Os caminhos que a Americanas pode tomar diante do rombo de R$ 20 bilhões

As inconsistências não têm efeito de caixa, e ainda é cedo para determinar os impactos na demonstração de resultados e balanços patrimoniais.
Bancos estariam dispostos a salvar as Lojas Americanas/Foto: Wikimedia Commons

Na noite de quarta-feira (11), a Lojas Americanas tornou pública uma inconsistência contábil de R$ 20 bilhões em seu balanço, referentes à conta de fornecedores, trazendo risco de insolvência (dever mais do que ganhar). A situação fez Sérgio Rial, diretor-presidente, e André Covre, diretor de relações com investidores, entregarem seus cargos após apenas 10 dias de trabalho. Nesta quinta-feira, as ações da Americanos tiveram desvalorização de 77,33% na bolsa de valores.

A advogada especialista na área de Reestruturação e Recuperação de Empresas do escritório Da Fonte Advogados, Bárbara Lucena, explica que agora ainda é muito difícil determinar o que pode acontecer do ponto de vista jurídico, uma vez que há poucas informações sobre a situação da empresa, e aponta três possibilidades previstas em lei para a companhia.

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“Conforme determina a Lei 11.101/05, em caso de insolvência e a depender da necessidade da empresa, pode ser utilizada a negociação prévia (regulamentada pela Lei 14.112/20); a recuperação judicial/extrajudicial (que envolve o plano de pagamento dos credores, geralmente com altos deságios e prazo longo para pagamento); e, por fim, a falência (venda de ativos para pagamento de credores)”, disse a advogada.

Bárbara explica ainda que é necessária “uma investigação séria sobre o que de fato aconteceu. Se foi um erro ou fraude contábil que gerou essa perda enorme”. 

“A gente ainda não consegue mensurar o tamanho do rombo e o impacto disso tanto para as Americanas quanto para todo o grupo empresarial. É preciso um trabalho sério de auditoria para saber se foi erro ou fraude, e tentar resolver a situação dos credores”, diz a advogada. Ela complementa a informação lembrando que fraudar credores é crime. “Nessa hipótese, os responsáveis seriam investigados, poderia haver uma ação penal e até prisão”, afirmou Bárbara.

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Bancos atentos ao caso

Segundo o Valor Econômico, a rede de lojas já procurou os bancos credores, que estariam dispostos a rolar a dívida para evitar que a empresa quebre. A Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) e o Banco Central acompanham o caso atentos a riscos no sistema.

As primeiras informações indicam que financiamentos contratados pela empresa com fornecedores não foram lançados de forma correta no balanço, não constando como valores de dívida. Resumindo: o endividamento real da Americanas seria, em teoria, muito maior do que aquele alegado nos demonstrativos financeiros da empresa.

Se ficar confirmado que se trata de fraude ou manipulação contábil, o caso se tornará um dos mais graves na história do mercado brasileiro. Fundada em 1929, a empresa tem, atualmente, R$ 14 bilhões de valor patrimonial estimado e mais de 1.700 lojas em todas as regiões do Brasil. A gigante do varejo ressalta que as estimativas estão sujeitas a confirmações e ajustes, em função da conclusão de trabalhos de apuração e da atuação de auditores independentes.

Americanas não decretou falência

Até o momento, a Lojas Americanas não chegou a decretar estado de falência. De acordo com a empresa, será criado um comitê independente para “apurar as inconsistências contábeis” e apontar possíveis soluções para cobrir o rombo detectado.

“Ainda não é possível determinar todos os impactos de tais inconsistências na demonstração de resultado e no balanço patrimonial. Entre as inconsistências, a área contábil identificou a existência de operações de financiamento de compras em valores da mesma ordem acima, nas quais a companhia é devedora perante instituições financeiras e que não se encontram adequadamente refletidas na conta fornecedores”, diz a nota oficial da Lojas Americanas.

As inconsistências não têm efeito de caixa, e ainda é cedo para determinar os impactos na demonstração de resultados e balanços patrimoniais. No entanto, os rumores de falência iminente da empresa levaram suas ações na Bolsa de Valores a despencar e assustam funcionários que temem o fechamento das lojas e, consequentemente, demissões.

Após a decisão de Rial e Covre,  o conselho de administração nomeou João Guerra, executivo de carreira da Americanas na área de tecnologia e recursos humanos, para assumir e acumular os cargos de ambos, alegando que o novo comandante das Americanas não tem envolvimento anterior na gestão contábil ou financeira da companhia.

O advogado Emanuel Pessoa, especialista em governança, analisa que o erro contábil descoberto é muito superior ao próprio valor de mercado da empresa no momento de sua divulgação. “E tem o potencial de abalar a confiança dos investidores no Novo Mercado, segmento da Bolsa de Valores que, em tese, seria o de mais elevada governança corporativa e no qual as Americanas estavam listadas”, diz.

Segundo o advogado, caso os lançamentos tenham sido feitos erroneamente de propósito, ficaria evidente que isto serviria para beneficiar os envolvidos, já que a compensação executiva variável em empresas de capital aberto é comumente atrelada ao vesting de ações e ao lucro das companhias. “O erro tornou as ações das Americanas mais atraentes ao mercado do que deveriam ter sido e permitiu um maior endividamento do que aquele autorizado pelos investidores e credores”.

“Contudo, mesmo com os acionistas de referência comprometidos a injetar mais dinheiro na operação, a empresa precisará tomar medidas sérias para demonstrar que a sua Governança Corporativa é séria, efetiva e comprometida com seus milhares de acionistas”, acrescenta.

Entenda o caso

Contabilmente, todas as compras que fazemos a prazo vão para uma conta contábil chamada ‘fornecedores’, com uma lista de tudo o que se está devendo. É a conta do passivo circulante, uma obrigação de curto prazo. Quando se compra a prazo, você está na conta fornecedores, é uma dívida da empresa quando compra para pagar depois. Assim como diversas empresas do varejo, as Americanas fazem compras, recebe a mercadoria, estoca, vende, recebe o pagamento dos clientes e só depois paga aos fornecedores. 

De acordo com Ricardo Cavalcante Galvão, professor e doutor em administração na Unifavip Wyden, os indícios (ainda não confirmados) são de que no processo de fazer compras a prazo usando bancos para adiantar valores a seus fornecedores, a empresa “estava comprando nesse sistema, mas nem lançava como dívida no fornecedor ou no banco”.

*Colaborou Lara Torres/Com informações de agências

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