A líder da oposição na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), deputada Dani Portela (PSOL), critica a possibilidade de extinção da secretaria da Mulher no Governo Raquel Lyra, fala sobre a importância das escutas para a concepção e aprovação do Plano Plurianual (2024-2027), além de propor uma parcela do orçamento voltado para a políticas de igualdade racial, assim como a regulamentação de cotas raciais para concursos e seleções simplificadas.
Dani Portela também se coloca como pré-candidata à Prefeitura do Recife em 2024, mas pondera que fará oposição ao prefeito João Campos (PSB), e que precisa se manter no campo oposicionista também à governadora Raquel Lyra. “A gente precisa mudar a fotografia do poder”, disse a deputada, nessa entrevista exclusiva ao Movimento Econômico.
ME – O que a senhora achou das mudanças no secretariado da governadora Raquel Lyra (PSDB)?
Dani Portela – Na verdade, o secretariado é justamente o primeiro escalão dos cargos comissionados. Em comissão já se diz que é em confiança. Então é discricionário do chefe do poder executivo nomear, exonerar no tempo que ele quiser, porque são cargos de confiança dele.
ME – Mas o que chamou a atenção da deputada Dani Portela?
Dani Portela – O que causou um estranhamento e acredito que não só em mim como líder da oposição foi uma espécie de desmonte da Secretaria da Mulher. Porque a exoneração da secretária Regina Célia foi seguida de uma série de outras exonerações. Foram 14 ao todo, de gerências da Secretaria de Mulher que tratam de políticas importantes, como exemplo a gerência de enfrentamento à violência, a ordenadora de despesa da secretaria. Então, sem ordenadora de despesa, paralisa aquela secretaria.
Não parou por aí. Também a exoneração de todos os cargos terceirizados, inclusive, os terceirizados de serviços gerais. Então isso é que causa um estranhamento porque você tira da secretaria executiva a pessoa que está lá para manter o ambiente limpo. Isso causou um estranhamento, um verdadeiro desmonte, né? Então a nossa preocupação é para entender o porquê. Por que essa exoneração? Isso aconteceu lá no início do Governo Raquel Lyra, quando ela exonera numa canetada só. Essa secretaria já foi integralmente montada, porque ela exonerou todo mundo, colocou pessoas de confiança dela e agora exonerou todo mundo de novo. As razões não ficaram evidentes e há uma preocupação porque existem rumores de que pode ser extinta.
ME – Como estaria sendo programada essa extinção da secretaria?
Dani Portela – Essa secretaria poderia ser extinta ou até possivelmente acontecer uma fusão com outra secretaria. Dentro da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos já está havendo uma modificação. Então se esvazia um pouco aquela pasta. E tira a gestão do sistema prisional daquela secretaria e cria uma taxa específica para ela.
ME – O que isso significa?
Dani Portela – Acendeu aquela luzinha. Porque o governo Bolsonaro fez isso. Se a gente lembrar, o governo Bolsonaro acaba com o Ministério da Mulher e junta o Ministério da Mulher com o Ministério de Direitos Humanos. Nós entendemos que mesmo que o tema mulher esteja dentro do guarda-chuva amplo dos direitos humanos nós precisamos de uma secretaria específica. Houve um estranhamento e realmente uma cobrança.
ME – A senhora chegou a apresentar demandas ao Palácio?
Dani Portela – Inclusive eu sou militante do movimento de mulheres negras do movimento feminista e o movimento entregou um documento após os atos do 8 de março, em que foi até o Palácio do Governo e foram recebidas várias representantes dos movimentos de mulheres em Pernambuco, foram recebidas no governo do Estado, apresentando uma série de demandas que seriam por essa secretaria.
Ontem à tarde teria uma reunião justamente com um grupo de uma campanha que é o levante nacional pelo fim do feminicídio. Um tema tão sério de números que não param de crescer aqui em Pernambuco. Essa reunião seria com o Ministério Público, com representações dos movimentos sociais e a Secretaria da Mulher, mas foi desmarcada. Então a gente recebeu isso de maneira muito preocupada, mas a gente não quer inferir e está esperando os próximos passos.
ME – Caso se concretize a extinção ou fusão de secretarias o que pode ser feito?
