Usina de dessalinização em Fortaleza, de R$ 3 bi, pode derrubar internet no Brasil?

A usina de dessalinização em Fortaleza deveria ser uma solução numa região carente de recursos hídricos. Mas se tornou um problema supostamente de infraestrutura estratégica de telecomunicações e político
Ministro Juscelino Filho procurou o governador Elmano para tratar do imbróglio da usina de dessalinização em Fortaleza
Usina de dessalinização em Fortaleza: governador Elmano de Freitas (PT) já foi procurado até pelo ministro Juscelino Filho (Comunicações)/Foto: Governo do Ceará

A usina de dessalinização em Fortaleza (CE), sob responsabilidade da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece) e que será construída por meio de parceria público-privada (PPP), transformou a badalada Praia do Futuro, um dos principais cartões-postais da “Miami do Nordeste”, em zona de guerra. O conflito tem escalado nos últimos dias, depois que a Superintendência do Patrimônio da União (SPU-CE), contrariando recomendações da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), deu parecer favorável ao empreendimento.

O que está em jogo nessa batalha é que o projeto – orçado em R$ 3,2 bilhões – representaria, segundo o setor de telecom, ameaça de desconectar o Brasil da internet, já que a Praia do Futuro literalmente liga o país à rede mundial de computadores.

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Dezessete cabos submarinos, com seis mil quilômetros de extensão e responsáveis por 99% do tráfego de dados dos brasileiros, chegam ao balneário a partir da União Europeia, num ponto geográfico que é o mais próximo entre o Brasil e o continente europeu. Oito gigantes do setor são donos dessa infraestrutura.

Com isso, alguns dos maiores data centers do país também estão instalados nessa área. Para se ter ideia da dimensão desse cluster, o hub de conectividade de Fortaleza é o segundo maior do mundo, atrás apenas de Fujeira, nos Emirados Árabes Unidos

As polêmicas em torno da usina de dessalinização de Fortaleza – que já tem licenciamento em todas as instâncias, incluindo ambientais – não são recentes e a princípio não envolviam as questões estratégicas de telecomunicações que estão sendo alegadas.

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Entre 2020 e 2021, por exemplo, o resultado da licitação do empreendimento foi questionado pelas empresas perdedoras.

A escolha da sociedade de propósito específico (SPE) Águas de Fortaleza – formado por Marquise Infraestrutura, PB Construções Ltda e a Abengoa Água S/A (Espanha) – só foi oficializada em abril em 2021, após meses de contestação. Superado esse imbróglio, se tornaram públicos, a partir de 2022, os embates com as operadoras e a Anatel.

A agência desde então vem trabalhando, sem sucesso até o momento, para barrar o empreendimento, classificado pelo colegiado como “indesejável e imprudente“.

Inicialmente, a Anatel exigiu a relocação do projeto – incluindo torre de captação, rede de tubulações e unidade de dessalinização – que, na proposta original, estaria localizado numa área entre 40 e 50 metros de distância do hub.

A alteração foi acatada pelo Governo do Ceará, que transferiu o empreendimento para um ponto a 567 metros dos cabos submarinos, o que encareceu o custo da usina em R$ 35 milhões.

Porém, agora, Anatel, todo o setor de telecomunicações e até a cadeia de streaming, entretenimento e jornalismo se unem para defender que mesmo com a mudança não há garantias de segurança para a operação da usina, que poderia gerar lentidão, instabilidade e até um apagão de internet no país.

Como evidência deste alinhamento, o viés das reportagens veiculadas nas maiores redes de televisão do mercado brasileiro e portais de notícias, entre outras mídias, têm sido claramente contra a usina de dessalinização de Fortaleza, com poucos questionamentos sobre os problemas de segurança hídrica na cidade.

Praia do Futuro virou zona de guerra entre as operadoras de telecom e o Governo do Ceará por causa da usina de dessalinização em Fortaleza/Foto: Cagece (Divulgação)

Operadoras Vs usina de dessalinização em Fortaleza

O round mais recente dessa luta foi a divulgação, nesta sexta-feira (22), de uma carta aberta da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), que representa prestadoras de telecom de pequeno porte.

Alinhada à manifestação divulgada uma semana antes pela Anatel, a Abrint argumenta que “a preocupação central reside no potencial impacto dessa instalação da usina sobre a estabilidade dos cabos submarinos, essenciais para o regular funcionamento das telecomunicações no Brasil – inclusive em razão do substrato do fundo do mar, a perturbação de sua sedimentação e o perfil de implantação destes cabos”.

No documento, a entidade chama a atenção para a “não observância [no projeto da usina de dessalinização em Fortaleza] das posições geográficas dos pontos de rotas dos cabos submarinos em operação na região.”

No mesmo tom, Luiz Henrique Barbosa, presidente executivo da TelComp – associação que reúne desde provedores a empresas de TV a cabo – sustenta que “a obra pode gerar apagão de internet no país porque não está se colocando uma usina onde tem um cabo, mas onde tem um hub todo”.

