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Marinha decide que porta-aviões passará por “reciclagem verde”. A questão é: onde?

Nesta manhã de sexta-feira (20), a Marinha do Brasil soltou nota informando destino da embarcação, mas trouxe mais dúvidas do que esclarecimentos.
Marinha finalmente decide destino do porta-aviões São Paulo/Foto: Reprodução/Wikimedia Commons

O Complexo Portuário Industrial de Suape finalmente se livrou da ameaça de ter que receber o porta-aviões São Paulo, embarcação considerada um navio fantasma, e que vem vagando sem destino certo pela costa brasileira oferecendo sérias ameaças ambientais.

Nesta manhã de sexta-feira (20), a Marinha do Brasil (MB), por meio da Autoridade Marítima Brasileira (AMB), soltou nota informando que optou pela alienação do casco para “reciclagem verde”. Segundo a AMB, trata-se de “um processo inédito de Reciclagem Segura e Ambientalmente Adequada (Safe and Environmentally Sound Recycling of Ships) ”.

A Marinha informa que a o próprio estaleiro turco Sök Denizcilik Tic Sti (Sök), proprietário do casco do ex-Navio Aeródromo (NAe) São Paulo, é credenciado e certificado para realizar a reciclagem ambientalmente segura.

A decisão vem após a Marinha constatar que a empresa proprietária do navio não adotou as providências necessárias para a manutenção do casco em segurança, em área marítima indicada, situada a 24 milhas náuticas (cerca de 46 km) da costa brasileira, fora do Mar Territorial.

Em nota a MB diz que: “Diante desse cenário, a fim de garantir a segurança do tráfego aquaviário e a prevenção da poluição ambiental, a AMB realizou inspeção pericial no casco, na qual foi constatada uma severa degradação das condições de flutuabilidade e estabilidade. Além disso, o casco não possui cobertura do Seguro P&I (Protection and Indemnity – proteção e indenização), tampouco contrato para atracação e reparo, firmado com empresa/estaleiro com capacidade de execução dos serviços necessários, ambos de responsabilidade da empresa Sök. ”

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Em Suape, a decisão foi recebida com alívio. Mas a direção do complexo portuário prefere não comentar. Em reserva, um funcionário disse que, “diante do exposto, a decisão de Suape entrar na Justiça para garantir que o porta-aviões atracasse no porto foi acertadíssima”.

Além da ausência de seguro, que é um fato novo nesse caso, a Marinha do Brasil também constatou a interrupção do pagamento à empresa contratada para realizar o reboque do porta-aviões, o que teria acontecido em novembro do ano passado. “Dessa forma, a AMB determinou maior afastamento do comboio (rebocador conectado ao casco) da costa, para região com maior profundidade; e a designação da Fragata ‘União’ e do Navio de Apoio Oceânico ‘Purus’ para realizar o acompanhamento do reboque”.

Na nota, a AMB diz que “com o propósito de garantir a segurança da navegação e a prevenção da poluição ambiental na costa brasileira e seus portos, a AMB, dadas as condições em que o casco se encontra, não autorizará a aproximação deste de águas interiores ou terminais portuários, em face do elevado risco que representa, com possibilidade de encalhe, afundamento ou interdição do canal de acesso a porto nacional, com prejuízos de ordem logística, operacional e econômica ao Estado brasileiro”.

Mas um novo problema operacional surge nesse caso: onde será feita a tal reciclagem verde, já que a Turquia voltou atrás em sua decisão de receber a embarcação?

Entenda o caso

Em 4 de agosto, o casco do porta-aviões São Paulo foi levado do Brasil e, chegando nas proximidades do Estreito de Gibraltar, no dia 26 do mesmo mês, o órgão ambiental turco decidiu cancelar unilateralmente a autorização previamente concedida. O IBAMA, então, suspendeu a permissão de exportação que havia emitido, determinando o regresso do casco para o Brasil. Em seguida, notificou o atual proprietário, o Secretariado da Convenção de Basileia e o Ministério das Relações Exteriores (MRE).

Diante desse fato, mesmo que o estaleiro turco proprietário do navio seja credenciado e certificado para realizar a reciclagem verde de forma segura, não poderá faze-la em suas instalações na Turquia. E onde faria isso?

“A questão é que a nota da Marinha nos traz mais dúvidas do que esclarecimentos”, diz um especialista no setor portuário. De fato, não fica claro o que vai acontecer com a embarcação fora das águas territoriais brasileiras caso o proprietário do casco não consiga levá-lo a outro país. Ficará à deriva? Será afundada?

Sobre a transferência do casco para a Turquia, a Marinha do Brasil assegura que “os procedimentos foram integralmente conduzidos de acordo com as normas emitidas pelo IBAMA”, que, no Brasil, é a autoridade competente para emitir a autorização para a exportação de resíduos perigosos ou controlados, perante a Convenção de Basileia.

“A MB, embora não fosse proprietária do casco, acompanhou, com atenção, os processos e trâmites administrativos para a liberação ambiental realizados pela empresa Sök, responsável pelas ações, em perfeita observância às solicitações do IBAMA e do correspondente órgão ambiental da Turquia”, diz a nota.

Marinha Francesa

A MB diz ainda que, enquanto pertencia à Marinha Nacional Francesa (MNF), foi realizada, na década de 1990, ampla desamiantação dos compartimentos da propulsão, catapulta, máquinas-auxiliares e diesel geradores, culminando com a retirada de aproximadamente 55 toneladas de amianto.

No entanto, a Marinha admite que, por ocasião do regresso da embarcação, foi identificada avaria no costado, que tem afetado a condição de estanqueidade e flutuabilidade. “Atualmente, o casco apresenta progressiva degradação, observada a partir da comparação dos relatórios de inspeção dos meses de outubro e dezembro de 2022, ensejando medidas adicionais de segurança”, diz a nota.

Porto de Suape
Porto de Suape fica, enfim, livre da ameaça do porta-aviões/Foto: Rafael Medeiros.

A nota informa ainda, que desde o retorno do casco, com o propósito de viabilizar o reparo e posterior reexportação para estaleiro certificado pela União Europeia, “a MB determinou à empresa Sök o cumprimento dos requisitos para a entrada em águas interiores, dentre os quais destacam-se a necessidade de manutenção de cobertura de seguro P&I, o qual seria acionado para custear eventual desencalhe ou reflutuação ou remoção (em caso de afundamento) e para cobrir um período de trabalho atracado em determinado estaleiro”. Também teria sido cobrada a apresentação de um contrato para atracação e reparo do casco, firmado com estaleiro com capacidade de execução dos serviços necessários, “com respectivo plano de trabalho detalhado e tempo estimado, cujos termos estabeleçam os deveres e responsabilidades de cada parte, no que se refere à vigilância e manutenção de equipamentos e sistemas, durante todo o período em que o casco permanecer docado ou atracado”.

“O fato de uma embarcação com tal comprometimento não ter um seguro é algo bem grave”, diz um especialista. “Ela poderia encalhar comprometendo as operações em Suape, além de oferecer sério risco ambiental”, completou. Informações apuradas pelo Movimento Econômico indicam que o porta-aviões está a 300km da costa, navegando a uma velocidade de dois nós, o que não configura travessia oceânica. Ou seja, fantasma continua à espreita.

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