O crescimento da área de energias renováveis no Nordeste vai muito além da geração. Num ritmo impressionante, os players do segmento também estão ampliando os negócios na transmissão, comercialização e venda de equipamentos. Projetos como a LT de R$ 18 bilhões da chinesa State Grid no Maranhão evidenciam que o potencial do “novo” setor elétrico e de sua cadeia está apenas começando a ser explorado.
Nesse panorama, surgem oportunidades não apenas na transmissão. O avanço da energia solar por assinatura, por exemplo, é um nicho cobiçado, na região, por grupos como Santander, EDP (Portugal), Setta e Connectoway – essas duas são pernambucanas.
Já a Kroma (PE) e a AES Brasil atuam de forma agressiva para tirar clientes das distribuidoras estaduais do mercado cativo, de olho em milhares de contratos que podem trocar de fornecedor após a abertura do mercado livre para 100% dos consumidores de alta tensão.
State Grid constrói LT dedicada ao transporte de energias renováveis
No Maranhão, a State Grid – que tem a transmissão como principal mercado – viu na demanda de infraestrutura para transporte de energia no Nordeste a oportunidade de implantar seu maior projeto fora da China.
O momento é propício para esses investimentos, já que a Aneel, após o apagão de agosto de 2023, vem priorizando o leilão de blocos de LTs nos estados nordestinos, maiores produtores nacionais de energia eólica e com forte presença na geração fotovoltáica.
Esse crescimento da geração traz desafios para o escoamento, como ficou evidente nesse blackout. O incidente teve como ponto zero uma pane em uma usina eólica no Ceará, que sobrecarregou a transmissão e gerou um efeito cascata no sistema nacional.
De olho nesse cenário preocupante para os consumidores, mas promissor para as companhias de transmissão, a subsidiária State Grid Brazil Holding (SGBH) disputou e levou o maior pacote ofertado no último leilão de LTs da agência no ano passado, realizado em dezembro.
Resultado: a companhia vai destinar um orçamento espantoso à construção do Sistema de Transmissão de 800 kV em Corrente Contínua de Ultra-Alta Tensão (UATCC), interligando as subestações de Graça Aranha (MA) e Silvânia (GO).
O empreendimento – 100% dedicado ao transporte de energias renováveis – vai cortar os estados do Maranhão, Tocantins e Goiás. A maior extensão ficará no mercado maranhense.
Energias renováveis: Santander entra na venda por assinatura
O Santander se movimenta em outros segmentos. O grupo, que está ampliando suas operações na comercialização de eletricidade, acaba de lançar seu serviço de assinatura de energia solar nos estados de Pernambuco, Bahia, Ceará, Alagoas, Piauí e Rio Grande do Norte.
A ativação no Nordeste integra a divulgação nacional da FIT Energia, empresa coligada do banco e voltada para a geração de energia limpa e venda a consumidores de baixa tensão. Neste primeiro momento, o serviço está disponível para clientes da instituição financeira de 13 estados brasileiros, atendidos por 18 distribuidoras de energia.
A prioridade é o Nordeste, com seis dos mercados contemplados na fase atual do empreendimento. Até o final do ano, o programa será expandido para 20 estados.
A FIT Energia, que atua na geração distribuída, visa atender a pequenas e médias empresas ou consumidores residenciais que não quiserem ou não puderem instalar suas próprias placas solares. O conceito é de atendimento remoto desse público por meio das usinas da companhia.
“Esse produto reforça nosso compromisso socioambiental”, afirma o diretor da área, Rafael Thomaz.
O Santander é hoje um dos bancos líderes, no mercado brasileiro, na área de financiamento para projetos de energias renováveis. O banco afirma ser responsável por 34% das operações desse tipo realizadas no setor de geração eólica, no Brasil. Além disso, conta com usinas fotovoltáicas próprias, por meio da FIT.
Energia solar por assinatura é um dos segmentos em alta
Além do Santander, outros players estão ativando serviços de energia solar por assinatura ou ampliando negócios na área. A portuguesa EDP é uma delas. A empresa, que já dispunha da modalidade no Sul e Sudeste, lançou o produto no mercado nordestino em dezembro passado, começando por Pernambuco.
O fornecimento para os clientes pernambucanos foi iniciado em abril passado. Atualmente, o serviço está em fase de lançamento na Bahia e Ceará.
A geradora e comercializadora Setta, sediada em Recife, é outra companhia que está apostando na assinatura. A empresa entrou no ramo no segundo semestre de 2023.
Com faturamento anual de R$ 100 milhões por ano, a Setta trabalha com a meta de que a energia renovável se torne o seu principal negócio nos próximos cinco anos.
