A multa bilionária de R$ 1,059 bilhão cobrada pela Receita Federal ao Armazém Mateus – do Grupo Mateus – é considerada “indevida” por pelo menos três advogados tributaristas contactados pelo Movimento Econômico. A empresa publicou um fato relevante, no dia 07 último, informando o recebimento de um auto de infração da Receita Federal no valor de R$ 1,059 bilhão questionando a exclusão dos créditos presumidos – incentivos fiscais concedidos pelos Estados – da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL). A incidência dos impostos federais nestes créditos presumidos vai prejudicar principalmente as empresas do Nordeste que receberam incentivos dos Estados.
O questionamento feito ao Mateus pela Receita Federal é sobre o período entre 2014 e 2021. “O Mateus foi uma vítima da insegurança jurídica. A multa é expressiva, mas a empresa tem tudo para resolver isso na Justiça sem pagar este valor”, explica Rodrigo Accioly, advogado tributarista da Queiroz Cavalcanti Advocacia.
“É muito comum o incentivo fiscal do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICMS) vir na forma de crédito presumido. A Receita Federal entende que estes créditos presumidos configuram uma receita de subvenção e cobra IRPJ e CSLL sobre isso”, explica Rodrigo.
A lei que permitiu a cobrança de impostos federais sobre os créditos presumidos – incentivos fiscais concedidos pelos Estados – é a 14.789 de 2023, que entrou em vigor em janeiro deste ano. “A irretroatividade é um princípio constitucional. Nenhuma lei pode se aplicar a fatos anteriores a sua vigência sobretudo para instituir obrigações até então inexistentes”, comenta o pesquisador da Universidade Católica de Pernambuco e sócio da Martorelli Advogados, João Paulo Lustosa, se referindo ao ato de infração do Grupo Mateus. E argumenta: a constitucionalidade desta lei está sendo discutida em vários Tribunais Regionais Federais (TRFs).
Ainda de acordo com João Paulo, há uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça dizendo que os processos envolvendo esta questão (da tributação dos incentivos fiscais) não devem tramitar até que o STF se manifeste sobre o assunto.
“O Mateus não é a primeira empresa autuada no passado sobre esta questão. As outras que também foram autuadas no passado tiveram decisões favoráveis da Justiça que foram ratificadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)”, conta o advogado tributarista do escritório Ivo Barboza & Advogados Associados, Alexandre Albuquerque.
O STJ decidiu num julgamento vinculante, em 2023, que não poderiam ser cobrados tributos federais sobre os créditos presumidos (incentivos fiscais). Julgamento vinculante é fruto de inúmeros processos e resulta numa decisão que deve ser aplicada aos casos judiciais que tramitam sobre o mesmo assunto. “A Receita não está levando em consideração o STJ. A tendência é o STJ manter a opinião e derrubar a autuação”, conta Alexandre.
O pacto federativo e os incentivos fiscais
Segundo Alexandre, tributar os incentivos fiscais dos Estados é ferir o pacto federativo, invadindo a competência dos Estados. “Ao fazer esta tributação, a União está, indiretamente, revogando a renúncia fiscal dos Estados. A decisão do STJ se baseou no pacto federativo”, explica. Ele diz também que há várias liminares suspendendo a cobrança dos tributos federais permitida pela lei que entrou em vigor este ano.
A nova lei, a 14.789, já gerou tanta polêmica que está tramitando no STF um pedido de Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) desta legislação impetrada pelo Partido Liberal. “Se o Supremo decidir sobre isso, a decisão vale para todos e vai se sobrepor a decisão do STJ”, conta Alexandre.
Também está tramitando na Câmara dos Deputados, em Brasília, um projeto de Lei do deputado federal Mendonça Filho (União Brasil) que estabelece “a impossibilidade de a União exigir tributos sobre os incentivos fiscais concedidos por outros entes da federação na forma de crédito presumido ou incentivos que, assim como o crédito presumido, não sejam recuperados nas etapas seguintes”.
O PL já passou na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados. “Caso esta lei seja aprovada é como se nunca tivesse existido a Lei 14.789 e os incentivos fiscais não vão puder ser tributados”, explica Alexandre.
A lei 14.789 foi aprovada no final de 2023 com o governo federal querendo aumentar a arrecadação para cumprir as metas de déficit fiscal.
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