O dia era 16 de dezembro de 2005. O então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva estava no Complexo de Suape (PE) para lançar a pedra fundamental da Refinaria Abreu e Lima. A unidade iria quebrar um jejum de 35 anos sem a construção de uma nova planta de refino da Petrobras.
Após 19 anos, investimentos superiores a U$S 18 bilhões e a transformação do projeto em símbolo de corrupção e má gestão, Lula – em seu terceiro mandato presidencial – retorna nesta quinta-feira (18) à Rnest para visitar as obras de ampliação e conclusão do empreendimento, orçadas em US$ 1,7 bilhão. Com este valor, o custo total do empreendimento vai subir para US$ 19,7 bilhões.
Lula vem também garantir que o projeto será finalizado no novo prazo, estipulado para 2028. Caso o compromisso se confirme, a Refinaria Abreu e Lima, conhecida como a planta do gênero mais cara do mundo, vai bater também um recorde de prazo de implantação: 23 anos. Quase os 25 anos de duração de uma geração inteira.
Em nível de comparação, a Rnest, respeitado o novo cronograma, vai demorar mais tempo para ser concluída que a Pirâmide de Gizé (Egito), construída em 20 anos, por um exército de 100 mil trabalhadores, 2,5 séculos antes de Cristo. Isso, com todas as limitações tecnológicas da engenharia na Antiguidade e uma logística complexa, que incluía transportar enormes blocos de pedra por quilômetros, até o canteiro de obras.
Refinaria Abreu e Lima: o que falta concluir?
A ampliação e conclusão da Rnest – com estimativa de geração de 30 mil empregos – tem três etapas, como explica a gerente de Projetos de Desenvolvimento de Produção da Petrobras, Mariana Cavassin. A gestora participou de uma entrevista coletiva no Recife, nesta quarta-feira (17), para explicar o projeto.
Na primeira fase, que já está em implementação desde 2023 e tem prazo de finalização até o final de 2024, haverá a conclusão da unidade Snox, responsável por transformar o óxido de enxofre (SOx) e óxido de nitrogênio (NOx) em produtos comerciais. A obra vai ampliar a capacidade atual da refinaria em 15 mil barris diários.
A segunda fase é voltada para a conclusão do Trem 1. A estimativa é que o início aconteça em 2024 e a finalização em 2025. As intervenções terão o objetivo de melhorar o escoamento de produtos dentro da refinaria. A meta é elevar a capacidade do trem dos atuais 100 mil para 130 mil barris/dia, já considerando os 15 mil barris adicionais proporcionados pela unidade Snox.
“Até 2025, já vamos ter ampliado em 30% a capacidade de processamento da refinaria”, assegura Mariana Cavassin
Na fase 3, será construído o Trem 2. “Essa obra vai ser iniciada ainda no segundo semestre de 2024 e vai ter a conclusão em 2028, afirma a executiva. A previsão é de elevar a capacidade da Rnest para 260 mil barris diários. O ganho em relação aos níveis atuais será de 160%.
A ativação do novo trem, de acordo com a Petrobras, também será faseada, com início de produção de forma parcial em 2027 até que atinja 100% de operação em 2028.
Refinaria Abreu e Lima é estratégica no diesel
Segundo o gerente geral da unidade, Márcio Maia, a conclusão da Rnest é prioridade e está assegurada. O executivo, que também esteve na coletiva desta quarta-feira, ressalta o papel estratégico da planta no abastecimento de diesel no Brasil. “Na configuração atual, a Refinaria Abreu e Lima já responde por 6% de toda a capacidade de refino da Petrobras e 15% de toda a produção“, destaca.
Na análise de Márcio Maia, a Rnest ganhou ainda mais importância considerando as instabilidades geradas pelas guerras recentes na região do Mediterrâneo e Oriente Médio, que impactam tanto a oferta quanto os preços dos combustíveis, colocando em risco a segurança energética de diversos países importadores, entre eles o Brasil.
Fiepe acredita que Refinaria Abreu e Lima será concluída
No empresariado local, apesar de todo o desgaste político e econômico gerado pela Refinaria Abreu e Lima ao longo de sua trajetória conturbada, o clima é de confiança no término da implantação.
Otimista, o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), Ricardo Essinger, destaca que a conclusão da refinaria é estratégica em nível nacional e estadual. “Primeiro, é algo fundamental para o desenvolvimento econômico do estado. Além disso, tem papel crucial para garantir a segurança energética do país”, avalia.
