Comprar comida e pagar as contas do dia a dia foram os maiores motivos que levaram população das classes C, D e E a pedir empréstimos nos últimos meses. A informação é do instituto de pesquisas Plano CDE, que ouviu 2.370 pessoas maiores de 18 anos de todas as classes sociais, entre 26 de julho e 9 de agosto de 2022.
O levantamento classificou os domicílios com renda familiar de até R$ 6.000 como classe AB. Na classe C1, foi considerado o intervalo de renda entre R$ 3.000 e R$ 6.000; na C2, de R$ 2.000 a R$ 3.000; e a população com renda familiar de até R$ 2.000 – a maior parcela da população brasileira – foram enquadrados nas classes D e E.
Quando questionados por que tomaram ou tomariam um empréstimo, de 45% a 50% dos entrevistados das classes C, D e E indicaram que a alimentação e as contas do mês foram ou seriam a principal finalidade. Entre as classes A e B, o percentual cai para 30%. Considerando todas as classes sociais, 42% dos pesquisados alegaram ter uma ou mais dívidas em atraso.
Também foi levantado entre os participantes da pesquisa que muitos estão trabalhando mais (horas extras, bicos, trabalhos temporários) ou ainda vendendo seus bens (carro, móveis, eletrodomésticos), como alternativas para pagar dívidas e custear os gastos do dia a dia.
O diretor do Plano CDE, Maurício Prado, disse ao jornal Folha de São Paulo que “salta aos olhos essa questão da necessidade dos empréstimos para comprar comida, indicando a situação grave que uma série de famílias enfrenta atualmente”.
Ele chama atenção para a concessão de empréstimos consignados aos benefícios do Auxílio Brasil e Benefício de Prestação Continuada (BPC), – considerado inconstitucional pelo procurador-geral da República, Augusto Aras – que “só vai fazer com que as famílias se enrolem ainda mais”.
O Professor Titular de Economia na UFPE e Consultor de Empresas, Ecio Costa, que desenvolveu estudos sobre o impacto econômico do Auxílio Emergencial e Auxílio Brasil, defendeu a importância deles para a população de baixa renda, mas afirma ser necessário “muito cuidado” com a responsabilidade fiscal.
“Se tiver um grande programa de transferência de renda sem respeitar as contas públicas, termina aumentando a inflação e temos mais deterioração do poder de compra do valor transferido. Os economistas, em maioria, defendem a manutenção dos programas de transferência de renda, mas com responsabilidade fiscal. Eu já defendi isso diversas vezes, como estudioso que sou”, disse o especialista.
O pagamento de dívidas e a abertura ou investimento no próprio negócio também aparecem entre os principais motivos para membros das classes D e E pedirem crédito. Nessa faixa da população, a família e amigos são as principais fontes de busca por empréstimos. Em seguida, aparecem os bancos digitais e, por último, bancos tradicionais.
“Temos uma explosão de desemprego e muita gente investe em negócios em busca de uma renda mensal, mas não têm o mesmo acesso ao crédito que pessoas de classes A e B . O mercado de trabalho não te absorve e você precisa empreender, mas não tem recursos. É uma questão muito maléfica na economia de regiões como o Nordeste, que têm menos acesso ao crédito quando comparadas a áreas mais ricas do país”, disse o economista Rafael Ramos.
Ele explica que a alta da inflação nos itens mais básicos – como alimentos e habitação – e dos juros pressionam o orçamento das famílias mais pobres, forçando-as a financiar despesas correntes e causando um grande risco de superendividamento.
“As pessoas não têm renda disponível o suficiente para consumir produtos e serviços, e se você financia uma feira, vai precisar também no próximo mês e não vai conseguir cobrir. Isso limita a capacidade produtiva e investimentos no país, visto que a demanda não é suficiente para consumir. Tem outras classes que conseguem, mas no Brasil a maioria recebe até 5 salários”, explicou o economista.
Ainda segundo a pesquisa do Plano CDE, 50% dos participantes nas classes D e E já tiveram de reduzir a compra de comida para pagar uma dívida, num cenário que criou um aumento de 70% no número de pessoas com fome no Brasil, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN), que apontou que o país tem hoje 15,5% dos domicílios com pessoas passando fome, ou seja, 33,1 milhões de pessoas.
Futuro
Questionado sobre os próximos anos e os possíveis meios de enfrentamento ao problema, o economista e sócio-diretor da PPK Consultoria, João Rogério Filho, diz ser essencial que o Brasil conte com programas de transferência de renda, mas alerta que a elevação da renda dos trabalhadores leva tempo.
“Somente com programas de repasse de verba para a população de baixo poder aquisitivo poderá fazer com que essas pessoas não precisem de empréstimos para se alimentar. Outra solução viria a médio e longo prazo com o aumento da empregabilidade e da renda média por trabalhador, o que não é um cenário que a gente pode imaginar que virá em meses, ou mesmo em poucos anos”, disse o especialista.
Para o economista Rafael Ramos, “tem que vir posicionamento do Governo Federal” para enfrentar a alta da inflação e dos juros. Ele afirma que a expectativa é que o próximo governo dê atenção à inflação e à busca pela queda no desemprego. “O governo Lula teve muita expansão de crédito para que as pessoas abram e expandam negócios, e mais investimento. No médio e longo prazo se espera que a situação melhore. Claro, com a expectativa de controle de inflação e desemprego”, afirmou.
Além de alertar para a necessidade de responsabilidade fiscal, Ecio Costa aponta também uma provável queda no preço internacional das commodities em 2023. “O barril de petróleo está mais baixo e há expectativa de que outras commodities desacelerem de preço internacionalmente, porque as principais economias mundiais estão aumentando juros para combater inflação, aí você desacelera e cai o preço. Se o governo eleito resolver gastar muito, como se vem ventilando, muito acima do teto de gastos, isso também pode trazer inflação e o programa perderia seu efeito”, finaliza.
Leia também: Mutirão nacional renegocia dívidas até o próximo dia 30