Por 336 votos a favor, 142 contra e duas abstenções, a Câmara dos Deputados aprovou, na noite de quarta-feira (10), o texto-base do Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/24, que regulamenta a reforma tributária. A proposta cria normas para um imposto e uma contribuição de bens e serviços, além de um novo imposto seletivo.
O texto define as regras para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Seletivo (IS), novos tributos criados pela proposta.
O relator do PLP, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), leu o seu relatório sobre as 804 emendas apresentadas. Seu texto incorporou as mudanças no cashback de impostos, mecanismo criado para a devolução de parte dos impostos para as famílias de baixa renda. Além disso, a nova versão aumentou a lista de medicamentos com redução de imposto.
- A VERSÃO VOTADA APRESENTOU MUDANÇAS COMO:
- devolução de 100% da CBS da energia, água e gás para pessoas de baixa renda;
- alíquota máxima de 0,25% para os minerais – contra o máximo de 1% estipulado pela emenda constitucional;
- redução de 30% nos tributos para planos de saúde de animais domésticos;
- todos os medicamentos não listados em alíquota zero contarão com redução de 60% da alíquota geral; e
- turista estrangeiro contará com devolução dos tributos por produtos comprados no Brasil e embarcados na bagagem.
A fase de discussão da proposta que regulamentava a reforma tributária teve quase cinco horas de debate, em que 55 deputados discutiram o texto.
O substitutivo apresentado pelo relator correspondeu, na maior parte, à versão elaborada pelo grupo de trabalho da Câmara que analisou o tema. O deputado Reginaldo Lopes, um dos sete parlamentares do GT, agradeceu a colaboração dos demais.
Duas das mudanças no substitutivo envolvem o cashback: 1) no cálculo, agora deverão ser consideradas as compras nos CPFs dos membros de uma família, e não apenas do representante, como sugeriu inicialmente o Poder Executivo; 2) o cashback aumentará para 100% a devolução da CBS, a ser recolhida em âmbito federal, nas contas de energia elétrica, água, esgoto e gás natural. A versão original da proposta previa a devolução de 50%.
“Fizemos 22 audiências públicas e 231 mesas de diálogo, 218 horas de atividades em que 1.344 cidadãos, representantes dos setores econômicos e governos das três esferas, puderam expor seus pontos de vista”, contabilizou Reginaldo Lopes.
Base do governo elogia a reforma tributária
Deputados da base do governo elogiaram benefícios que a reforma tributária trará, como simplificação e mais justiça tributária. Para o líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE), a proposta é uma das mais avançadas reformas dos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Brasil pleiteia entrar na organização de 38 países, para o progresso econômico e o comércio mundial.
“Estamos adotando o IVA dual, modelo moderno porque unifica todo o sistema tributário brasileiro, acaba com a guerra fiscal, combate a sonegação, acaba com a cumulatividade e isenta para sempre os produtos da cesta básica”, disse.
O deputado Claudio Cajado (PP-BA), um dos integrantes do grupo de trabalho que discutiu a proposta, afirmou que as discussões foram pautadas por dois “dogmas”: manter neutralidade tributária e não elevar a carga acima de 26,5%. “Fizemos um trabalho extenuante para fazer justiça social, para acabar com um sistema tributário que não cuida bem do contribuinte”, disse.
O deputado Pedro Campos (PSB-PE) afirmou que a reforma é fundamental para dar dinamismo à economia. “Para garantir, segundo as estimativas dos economistas, que nos próximos 10 a 15 anos o Brasil cresça mais de 10% do PIB, podendo chegar a 20% em comparação com um país que vai ficar para trás, de um manicômio tributário, de uma complexidade enorme”, disse. Pedro Campos é membro de outro GT sobre a reforma: o que analisa o PLP 108/24, que trata do Comitê Gestor e da distribuição da receita do IBS.
Para o deputado Merlong Solano (PT-PI), a reforma tributária traz um modelo moderno, enxuto, que coloca o Brasil em dia com aquilo que acontece nas principais economias do mundo. “Diversos elementos aqui facilitam e reduzem o peso dos tributos sobre os setores mais pobres da população. Isso começa pela restituição do imposto para os mais pobres”, disse, ao se referir ao cashback de 100% para devolução da CBS, a ser recolhida em âmbito federal, nas contas de energia elétrica, água, esgoto e gás natural.
A versão original da proposta, de autoria do Poder Executivo, previa a devolução de 50%.
Críticas da oposição
Alguns deputados da oposição criticaram o texto, mas também a tramitação da proposta que, segundo eles, não permitiu a participação ampla da sociedade nas discussões. Para o deputado Pauderney Avelino (União-AM), o texto com 513 artigos não foi discutido no tempo necessário. “Não sou contra a reforma, sou contra a [forma de] discussão da reforma. Ela poderia ser melhorada ainda mais se fossem ouvidos mais segmentos. O GT fez ouvidos mocos, não atendeu os que vieram expor seus problemas”, avaliou.
A líder da Minoria, deputada Bia Kicis (PL-DF), acredita que a reforma tributária não vai simplificar o sistema e não vai trazer clareza e alívio para o bolso do contribuinte. “Metade da reforma é de exceções ao texto porque o texto é muito ruim”, afirmou. Segundo ela, a previsão de que a carga tributária não se altere é apenas um chute, sem embasamento claro.
O deputado General Girão (PL-RN) cobrou a inclusão do sal de cozinha na cesta básica. “Qualquer animal precisa de sal para sobreviver. Parece que tem alguns animais aqui, de duas patas, que não estão colocando o sal na cesta básica”, disse. Ele lembrou que 93% da produção de sal no País é originada no Rio Grande do Norte.
Já o deputado Daniel José (Pode-SP) criticou o fato de o grupo de trabalho que discutiu a proposta ter sido formado na maioria por deputados do Nordeste. “É muito fácil ver que o projeto não é bom quando a representatividade das maiores economias do País é inexistente”, afirmou.
Armas fora do Imposto Seletivo
Vários deputados cobraram a inclusão das armas na tributação do Imposto Seletivo. Conhecido como “imposto do pecado”, o IS foi criado pela PEC da reforma tributária para tributar mais os produtos com potencial de prejudicar a saúde e o meio ambiente.
A coordenadora da bancada feminina, deputada Benedita da Silva (PT-RJ), afirmou que a tributação de armas e munições visa reduzir a circulação desses itens, protegendo a vida e a integridade física dos cidadãos. “Em 2022, 3.788 mulheres foram assassinadas no Brasil, e a arma de fogo foi utilizada em metade desses casos”, disse.
Benedita da Silva apresentou outras demandas da bancada, como a redução a zero das alíquotas de preservativos e DIUs (dispositivos intrauterinos) de cobre. “O acesso a métodos contraceptivos é essencial para a saúde sexual e reprodutiva das mulheres.”
O deputado Pastor Henrique Vieira (Psol-RJ) afirmou que a não inclusão das armas no imposto vai gerar uma grande redução tributária para esses itens. “Na prática vai cair de 89,5% para 26,5%. Na prática, armas de fogo vão ficar com a mesma alíquota de flores, fraldas, brinquedos e perfumes. Não faz sentido”, afirmou.
Segundo a organização não governamental Instituto Sou da Paz, citada por Vieira, o Sistema Único de Saúde (SUS) gastou R$ 41 milhões com internação de pessoas vítimas de arma de fogo em 2023.
*Com informações da Agência Câmara
Leia mais: Isenção a carnes pode fazer o Brasil ter o maior IVA do mundo, alerta Haddad