que é realizada em contatos e conversas com os ICTs. Um deles é o ICTBio, que tem sede em Recife.

A presidente do ITCBio, Claudia Lima, considera positivo o cenário em torno da bioeconomia. Foto: Divulgação

“A bioeconomia precisa ser a economia do presente, não pode ser a do futuro. É a bioeconomia que vai utilizar as ferramentas tecnológicas desenvolvidas nas universidades e nos ICTs. O desenvolvimento tecnológico pressupõe um conhecimento anterior. A gente está escutando até o vice-presidente da República falar em bioeconomia”, reporta a presidente do Instituto Tecnológico das Cadeias Biosustentáveis (ITCBio), Claudia Lima. Ele estava se referindo aos eventos que o ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, participou, chegando a discutir o assunto com o presidente do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, que disse que o Brasil era “uma biopotência”.  

Fundada há sete anos, o ITCBio é qualificado como uma Organização Social (OS) e, entre outros projetos,  desenvolve um protocolo de análise de bioativo para uma indústria de cosmético em parceria com o Senai Inovação e já fez transferência de tecnologia para algumas empresas, mas não cita nomes por causa dos acordos de sigilo. “A indústria cosmética não tem crise e é a que mais cresce no mundo”, comenta Claudia. E também é uma potencial compradora de bioinsumos. 

O ITCBio também realizou um estudo mostrando que a casca do coco pode ser aproveitada para outros fins. “Cerca de 70% dos resíduos do litoral do Nordeste é casca de coco. Dela, se consegue tirar uma fibra que pode ser usada nas indústrias de móveis, automobilística e e naval. Até xilitol pode ser feito com este material. Em média, só um coco tem 1,8 kg de casca. Quando se enterra isso dá pra imaginar a quantidade deste resíduo ?”, questiona Claudia. Ela sugere que “poderiam ser construídas usinas de fibra de coco em escala laboratorial para depois fazer um escalonamento”. 

O corante que vem da anileira

Colaborador do Insa recolhe as folhas da anileira que vão ser transformadas num pigmento azul. Foto: Insa/Divulgação

Em Campina Grande, outro ICT está fazendo um projeto que produz um corante azul (índigo) de origem vegetal para ser usado pela indústria têxtil. “Existe uma demanda grande da indústria têxtil pela sustentabilidade, por roupas ecologicamente sustentáveis, produzidas sem poluir o meio ambiente, incluindo corantes naturais e fibras mais sustentáveis. O corante do índigo sintético é bastante poluente e é o mais usado porque tinge os jeans”, explica a pesquisadora titular do Insa, Fabiane Batista.

A matéria-prima do corante índigo vem das folhas de uma árvore da caatinga chamada anileira, que em árabe é an-nil, cor que os brasileiros atribuem ao céu. “O processo de produção do índigo vindo da planta é milenar e é conhecido na Índia, China e Japão, que tem árvores “parentes” da planta da caatinga. O projeto se propõe a trabalhar a melhoria do processo de produção, reduzir o tempo e melhorar o produto”, conta Fabiane. Na Índia, o processo para obter o corante natural demora dias e é feito de forma muito artesanal.

O pré-projeto foi feito no laboratório do próprio Insa que apresenta condições mais apropriadas ao desenvolvimento da planta. Depois desta etapa, foi estabelecido um sistema de produção da anileira no Assentamento Santa Catarina, na cidade de Monteiro, na Paraíba. “Desse modo, vamos ver como se comporta o crescimento da planta e ver as condições para a produção do pigmento”, atesta Fabiane, acrescentando que a indústria só vai usar o pigmento, “se tiver matéria-prima” e “sentir que vai virar um produto”. 

O projeto do corante índigo é uma parceria entre o Insa; a empresa Química Inteligente, do Paraná; o assentamento já citado acima e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que pertence ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). A Finep e a Química Inteligente entraram com os recursos e o Insa com a pesquisa que está sendo desenvolvida. “A empresa vai colocar a tecnologia dela no pigmento para agregar mais valor”, diz. 