“Nesse panorama, estimamos que o modelo de assinatura vai representar cerca de 80% de nosso faturamento e terá uma base de cinco mil clientes até 2028, seguindo uma tendência mundial de crescimento desse tipo de venda”, afirma o sócio-diretor Augusto Andrade.
Já a Connectoway, cujo DNA é telecom, fez uma aposta semelhante ao que muitos players do segmento estão fazendo: expandir as atividades para a área de energias renováveis.
A nova divisão do grupo, voltada para soluções na área solar, é focada principalmente na venda de inversores fotovoltáicos com certificação de qualidade, como os da marca chinesa Huawei Digital Power, umas das gigantes globais do setor. Nesse caso, o mercado alvo da parceria é o B2B.
Esse tipo de dispositivo converte a corrente contínua variável oriunda de um painel solar em corrente alternada para utilização dessa energia em escala comercial.
A empresa traz ainda como novidade para 2024, uma parceria para implantação de sistemas solares nos telhados de pequenos negócios e residências sem custo de infraestrutura para o cliente (energy as a service) e que funciona de forma semelhante ao modelo de assinatura.
Assinatura e abertura de mercado são novos alvos da Kroma
Fundada em 2008, a pernambucana Kroma também mira as novas oportunidades no setor de energias renováveis.
A companhia criou no ano passado um braço de atuação, focado no varejo, e com duas frentes principais: o modelo de energia solar por assinatura para consumidores de pequeno porte (baixa tensão) e a abertura do mercado livre para todos os consumidores de alta tensão.
Condomínios que se enquadram na alta tensão, aliás, são um dos principais alvos da Kroma, nessa empreitada. Desde o ano passado, a empresa colocou a área comercial em campo para se aproximar do segmento em todo o Nordeste, divulgar as vantagens do mercado livre e prospectar contratos, claro.
O CEO da Kroma, Rodrigo Mello, reforça o apelo financeiro e de sustentabilidade, da migração.
“Em um empreendimento como esse, que tenha uma conta de R$ 30 mil, a redução pode chegar a R$ 10 mil mensais, sem a necessidade de investimento em infraestrurura de produção de eletricidade. Além disso, os moradores passam a utilizar energia 100% limpa, gerando um bônus para o meio ambiente”, defende.
Quem é a Kroma no setor de energias renováveis?
A Kroma foi a pioneira do Nordeste no atacado de eletricidade e, ao longo da trajetória, expandiu os negócios. Hoje, é uma empresa de soluções energéticas que trabalha com gestão, comercialização (incluindo varejo), implantação de usinas para terceiros e geração própria de energias renováveis.
Em 16 anos de atuação, a empresa totaliza 1,8 gigawatts (GW) negociados e 500 unidades consumidoras sob sua gestão. Na geração, a companhia soma, entre potência instalada e projetos em fase de implantação, 4,6 GW.
AES também quer novos contratos do mercado livre
A abertura de 100% do mercado de alta tensão atiça muitas empresas da área de energias renováveis, além da Kroma. O Grupo AES Brasil, subsidiária da AES Corporation (EUA), tem metas ousadas para o segmento.
Atualmente, a companhia totaliza 927 unidades consumidoras UCs em 22 estados e 247 cidades do mercado brasileiro.
Mas, com a quebra dos monopólios estaduais das distribuidoras, a companhia avalia que há um potencial de migração de 70 mil UCs no Nordeste, 9 mil apenas em Pernambuco. Desde o ano passado, o time de novos contratos da empresa vem atuando de forma agressiva para abocanhar a maior fatia possível desses clientes.
Nordeste responde por 28% dos negócios da AES na comercialização
O diretor comercial da AES Brasil, José Carlos Reis, pontua que os estados nordestinos respondem por 28% dos negócios do grupo no mercado livre. A companhia atua nas áreas de geração de energia limpa, distribuição e comercialização de eletricidade, infraestrutura de telecomunicações e redução de emissões de gases de efeito estufa.
Esse mix de negócios deverá ser ampliado com a estreia nacional da empresa na indústria do hidrogênio verde, por meio de um projeto em fase de pré-contrato, no Porto do Pecém.
Na região, a companhia tem complexos eólicos na Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte, Piauí e Pernambuco. A única planta eólica fora dos estados nordestinos fica no Rio Grande do Sul, em Cassino.
Ao todo, a empresa tem uma capacidade instalada de 5,2 GW no mercado brasileiro, 100% dela a partir de plantas solares, eólicas e hidráulicas e concentrada quase que totalmente no Nordeste. É uma aposta e tanto nesse ciclo em que a indústria de energias renováveis da região está ligada no 220, sem pausa para respirar.
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