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Desertificação ameaça o MATOPIBA, a principal fronteira agrícola brasileira

Processo de degradação do solo avança sobre o MATOPIBA, região responsável por 14% da produção nacional de grãos e bilhões em exportações
Áreas de desertificação no semiárido nordestino MATOPIBA
Imagens compiladas pelo Instituto Nacional do Semiárido sobre desertificação no Nordeste, incluindo a região do MATOPIBA. Foto: INSA/Divulgação

O que era para ser a solução definitiva para o crescimento do agronegócio brasileiro pode estar se transformando em um dos maiores desafios ambientais e econômicos do país. A região do MATOPIBA — acrônimo que reúne Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, responsável por 14% da produção nacional de grãos e bilhões em exportações — enfrenta um fenômeno até então inédito em sua história: o avanço acelerado da desertificação sobre áreas que, nas últimas décadas, receberam investimentos bilionários para se tornarem celeiros produtivos.

Um estudo técnico divulgado pela Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) nesta terça-feira (17), Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca, mapeou pela primeira vez como o processo de degradação ambiental, tradicionalmente concentrado no semiárido nordestino, está se espalhando para regiões antes consideradas imunes ao problema.

O boletim temático sobre desertificação traz dados alarmantes sobre a expansão da degradação do solo em uma região considerada a nova fronteira agrícola brasileira. Segundo o documento, cerca de 18% do território nacional está suscetível ao processo de desertificação, com uma expansão de aproximadamente 170 mil km² entre 2000 e 2020, área equivalente à soma dos territórios de Pernambuco, Paraíba e Alagoas.

MATOPIBA sob ameaça: expansão agrícola intensifica degradação

O estudo aponta que a dinâmica de desertificação observada no núcleo de Gilbués, no Piauí, segue o mesmo padrão identificado no oeste das Áreas Suscetíveis à Desertificação (ASD), principalmente nos estados da Bahia e Piauí, que integram a região do MATOPIBA. Essas áreas foram classificadas como nível 3 de desertificação, indicando impacto significativo nas atividades agropecuárias.

“O avanço da desertificação sobre o MATOPIBA acende um alerta importante. Estamos falando de uma região estratégica para a produção agrícola do país, que agora passa a conviver com processos típicos de degradação severa do solo. Esse dado reforça a urgência de integrar conservação ambiental e uso produtivo da terra, especialmente em territórios onde o crescimento econômico vem acompanhado de pressão crescente sobre os recursos naturais”, analisa Ludmilla Calado, geógrafa da Sudene e mestre em Engenharia Cartográfica.

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“O desmatamento que ocorre em Gilbués é decorrente da expansão agrícola, favorecida pela disponibilidade hídrica da região que possui pluviometria maior que os demais núcleos”, explica o documento. Essa constatação é particularmente preocupante considerando que o MATOPIBA concentra uma das maiores taxas de crescimento do agronegócio nacional.

A região, que abrange 337 municípios e se estende por 73 milhões de hectares — equivalente a 8,5% do território brasileiro —, tem sido protagonista na expansão da produção de grãos, especialmente soja, milho e algodão. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), o MATOPIBA responde por cerca de 14% da safra nacional de grãos.

Desertificação Nordeste
A falta de respeito aos ciclos ecológicos naturais dos biomas caatinga e cerrado acelera a degradação do solo. Foto: Funceme/Divulgação

Impactos socioeconômicos crescentes

O avanço da desertificação nas áreas produtivas do MATOPIBA representa uma ameaça direta ao modelo de desenvolvimento agrícola da região. Aproximadamente 39 milhões de pessoas vivem em áreas suscetíveis à desertificação no Brasil, enfrentando os efeitos diretos da degradação ambiental na segurança alimentar, na economia rural e na qualidade de vida.

Segundo o Instituto Nacional do Semiárido (INSA), a agricultura industrial e a pecuária, por exemplo, muitas vezes ignoram os ciclos ecológicos naturais, utilizando técnicas que retiram do solo mais recursos do que ele pode repor. O uso excessivo de fertilizantes químicos, o plantio de monoculturas, a falta de rotação de culturas e o uso de técnicas inadequadas de irrigação são algumas das práticas que agravam a degradação do solo. Além disso, a concentração de terras nas mãos de poucos proprietários e a falta de acesso dos pequenos agricultores a tecnologias sustentáveis contribuem ainda mais para a exploração insustentável dos recursos naturais.