Dani Portela – Se acontecer desses rumores concretizarem, isso precisa vim pra cá (Alepe), como projeto de lei. E se realmente for essa tendência, vai ter todo o nosso esforço para barrar um absurdo desse. Num estado, que segundo o último anuário de violência, detém cinco das cidades mais violentas do Brasil. Das 50 cidades mais violentas, 5 estão no nosso estado. E a violência contra a mulher, feminicídio, transfeminicídio não para de crescer e a gente não pode desmontar as políticas públicas justamente de proteção, amparo às mulheres, maioria da população de Pernambuco. Mais de 54% do eleitorado é de mulheres.
ME – O executivo deve mandar nesse segundo semestre as peças orçamentárias. O que podemos esperar?
Dani Portela – Eu sempre digo que justamente é no segundo semestre do primeiro ano de uma gestão que a casa legislativa tem o trabalho mais importante dos quatro anos de legislatura.
ME – Por que?
Dani Portela – É justamente a partir dos meses de agosto, setembro e outubro que são discutidas e votadas as peças orçamentárias. E dessas peças orçamentárias a principal dela primeiro está chegando para gente a LDO. A LDO são as diretrizes orçamentárias, apresenta o norteamento para onde o vento do orçamento das políticas públicas vai soprar. Só que essas diretrizes têm que estar alinhadas com tudo aquilo que foi prometido anteriormente pelo governo ao se eleger. Tem que aparecer ali nas diretrizes. Então se a educação é uma prioridade, tem que estar na diretriz. Se política pública para a mulher é uma prioridade, tem que estar na diretriz. Se enfrentamento ao racismo e promoção de igualdade racial, diminuição da pobreza… Tudo que for importante para direcionar as políticas públicas tem que vir nessas diretrizes. São eixos gerais. Depois vem a peça-chave, que é o PPA. É o Plano Plurianual. É para onde vai o dinheiro do governo do estado. Só que esse plano que a gente vai votar esse ano é válido de 2023 até 2027. É o primeiro ano, inclusive, do governo subsequente.
ME – Então o PPA é a peça mais importante?
Dani Portela – Sim. Então é a peça mais importante porque não se faz política pública sem recurso. Então, se na minha região precisa de um hospital ou precisa de mais escolas ou as estradas estão terríveis como em Pernambuco inteiro, se não está previsto no orçamento, não tem como se fazer. Então é importante que a população entenda que agora é a hora. O que não for previsto dentro desse plano não pode ser executado. Então é hora de a gente dizer as diretrizes, entender as prioridades, o que é que precisa aparecer nesse orçamento… é a hora. Depois não dá mais para reclamar e ficar olhando para o retrovisor.
ME – Qual o papel das escutas junto à população pernambucana?
Dani Portela – Essas escutas ao Plano Plurianual não estão sendo promovidas pela nosso mandato, são escutas que estão sendo chamadas pela Comissão de Direitos Humanos. Dentre as das dezessete comissões permanentes é a única comissão que prevê expressamente no regimento o instrumento da participação popular. Eu acredito que o poder de uma casa legislativa, a tarefa de uma deputada e de um deputado não é apenas criar leis, não é só legislar, é legislar, fiscalizar, mas sobretudo fazer a ponte entre a população de Pernambuco e Poder Executivo Estadual. É uma iniciativa da Assembleia Legislativa de Pernambuco, não da deputada Dani Portela. Está na nossa coordenação porque eu presido a comissão, mas é aberta para o conjunto dos deputados e deputadas que queiram justamente se aproximar, que queiram se aprofundar. É um conjunto, é uma oportunidade para sociedade de Pernambuco para que possa agora incidir sobre o orçamento. Vão ser realizadas sete plenárias descentralizadas em regiões distintas do estado, mas algumas plenárias temática, que trata de eixos específicos que vão ser realizadas aqui na Região Metropolitana do Recife. Mas quem não conseguir chegar presencialmente pode entrar no site da Assembleia Legislativa de Pernambuco vai ter lá uma aba para você contribuir com alguma proposta no final dessas escutas e a gente vai produzir um documento, um relatório com todas essas propostas que forem viáveis.
ME – O que se faz com o resultado dessas escutas?
Dani Portela – A gente vai fazer um relatório e vai entregar pessoalmente a governadora do Estado. O resultado dessa escuta coletiva para que ela possa, se assim desejar, incorporar alguma dessas escutas já justamente nesse Plano Plurianual, nessa e na lei orçamentária anual do ano subsequente. Caso isso não aconteça ou não entre em todas as propostas, a gente ainda tem a oportunidade de disponibilizar essas propostas para o conjunto dos 49 deputados dessa Casa. E cada um, ou coletivamente ou individualmente, podem fazer emendas a peça orçamentária. Essas emendas elas podem ser supressivas ou retirar um trecho da peça que há uma discordância ou divergência, mas elas também podem ser modificativas. Elas podem trazer elementos novos. Então a partir dessa escuta a gente vai tentar com que o que vier do resultado da participação popular, porque é o povo que precisa estar no centro dessa decisão.