Ainda no Insa, foi patenteada a geleia de palma forrageira, um cacto bastante comum no semiárido nordestino e que é usado em várias preparações de alimentos em outros países, como por exemplo, o México. Além da geleia, nos laboratórios do Insa, a palma já virou doce cristalizado, pickles, farinha e cookie.  Também existe lá uma pesquisa de uma espécie chamada gado curraleiro pé duro que produz um leite que dá menos alergia e os trabalhos científicos comprovaram isso. 

O grande desafio dos ICTs é transformar o conhecimento produzido lá em produto. “Temos  que sair do potencial. Para isso, é necessário investimento e quem investe é a indústria ou o governo que pode convencer a indústria. Há  muita pesquisa que começa e acaba no potencial e no artigo científico. Muitas vezes, não temos pernas para chegar ao final. Tem que escalar para sair dos tubos de ensaio do laboratório”, relata Fabiane. E complementa: “Não há resultado rápido. É uma cadeia complexa, leva tempo para unir os elos como a indústria, os agricultores (produtores do bioinsumo) e o público que é quem vai consumir o produto. 

Diretora de sustentabilidade da Natura, Angela Pinhati, fala do que poderia ser feito para incentivar a produçao de bionsumos na Amazônia. Foto: Naiara Jinknss/Divulgação

Experiência de uma das pioneiras na Amazônia

A diretora de sustentabilidade da Natura, Angela Pinhati, enxerga na indústria verde uma grande oportunidade para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis na busca de uma indústria realmente sustentável. Segundo ela, são muitos os desafios nesta área. “Alguns produtos deveriam ter algum tipo de incentivo. Poderiam reduzir os tributos dos óleos em vez das sementes, porque os óleos fazem a indústria migrar para próximo da floresta. O retorno do óleo é maior e gera maior valor agregado para as comunidades”, argumenta. Na Amazônia, a companhia tem 18 minifábricas de óleos feitos a partir de insumos locais. 

Outro desafio da Amazônia é a logística que é precária e custosa feita por barcos e rodovias. “É importante ter uma ótica para deixar a indústria do Norte competitiva do ponto de vista do empresariado. Senão a indústria vai colocar mais plantas  para o Sul”, comenta. Ela também lembra que é importante levar energia limpa para a floresta. Lá, ainda se usa muitos geradores a diesel para fornecer energia às comunidades que moram em locais que o setor elétrico chama de isolados. 

Ela sugere também que a Amazônia deveria ter um braço da Embrapa dedicado às pesquisas na área de agroflorestal, biodiversidade, novas tecnologias,  manejo para aumentar a produtividade, entre outras.  “Soluções mais automatizadas podem aumentar a produtividade e qualidade do produto gerado. Por exemplo, a retirada da semente de murumuru e tucumã era feita manualmente com um martelo pelas comunidades. Desenvolvemos uma tecnologia que deixou mais fácil tirar as sementes”, conta. E acrescenta: “Quanto mais estudo e tecnologia embarcados, facilita o trabalho da comunidade, aumenta o ganho e a produtividade das comunidades, que contribuem para a floresta em pé”.

Há mais de duas décadas na Amazônia, a Natura usa 42 bioingredientes daquela região, extraídos por 45 comunidades, envolvendo um total de cerca de 10 mil famílias. No total, a Natura repassou aproximadamente R$ 47 milhões à todas as comunidades fornecedoras de matérias primas em 2022. Só lembrando que em algumas comunidades é vendido o óleo ou a manteiga destes insumos, que já é um produto de maior valor agregado. 

Leia a série completa O Desafio da Neoindustrialização:

Neoindustrialização do Brasil vai passar pela energia renovável do Nordeste

No Nordeste, setor automotivo sai na frente na corrida pela neoindustrialização

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