“Hoje, ninguém pensa em chegar com internet no Brasil por outro caminho que não seja o de Fortaleza”, acrescenta.

Segundo o executivo, no caso de um cabo ser danificado pela operação da usina de dessalinização em Fortaleza, “um conserto poderia levar semanas, o que causaria nesse período, no mínimo. uma redução na velocidade de tráfego de dados”.

Usina de dessalinização em Fortaleza pode provocar apagão de internet, defende Luiz Henrique Barbosa, da TelComp
Conserto de um cabo submarino poderia levar semanas, afirma Luiz Henrique Barbosa, da TelComp/Foto: TeleComp (Divulgação)

O que diz o Governo do Ceará?

O governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT), defende a segurança da usina para o hub de conectividade e descarta nova transferência.

“Todos os estudos técnicos que fizemos por mais de dois anos são claros que não há nenhum risco aos cabos. O que não é possível é que as empresas donas dos cabos de internet queiram ser donas da Praia do Futuro“, dispara.

“Isso não é razoável. A Praia do Futuro é do povo do Ceará, do povo de Fortaleza”, complementa Elmano, que já foi procurado até pelo ministro das Comunicações, Juscelino Filho, com quem se reuniu na semana passada, em Brasília, para tratar dessa controvérsia.

No encontro, ficou acordado que a Cagece vai realizar novos estudos sobre possíveis impacto da obra ao cluster de tech e apresentar um planejamento específico voltado para garantir a segurança da usina para os cabos em terra e mar, o que vai incluir um detalhamento minucioso da gestão de risco.

Com base nesses documentos, a companhia vai pedir a reavaliação da posição da Anatel em relação à usina de dessalinização em Fortaleza. A agência, por sua vez, se comprometeu a analisar o material com brevidade máxima, tão logo seja entregue.

O que é a usina de dessalinização de Fortaleza?

Parceria público privada com validade de 30 anos, a usina de dessalinização em Fortaleza tem previsão de começar a ser construída no primeiro trimestre de 2024 e entrar em operação em 2026.

A planta terá uma torre submersa localizada a 2,5 quilômetros da praia, para captação da água a 14 metros de profundidade. A estrutura foi projetada para preservar a dinâmica das correntes marítimas.

Por meio de vasos comunicantes que funcionam sem bombeamento, a água será levada até uma câmara de captação, no continente.

Dessa estrutura, será bombeada até a unidade de dessalinização propriamente dita, a três quarteirões da orla e com capacidade de produção de mil litros de água potável por segundo, a partir de 2,3 mil litros de água salgada. O rejeito, chamado de salmoura, terá como destino final o descarte no oceano.

Já a água potável será levada, por meio de uma rede de oito quilômetros, a dois reservatórios na cidade, localizados na Praça da Imprensa (Aldeota) e Morro Santa Terezinha (Mucuripe). A estimativa é que 720 mil moradores sejam beneficiados com esse reforço no abastecimento em bairros como Papicu, Cidade 2000, Praia do Futuro, Vicente Pinzón, Dunas e Aldeota.

O projeto vai funcionar de forma complementar ao sistema tradicional de captação de água em açudes, sendo acionado quando os reservatórios estiverem abaixo de um determinado nível de armazenamento que a Cagece irá definir.

Por quê a Praia do Futuro?

Fortaleza tem 2,6 milhões de habitantes e rivaliza com Salvador como capital nordestina preferida pelos turistas. A metrópole, no entanto, sofre com a oferta insuficiente de água potável.

O problema se torna dramático em períodos de estiagem, como o registrado no final da década passada, quando o Ceará enfrentou cinco anos seguidos de seca. Entre 2016 e 2017, a capital passou por racionamento, que incluiu metas mensais de redução por unidade consumidora e multas para quem descumprisse o percentual.

O ex-governador Camilo Santana realizou investimentos para incrementar tanto a infraestrutura de captação – por meio da construção de novos açudes – quanto a rede de distribuição na Região Metropolitana. Esses esforços, no entanto, chegaram ao limite da disponibilidade de água no continente.

A dessalinização surgiu como alternativa para garantia de segurança hídrica à sociedade, incluindo os moradores e as empresas que dependem do insumo. Depois de anos de estudos, a Praia do Futuro foi definida como localização, atendendo a critérios de viabilidade técnica e financeira.

Entre as áreas que foram analisadas para o empreendimento está a Praia do Cumbuco, no município de Caucaia. Além de problemas operacionais, esta localização traria a necessidade um investimento adicional de R$ 720 milhões, impactando o orçamento da usina em 23%.

Outra região avaliada foi a Praia da Sabiaguaba, na própria capital. Neste bairro, o custo do empreendimento teria um acréscimo de R$ 656 milhões, o equivalente a todo o volume de recursos programado para a primeira etapa da usina, que é de R$ 650 milhões.

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