ME – Qual projeto da deputada Dani Portela que merece destaque?
Dani Portela – A gente acabou de distribuir na Comissão de Educação um projeto de emenda à Constituição do Estado que visa justamente reservar um orçamento para políticas de igualdade racial. Isso é um tema que sempre foi prioritário para gente. Nas Casas Legislativas, apesar de no último censo dizer que tanto o Brasil como Pernambuco majoritariamente é formado pela população negra, somando pretos e pardos e a gente tem uma maioria dessa população, mas minoria em vários espaços. Ser mulher já é minoria, chega a 15%. Mulheres negras não chegam nem a 3%. Então a pauta da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo aparece no curso de toda a minha história da política, desde a entrada até o presente momento.
Quando eu fui eleita vereadora do Recife, a minha primeira proposta foi a criação de uma comissão permanente para debater esse tema. É a única casa legislativa de uma capital no país que tem uma comissão permanente de igualdade racial. Eu saio da Câmara do Recife, mas a comissão está lá, ela é permanente e ela tem que ser tocada. Esses temas seguem sendo debatidos e precisam estar na centralidade. Pernambuco é o quarto estado mais desigual do país. Recife é a nossa capital é a capital nacional da desigualdade. A gente sabe que essas desigualdades têm classe, gênero, mas ela sobretudo tem raça. Se a gente olha pra inúmeras desigualdades, desemprego, o rosto do desemprego é de uma mulher negra de baixa escolaridade. Se a gente olha a população em situação de rua que luta por moradia maioria pessoas negras empobrecidas. Se a gente olha para o sistema prisional, sistema prisional é composto majoritariamente pela população negra. São essas pessoas que mais morrem de causas violentas e de causas naturais também. As mulheres negras representam a maioria das mulheres que ainda morrem ao parir em pleno século 21.
ME – No âmbito municipal esses apelos foram atendidos pelo executivo?
Dani Portela – O prefeito João Campos (PSB) tem feito isso, mas precisa transformar isso em política de estado. Não se foi regulamentada a lei de cotas nem no Recife e muito menos em Pernambuco. Isso é outra atuação nossa. É para a implementação e regulamentação da lei de cotas nos concursos públicos e seleções simplificadas do estado de Pernambuco.
ME – Acompanhamos em âmbito nacional, o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL-SP) vem implementando o projeto de Cozinhas Solidárias. Tem como trazer isso para Pernambuco?
Dani Portela – Tem sim. As cozinhas solidárias são de iniciativa do movimento social no qual Boulos era o coordenador nacional que é o MTST – Movimento Trabalhadores Sem Teto.
Aqui em ele tem uma grande expressividade, tem a sua principal representante, a ex-deputada dessa casa, Jô Cavalcante, uma das coordenadoras do movimento no qual o Boulos coordena aqui no estado de Pernambuco. Estávamos numa pandemia que rapidamente evidenciou que não era só um vírus não foi apenas uma crise sanitária, mas trouxe consequências econômicas e sociais muito profundas.
Isso durante um governo que prevaricou muito com a vida das pessoas, muitas pessoas passaram a viver em situação de rua, vulnerabilidade extrema. Não puderam ficar seguros em suas casas, muitas pessoas nem casa tinham. O movimento entendeu que aquele era o momento de estender uma solidariedade.
ME – Como se davam essas ações na prática?
Dani Portela – Uma ação onde se abria arrecadação, Pix, vaquinhas e essas arrecadações foram dando resultado e aqui em Pernambuco, ali no bairro da Torre, onde se estabeleceu uma cozinha solidária que até hoje se mantém, continua distribuindo alimentos. Tem ainda espaços de cadastramento dessas pessoas para entender quais são as ações efetivas, têm muitos idosos, muita criança, pessoas com deficiência, pessoas sem documentação, pessoas que precisam de acesso à justiça. Então é uma forma de integrar o movimento social com a comunidade, de voltar para os territórios, entender a necessidade daquelas pessoas e ser solidário a ela. A fome infelizmente ela volta para o nosso país, voltamos para o mapa da fome quando uma um percentual enorme da nossa população, 40% do povo vive em algum grau de insegurança alimentar. Políticas públicas que justamente movam o debate sobre isso, não só o debate, mas principalmente a ação concreta para matar a fome do nosso povo, são muito bem-vindas. Em Pernambuco, a cozinha solidária vai estar de portas abertas para implementar essa política, começando pela Torre e se espalhando também por outros lugares do estado.
