Pedro Menezes de Carvalho*
O objetivo no presente texto é trazer ao debate elementos que possibilitem a discussão sobre os caminhos que o Brasil seguirá na escolha da sua matriz energética, especialmente a voltada aos veículos de transporte. Para isso, é interessante entender o crescimento na produção de etanol de milho e as oportunidades que este biocombustível gera para o Brasil.
O mercado dos biocombustíveis vem registando forte crescimento a partir dos anos 2000, especialmente com a entrada de novos players (Europa e Leste Asiático) na produção; além, da aceleração produtiva na América do Norte, Central e Sul. As américas concentram a maior parte da produção de biocombustíveis, especialmente para a fabricação de etanol; já a Europa e o Leste Asiático se destacam na produção de biodiesel. Estimativas direcionam para o avanço no uso de fontes renováveis em ritmo acelerado nas próximas décadas, levando a uma substituição do uso de combustíveis fósseis.
O etanol pode ser produzido a partir de qualquer matéria-prima que contenha amido, açúcar ou celulose (Milho, cana, trigo, raízes e tubérculos). A maior parte do etanol produzido no mundo é derivado do milho, cerca de 61,5%; já a cana de açúcar corresponde a 31,6%, seguido de trigo com 2,8% e raízes e tubérculos com 2,8%.
Entre o período de 2000 e 2022, a produção do etanol derivado do milho apresentou um crescimento de 12%. A elevação dos preços do petróleo, desenvolvimento de novas tecnologias e questões ambientais são fatores que estimularam o crescimento do setor. Em 2022, a produção norte-americana de etanol de milho representou 78% do total mundial; a segunda colocação é assumida pela China com 11%, seguida da União Europeia com 4% e o Brasil com 3%.
No cenário nacional, o milho é o cereal de maior importância na produção nacional (responsável por 17,3% das exportações no setor agro), ultrapassando o arroz e o trigo. A maior parte da produção do cereal permanece no mercado interno, sendo utilizado para a ração animal. Já a produção do etanol vem aumentando de forma considerável, especialmente a partir da safra de 2011/2012; assim como as exportações que ocupou o primeiro lugar na safra 2022/2023. Toda essa evolução ganha corpo especialmente no centro-oeste que na safra 2010/2011 ultrapassou a região sul. Essa elevação decorre, entre outros fatores, do fato de que o milho plantado entre as safras do trigo é direcionado para a produção de etanol. É importante destacar, também, o crescimento na região Norte e Nordeste, em especial na área conhecida como MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
O Brasil tem a particularidade de ter três safras no ano: a primeira coincide com a safra da soja, a segunda – a qual corresponde a maior parte da produção – é plantada no início do ano nas áreas onde a havia plantação de soja e a terceira, que coincide com a safra do hemisfério norte.
Em relação à produção do etanol, a título de comparação, alguns dados necessitam ser visualizados: uma tonelada de cana-de-açúcar produz 90 litros de etanol, a mesma quantidade de milho produz 400 litros do biocombustível; todavia, 1 hectare de cana produz 7 a 8 mil litros de etanol, em relação ao milho a produção é de 3.500 litros. Uma vantagem do milho é a possibilidade de armazenamento do cereal por um período de 2 anos; já a cana não há essa possibilidade, devendo a moagem ocorrer logo após a colheita. Uma desvantagem é que o custo é cerca de 10% maior quando a produção utiliza o milho como fonte energética; além de que a cana-de-açúcar produz a sua própria biomassa o que permite a geração de energia a ser utilizada no processo de fabricação.
Aparentemente a produção do etanol de cana é mais viável, todavia, a elevação do preço do açúcar e a flutuação cambial fazem com que a produção de açúcar ganhe relevância para o setor sucroalcooleiro, abrindo espaço para o crescimento do milho como fonte energética.
Dentro de um panorama de planejamento energético, o etanol derivado do milho consegue se manter constante durante todo ao ano, o que não se pode visualizar no etanol de cana, que tem seu ápice entre os meses de maio e setembro e, praticamente zerando a produção, entre os meses de janeiro e março.
Um outro ponto que deve ser observado é a necessidade de energia para ser utilizada na produção do etanol, este é um dos grandes desafios a ser enfrentado, haja vista a necessidade de disponibilidade de biomassa para a geração de energia. No Brasil, a principal fonte de biomassa é o cavaco (subproduto da madeira), nas usinas para produção de etanol de milho é necessário encontrar um fonte energética; o que não ocorre nas usinas produtoras de etanol de cana (utilização do bagaço da cana como fonte energética). Uma possibilidade é a existência de “usinas flex” (produzem etanol de cana e na entre safra utilizam o milho como matéria) ou “usinas Flex Full” (operam paralelamente a cana e o milho), as quais podem produzir o etanol derivado do milho, como também da cana.
Toda essa produção ganha corpo no atual discurso sobre a mudança da matriz energética utilizada nos meios de transporte. Boa parte dos países europeus já estabeleceram limites temporais para a comercialização de veículos movidos a combustíveis fósseis (Noruega 2025, Reino Unido, Suécia 2030, França e Espanha 2040), mesmo caminho seguido por outros países (Japão, China e EUA 2035 e Índia 2030).
Há um grande debate sobre a substituição dos motores a combustão por veículos elétricos, no entanto, para que essa mudança faça sentido a fonte de energia desses veículos deverá ser sustentável. Não há sentido em utilizar motores elétricos alimentados com energia decorrente de fontes fósseis, por exemplo. Desse modo, montadoras (especialmente a Nissan e a Volkswagen) e pesquisadores buscam alternativas para o setor, uma das possibilidades é a utilização do etanol como combustível para os carros elétricos. Lembrando que o Brasil é o segundo maior produtor de etanol e tem a liderança na produção do etanol da cana.
Esta é uma saída para a questão da infraestrutura necessária para o abastecimento (carregamento) dos veículos. Para os veículos elétricos há a necessidade de construção de uma infraestrutura voltada ao carregamento dos automóveis; situação que não existe quando se fala de etanol.
Um outro fator é que um carro movido à gasolina emite 60g de CO2/km, o carro a etanol emite 26g de CO2/km. Em comparação com o veículo elétrico (21g de CO2/KM) a emissão no Brasil é muito similar, diferentemente do cenário europeu que em virtude da sua matriz energética não ser limpa como a nossa, a emissão fica em torno de 30g de CO2/km.
Uma outra viabilidade que vem surgindo na atualidade é a existência de pesquisas voltadas a motores movidos à Hidrogênio Verde a partir do etanol, como vem ocorrendo com a Toyota, Shell Brasil, Raízen, Hytron e USP. Trata-se de uma nova viabilidade energética para utilização do etanol em motores de veículos, o que facilmente poderá ser transposto para outros tipos de motores.
Esses fatores (produção local, emissão de CO2 e infraestrutura) devem ser levados em consideração no momento da opção por novas fontes sustentáveis de energia. Não há uma receita única para todos os países, cada localidade deve ter uma matriz energética compatível com suas características. Esta será uma das grandes dificuldades que os países deverão enfrentar nos próximos anos. Trata-se de uma discussão que deverá ser enveredada por fatores técnicos e não políticos. Mas uma coisa é certa: é uma mudança necessária e que será de grande importância para a construção de um mudo mais sustentável.
PEDRO DE MENEZES CARVALHO – Mestre em direito pela UFPE. Certificado em contratos por Harvard. Professor universitário. Sócio do Carvalho, Machado e Timm Advogados
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