*Tania Bacelar de Araújo
A região Nordeste, vista na dimensão territorial oficial, do Maranhão à Bahia, teve grandes dificuldades para se inserir no Brasil em rápida industrialização, marca nacional do século XX, tornando-se objeto central do debate nacional sobre as desigualdades regionais.
Desde período anterior, o Nordeste aparecia no cenário nacional como “terra de arribação” – pela dimensão da emigração de amplos contingentes de nordestinos para outras regiões brasileiras – e lócus principal da pobreza, liderando os indicadores sociais desfavoráveis do país. Mais recentemente, quando o Brasil pós Constituição Federal de 1988 avançou na formulação e implementação de políticas assistenciais, com destaque para as de transferência de renda, consolidou imagem de “região problema”. O que, em consequência, empana suas potencialidades.
Mas, o Nordeste mudou muito nas últimas décadas. E precisa ser revisitado.
Diferentemente da trajetória nacional – de perda de peso relativo da indústria de transformação do PIB – dados do IBGE mostram que entre 2000 e 2017, por exemplo, o Sudeste declinou de 65% para 55% sua participação no Valor de Transformação Industrial (VTI) nacional, enquanto o Nordeste subiu de 8,5% para 10,5%. Em termos de emprego industrial, entre 2000 e 2018, o Nordeste apresentou crescimento de 56%, contra média nacional de 40%. É o inverso da trajetória regional observada quando o país avançava célere na industrialização. Mas a imagem de uma região de pouco dinamismo industrial permanece.
A emigração inter-regional – que funda a imagem de “terra de arribação” – arrefeceu, com a migração rural-urbana recente se destinando principalmente às cidades de porte intermediário da própria região. Nos anos recentes essas cidades expandiram sua base econômica, sobretudo nas atividades terciárias (comércio e prestação de serviços), muitas delas abrigando Universidades, Institutos Federais e outras instituições educacionais e de serviços de saúde. Aliás, os dois “cases” de avanço relevante nos indicadores educacionais no Brasil recente são nordestinos: o Ceará no ensino fundamental, e Pernambuco no ensino médio.
A base agropecuária nordestina também mudou muito. O velho tripé “gado-algodão-policultura” que estruturava a economia do semiárido perdeu o algodão, o que desmontou sua lógica organizativa. O algodão agora surge em fazendas especializadas em outros territórios da região e a economia do semiárido vem fortalecendo outras atividades como a fruticultura irrigada, onde tem água; a avicultura; a ovinocultura e a piscicultura. Enquanto isso vem valorizando outros potenciais, em especial sua rica biodiversidade, que busca dialogar com os avanços da bioeconomia, na direção dos fármacos, dos cosméticos, dos suplementos nutricionais, dos conservantes… É outra agenda!
Na porção Oeste, antes pouco ocupada, o engate na dinâmica do agronegócio inscreve a região no agora conhecido “MATOPIBA” – sigla que representa os Estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia – fazendo o Nordeste ganhar peso nesta base produtiva nacional.
Arrefece, assim, a força do dinamismo demográfico e econômico dos espaços litorâneos.
Nesses anos de pandemia, dois indicadores desmentem a expectativa de que o Nordeste – visto como região pobre e frágil – fosse a mais afetada.
Primeiro, a dinâmica econômica, como mostra o Gráfico abaixo. A economia nordestina segue de perto a trajetória nacional, com vantagem em alguns momentos como no auge do impacto do “Auxilio Emergencial”.
Segundo, no desempenho regional do pior indicador da pandemia: o número de mortes por 100 mil habitantes. Todos os Estados do Nordeste, sem exceção, estão abaixo da média nacional, segundo dados do Ministério da Saúde.
No momento presente, quando a seca e a crise energética marcam a conjuntura nacional, o endereço do problema é o Sudeste/Sul. E é do Nordeste que vem a energia que ajuda a enfrentar a situação. De região pobre na oferta de energia, o Nordeste engata na era das energias renováveis e se torna exportador desse insumo estratégico, tendo potencial para muito mais.
Já é hora de revisitar o Nordeste, e mudar a imagem da região!
*Tania Bacelar é economista, socióloga e Mestre e Doutora em Economia pela Universidade de Paris/Panthéon-Sorbonne, e sócia da Ceplan Consultoria