ME – Como estão as movimentações políticas de oposição dentro da Assembleia?
Dani Portela – O PSOL teve um acerto muito grande quando foi o primeiro partido a declarar oposição a governadora Raquel Lyra. Desde a eleição, a gente entendeu que neutralidade na política não existe. A neutralidade abriu espaço pra um palanque não só de direita, mas um palanque que abriu os braços pra extrema direita e pra direita fundamentalista religiosa do nosso estado. Deu respaldo e foi base sustentação dos últimos quatro anos do pior governo da história do nosso país, que foi o governo Bolsonaro. O PSOL entendeu de apoiar a ex-candidata a governadora Marília Arraes (Solidariedade). Na sequência, com o resultado da eleição, também foi o primeiro partido que saiu na frente declarando a oposição, eu fui a primeira parlamentar dessa Casa, quando ninguém tinha assumido posição, que já marcava essa posição firme de uma oposição propositiva a um governo de direita, centro-direita e extrema direita, que está na base desse governo. Partidos que foram da base do governo Bolsonaro estão na base do governo Raquel Lyra com espaço com secretaria constituindo base de bancada nessa Casa legislativa. E nós assumimos no primeiro momento entendendo a necessidade e a urgência porque Pernambuco teve um fato histórico. Elegeu a primeira mulher governadora do estado, a primeira senadora do estado de campos políticos muito diferentes e a gente vem pra dizer que precisa ter uma posição forte também.
ME – Pernambuco ter votado em mulheres foi positivo também.
Dani Portela – Pernambuco votou em mulher, mas mulher de campos distintos e a gente quer dizer, não basta ser mulher, tem que ser mulher alinhada a inúmeras lutas que a gente traz, né? Acho que nós acertamos e foi um acerto grande a escolha coletiva para que uma mulher negra liderasse a oposição a um governo formado por duas mulheres e fazer isso de maneira séria.
ME – A deputada Dani Portela se colocou como pré-candidata à Prefeitura do Recife, como vai ser esse debate já a partir do segundo semestre?
Dani Portela – Tenho colocado o meu nome à disposição do partido, sim, para ser pré-candidata à Prefeitura do Recife em 2024. Isso é prego batido ponto virado? Não. O nosso partido está num processo de debates. A gente vai fazer isso até o final do ano, até novembro. E é um partido democrático, é um partido que não tem dono. Isso foi uma coisa que me aproximou do PSOL. É um partido que a democracia interna ela é exercida.
ME – Mas o vereador Ivan Moraes também se colocou como opção de candidato a prefeito pelo seu partido.
Dani Portela – Até esta semana eu era a única pré-candidata à prefeitura do Recife posta com o nome posto no partido, mas recentemente o nosso vereador Ivan Moraes também expressou o desejo de disputar. O nosso partido vai levar tempo, amadurecer, debater e vai escolher quem ele considerar mais acertado na política para representar as eleições do ano que vem. Nós estamos federados com a Rede Sustentabilidade, né?
ME – E o deputado federal Túlio Gadêlha?
Dani Portela – Há também indícios de um desejo do deputado federal Túlio Gadelha de ser candidato. Acho que hoje o PSOL tem uma posição firme de que essa candidatura representando a nossa federação precisa ser oposição a João Campos, mas também uma oposição firme ao governo do estado de Pernambuco. Ela precisa representar justamente a tarefa que nós já vimos acertando na política há algum tempo. Então há uma tendência de que esse candidato realmente venha do PSOL. Pernambuco demonstra que quer votar em mulheres. Recife nunca teve uma prefeita, muito menos uma prefeita negra. Acho que a gente precisa mudar um pouco a fotografia do poder. Mudar um pouco justamente esse jogo de troca entre as mesmas famílias. Hoje, todos e todas são filhos, netos que vem de ex-prefeitos, ex-governadores, isso se reproduz muito na nossa política e é preciso quebrar isso. Acho que o PSOL é um partido que pode apresentar uma candidatura à esquerda e que traga um sentimento importante que Recife precisa resgatar. Nós somos uma capital de inúmeras desigualdades. Acho que é muito acertado a gente colocar mulheres negras no centro dessas decisões.
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