Por Ana Julia Morgado*
O Congresso Nacional promulgou recentemente o Projeto de Lei 1847/24, que trata especificamente das alternativas para compensar as perdas fiscais geradas pela desoneração das folhas de pagamento até o ano de 2027.
A fim de melhor explicar, a desoneração da folha de pagamento é uma medida aplicada aos empregadores de 17 setores desde 2012, que substitui as contribuições previdenciárias de 20% sobre a folha de pagamento de cada empregado, pelo pagamento de uma alíquota que varia entre 1% e 4,5%, sobre a receita bruta da empresa.
O PL prevê que a desoneração da folha de pagamento será realizada apenas até o ano de 2027, mas o que chama atenção, e que muito vem causando polêmica entre os juristas nos últimos dias, foi o “Capítulo X” da Emenda 3 ao PL, proposta pelo Senador Jaques Wagner (PT/BA), denominado “Dos Recursos Esquecidos”.
O art. 48, caput, da Emenda 3 ao PL 1874/2024, prevê:
Art. 48. Os recursos existentes nas contas de depósitos, sob qualquer título, cujos cadastros não foram objeto de atualização, na forma da Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 4.753, de 26 de setembro de 2019, somente poderão ser reclamados, junto às instituições depositárias, até 31 de agosto de 2024.
Isso significa que valores que foram “esquecidos”, sejam em contas bancárias, sejam por depósitos judiciais, serão recolhidos pelo Governo Federal para serem apropriados pelo Tesouro Nacional como receita orçamentária primária , como uma maneira de suprir a suposta falta de recolhimento fiscal, que seria consequência da desoneração da folha de pagamento.
Mas o que chama a atenção é o fato de muitos alegam ser essa uma nova forma de confisco por parte do governo federal, fato que não ocorria desde o Governo Collor, em 1990, e que passou a ser proibida no Brasil através da Emenda Constitucional aprovada em 2001, que adicionou o § 1°, II ao art. 62 da Constituição Federal:
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
(…)
- 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
(…)
II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;
À época, o confisco das poupanças foi uma medida adotada pelo então presidente, com o intuito de lidar com uma inflação de 1.062.000% dos 5 anos anteriores. Em razão disso, o Governo Federal bloqueou todos os saques em valore superiores a 50 mil cruzados novos, durante o período de 18 meses.
A defesa daqueles que defendem o PL 1847/24, é de que não se trataria de confisco, uma vez que há a previsão de que as partes legítimas a reclamarem os valores apropriados, poderão contestar o recolhimento efetuado, judicialmente, até seis meses contados da data da publicação do edital com os valores recebidos, instituição depositária, agência, natureza e número da conta do depósito.
Por outro lado, a informação dada pelo Banco Central é de que se trata da quantia de R$ 8,6 bilhões ainda não resgatadas, e que são pertencentes à população brasileira.
Não obstante, não há, no Projeto de Lei, qualquer previsão de qual critério será adotado para enquadrar os valores como “Recursos Esquecidos”, apenas delimitando, no caput do art. 48, que serão os Recursos existentes nas contas de depósitos, sob qualquer título, cujos cadastros não foram objeto de atualização, na forma da Resolução do Conselho Monetário Nacional n° 4.753, de 26 e setembro de 2019, o que, inclusive, causa uma insegurança jurídica.
Ou seja, além de passar a prever a reoneração da folha de pagamento a partir de 2027 – o que não acontece desde 2012 –, o Projeto de Lei também prevê a apropriação do Governo Nacional, de valores pertencentes aos brasileiros como um todo.
Vale ressaltar que no primeiro semestre do 2024, o Governo Central registrou um déficit primário de R$ 68,898 bilhões , com um aumento de R$ 26,665 bilhões em relação ao primeiro semestre do ano de 2023, que registrou um déficit primário total de R$ 43,233 bilhões no segundo semestre.
Isso significa que o rombo fiscal apenas aumentou significativamente, e a resposta encontrada pelo legislador foi punir o cidadão brasileiro ainda mais, se apropriando de valores que a eles pertencem.
Importante ressaltar que o projeto fora sancionado pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula Da Silva, em 17 de setembro de 2024.
Agora, nos resta acompanhar os próximos andamentos do PL 1847/24, sua aplicação prática, seus resultados, e, principalmente, como será recebido pela população brasileira.
*Ana Julia Morgado é advogada com atuação na área de Direito Empresarial do escritório Yuri Gallinari Sociedade de Advogados e formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
** Os artigos não expressam necessariamente a opinião do Movimento Econômico.
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