
Cerca de 1,3 milhão de pessoas no Brasil dependem diretamente da pesca artesanal como fonte de sustento, sendo 40% desse total concentrado no Nordeste, segundo a Secretaria Nacional da Pesca Artesanal. Desses trabalhadores, 235 mil são jovens entre 15 e 29 anos, desempenhando papel fundamental na cadeia produtiva pesqueira. Para qualificar essa parcela da população, o projeto Jovens da Pesca, realizado em Pernambuco, busca aliar práticas tradicionais ao mundo digital.
A iniciativa, conduzida pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em parceria com o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA), ensina jovens pescadores a usar tecnologias como fotografia, edição de vídeos e aplicativos, facilitando a comercialização e promovendo maior visibilidade para a pesca artesanal.
O secretário Nacional da Pesca Artesanal e professor da UFPE, Cristiano Ramalho, destaca que o projeto valoriza os aspectos socioeconômicos, culturais e ambientais da pesca artesanal por meio do uso de mídias digitais. As oficinas são ministradas por profissionais como Anderson Stevens, fotógrafo e diretor da Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos da Imprensa de Pernambuco (ARFOC), que ressalta o impacto das tecnologias sociais na transformação da visão dos jovens sobre a atividade pesqueira.
O coordenador do projeto, Gilson Antunes, explica que a capacitação também aborda o uso de ferramentas como tabelas de marés, GPS e aplicativos, ampliando o conhecimento sobre condições climáticas, marés e técnicas de pesca. “Trabalhamos com a juventude pesqueira, aproximando-os do ofício de seus pais e avós, enquanto mostramos como a tecnologia pode ser uma aliada no dia a dia da pesca”, afirma.
As oficinas tiveram início entre 20 e 24 de janeiro, na Associação das Mulheres Pescadoras Artesanais (AMPAS), em São José da Coroa Grande, com a participação de 18 jovens. O encerramento ocorreu no dia 30, com uma avaliação crítica da formação.

“A partir dessa experiência, descobri que sou pescador”
Além de abordar técnicas digitais, o curso discute a importância da mulher na cadeia produtiva da pesca, mudanças climáticas e impactos ambientais, adotando uma metodologia inspirada na pedagogia de Paulo Freire. As atividades incluem aulas teóricas e práticas, com visitas a áreas de pesca e observação direta das pescadoras em ação no mangue.
Em 2024, a primeira capacitação do projeto ocorreu na comunidade de Brasília Teimosa, no Recife, reunindo 15 jovens e impactando mais de 130 famílias. As atividades incluíram visitas à Colônia de Pescadores Z1 e oficinas sobre o impacto da pesca artesanal.
O jovem Gabriel José Gonçalves, 18 anos, destaca que a iniciativa ampliou sua visão sobre a pesca artesanal e o papel das mulheres no setor. “Muitas pessoas acham que a pesca se resume ao homem no mar, mas as mulheres têm um papel fundamental. Aprendi muito sobre isso durante o projeto”, relata.
Já Fabiano Gerson da Silva Araújo, 19 anos, ressalta a importância da capacitação para a preservação dos mangues e do ecossistema pesqueiro. “Esses projetos proporcionam experiências valiosas e mostram a realidade do nosso trabalho com o mangue, a maré e os rios”, pontua.

Impacto e perspectivas
O Jovens da Pesca já beneficiou comunidades em Brasília Teimosa e Abreu do Una e prevê expansão para Ilha de Deus, no Recife, e Goiana, ainda sem data definida. Ao todo, mais de 60 jovens serão capacitados diretamente, com um impacto estimado de 400 famílias beneficiadas indiretamente.
Segundo Gilson Antunes, a iniciativa também contribui para a formulação de políticas públicas voltadas à juventude pesqueira. “O curso oferece certificação, capacitando de fato os participantes e fortalecendo a economia local baseada na pesca artesanal”, enfatiza.
O coordenador destaca ainda a necessidade de políticas públicas a longo prazo. “Os bancos privados não costumam apoiar iniciativas pesqueiras, e as políticas governamentais muitas vezes são transitórias. Precisamos de um modelo sustentável, que assegure o acesso a crédito e a valorização dos territórios pesqueiros”, defende.
Governo avança com Plano Nacional da Pesca Artesanal
Desde janeiro de 2023, o Governo Federal, por meio do decreto nº 11.352, implementou o Programa Povos da Pesca Artesanal, voltado para o fortalecimento das comunidades pesqueiras. Sob coordenação da Secretaria Nacional da Pesca Artesanal, o programa busca promover a inclusão social e o desenvolvimento sustentável do setor.
Entre as iniciativas em andamento, destaca-se o Primeiro Plano Nacional da Pesca Artesanal (PNPA), que terá participação ativa das comunidades pesqueiras e orientará políticas públicas para o setor nos próximos dez anos. Um dos eixos centrais do plano é o estímulo à juventude pesqueira, com foco em educação, tecnologia e geração de renda.
Além disso, o governo lançou em 2024 o projeto Jovem Cientista da Pesca Artesanal, oferecendo bolsas de estudo para 2 mil jovens a fim de reduzir a evasão escolar e incentivar a continuidade dos estudos. “Ainda estamos longe do ideal, mas o programa representa um esforço para apoiar esses jovens e conectá-los ao setor pesqueiro”, avalia Cristiano Ramalho.
O plano inclui ainda sete plenárias regionais, com a primeira no Nordeste, além de parcerias com a Fiocruz para capacitação de agentes de saúde nos territórios pesqueiros. Outra frente do programa é o combate ao racismo ambiental, sobretudo nos estados atingidos pelo vazamento de petróleo em 2019.
“A juventude pesqueira é peça-chave para o futuro da pesca artesanal”, reforça Ramalho. “O governo está estruturando um plano para transformar essa atividade em um eixo estratégico de desenvolvimento sustentável e inclusão social no país”, conclui.
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