O levantamento da Sudene identificou que nas ASD, quase 33 mil km² passaram a apresentar os níveis mais avançados de degradação (níveis 4 e 5), enquanto 73,8 mil km² já se encontravam nesses níveis críticos em 2001 e permaneceram nessa condição em 2021. Essa estabilização em níveis críticos indica a dificuldade de reversão do processo uma vez instalado.

Pressão sobre recursos hídricos

A situação se agrava quando considerados os desafios hídricos enfrentados pela região. Estudos recentes indicam que o uso excessivo de água no MATOPIBA pode comprometer entre 30% e 40% da capacidade futura de expansão da irrigação, elemento fundamental para a sustentabilidade da produção agrícola na região.

A combinação entre pressão por expansão agrícola e escassez hídrica cria um cenário de vulnerabilidade que pode comprometer a posição estratégica do MATOPIBA no agronegócio brasileiro. A região, que recebeu investimentos bilionários em infraestrutura e tecnologia nas últimas décadas, enfrenta agora o desafio de conciliar produtividade com sustentabilidade ambiental.

Municípios em situação crítica

O estudo da Sudene elaborou uma lista dos 100 municípios com maior percentual de território severamente desertificado (níveis 4 e 5). Entre os mais afetados estão Montadas (PB) com 95,83% de seu território degradado, Areial (PB) com 95,71%, e Gavião (BA) com 94,47%.

A presença de municípios baianos entre os mais afetados é particularmente significativa, considerando que a Bahia integra o MATOPIBA e concentra importante produção agrícola. Municípios como Guanambi, Santaluz e Conceição do Coité, todos na Bahia, aparecem na lista dos territórios com maior degradação.

Vulnerabilidade das populações tradicionais

O estudo revela que comunidades indígenas, quilombolas, assentados da reforma agrária e pequenos agricultores são especialmente vulneráveis ao processo de desertificação. Nos territórios indígenas das ASD, o percentual de áreas conservadas diminuiu de 88,6% em 2001 para 86,2% em 2021. Nos territórios quilombolas, a redução foi ainda mais acentuada, passando de 87,2% para 83,9% no mesmo período.

Essas populações, que mantêm relação direta com os recursos naturais para subsistência, enfrentam pressão antrópica externa através de invasões para exploração ilegal de madeira, garimpo e grilagem de terras, atividades que intensificam o processo de desertificação.

Estratégias de combate e mitigação

O governo brasileiro tem desenvolvido estratégias específicas para enfrentar o avanço da desertificação. O Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste (PRDNE) 2024-2027, coordenado pela Sudene, estabelece ações prioritárias que incluem:

  • Monitoramento e alerta precoce: Modernização de sistemas de acompanhamento da degradação do solo e integração de dados climáticos;
  • Fomento a práticas produtivas resilientes: Promoção da agroecologia e criação de animais adaptados, associadas a programas de capacitação técnica;
  • Ampliação da infraestrutura hídrica: Construção de barragens, cisternas e sistemas de irrigação eficientes;
  • Recuperação de ecossistemas degradados: Prioridade para o bioma Caatinga mediante ações de revegetação e implementação de sistemas agroflorestais.

Tecnologias sociais como alternativa

O documento destaca iniciativas bem-sucedidas no combate à desertificação, como o Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC) e o Uma Terra e Duas Águas (P1+2), da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). Essas tecnologias sociais, baseadas na gestão participativa e no protagonismo das comunidades, demonstram que é possível construir soluções eficazes adaptadas às realidades locais.

“A Sudene atua como articuladora das estratégias de enfrentamento à desertificação, unindo governos, academia e sociedade civil. Estamos apoiando a revisão dos Planos Estaduais de Combate à Desertificação e fortalecendo políticas públicas baseadas em dados, como este estudo inédito que apresentamos agora”, destaca o superintendente da Autarquia, Danilo Cabral.

*Com informações da Agência Sudene

Leia mais: Sucesso no combate à desertificação no Nordeste passa por Gilbués, no Piauí

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