Como motivo adicional para estar confiante na finalização do empreendimento, Essinger frisa a participação direta do Sistema Fiepe, por meio do Senai, no treinamento da mão de obra que irá trabalhar nas obras.
“Estaremos atuando no projeto. Na próxima semana, vamos fechar com a Petrobras o número total de profissionais a serem treinados, quais as áreas e o cronograma de capacitação”, sustenta.
Governo de Pernambuco confiante na finalização da Rnest
Presente à coletiva da Rnest, o secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Guilherme Cavalcanti, reforça a confiança do Governo de Pernambuco na finalização da planta e destaca que a instalação de uma refinaria integra o projeto original do Complexo de Suape, idealizado há cinco décadas para ser a principal âncora da economia local.
“O que motivou originalmente a criação de Suape foi a aspiração do estado de receber grandes empreendimentos, dentre eles e prioritariamente uma refinaria. É um projeto ao qual o povo pernambucano se dedica há mais de 50 anos”, defende.
Petroleiros consideram favorável nova conjuntura internacional
Presidente do Sindicato dos Petroleiros de Pernambuco e Paraíba (Sindipetro), Thiago Gomes, também se resguarda na segurança energética como garantia de que a Rnest agora será executada em 100%. Para ele, o mundo atual não é o da década de 2000 ou 2010, quando a construção da Refinaria Abreu e Lima foi paralisada.
“Energia se tornou um fator muito mais decisivo para os países, entre eles o Brasil, um desafio global, com um grau de criticidade ainda muito maior do que no passado recente. E o país hoje tem um governo muito atento a esse ponto e também à autonomia e independência do Brasil em relação ao mercado internacional”, sustenta.
Rnest tem trajetória tumultuada
Pensada no planejamento estratégico para o desenvolvimento estadual, a construção de uma refinaria no Complexo de Suape foi bastante tumultuada desde quando era apenas um projeto da Petrobras, sem localização definida.
A decisão da petroleira de implementar uma nova unidade de refino no Nordeste foi anunciada no primeiro Governo FHC, em 1995, e gerou uma guerra política entre Pernambuco, Ceará, Maranhão e Rio Grande do Norte.
Em Pernambuco, o então governador Miguel Arraes e o secretário de Desenvolvimento Econômico, Álvaro Jucá, resolveram realizar uma campanha que tivesse grande impacto midiático, para mobilizar os pernambucanos em torno do empreendimento.
Corredores segurando uma tocha – em alusão às Olimpíadas – cruzaram o estado por mais de 700 quilômetros, entre a capital, Recife, e Petrolina, no Vale do São Francisco.
Os cearenses contraatacaram escalando seus líderes políticos mais próximos a Fernando Henrique Cardoso – Ciro Gomes e Tasso Jereissati – para pressionar o presidente da República.
A briga atingiu um nível de temperatura que levou o governo federal e a Petrobras a simplesmente engavetarem o projeto.
Governo Lula 1: novo round e vitória de Pernambuco
A decisão do Governo Lula 1 de tirar a refinaria da gaveta colocou o Nordeste novamente em pé de guerra. Prevaleceram, no entanto, o consenso técnico na Petrobras e, claro, a relação política de Lula com seu estado de origem: Pernambuco foi escolhido para sediar a nova unidade de processamento de óleo bruto.
Porém, se mostrou desafiadora a engenharia financeira (e política) que o então presidente queria costurar para viabilizar o projeto e transformá-lo em símbolo de integração latino-americana. A ideia era fechar uma parceria com a petroleira venezuelana PDVSA, mas o presidente Hugo Chávez e a própria empresa se mostraram relutantes.
Entre promessas não cumpridas e idas e vindas de Chávez a Pernambuco, o acordo acabou não saindo. Em 2005, a Petrobras, ainda na expectativa de dividir o investimento com o país vizinho, resolveu começar a implantação do negócio sozinha. Insistiu na sociedade durante alguns anos, até que, resignada, reconheceu o fracasso na tentativa de parceria.
Com o avanço das obras, outro problema apareceu e foi se tornando cada vez maior. O orçamento inicial da refinaria era de US$ 2,5 bilhões. Porém, começaram a ser firmados aditivos de contrato, sob as mais diversas justificativas, incluindo de aspecto geológico, baseadas supostamente nos recursos adicionais necessários para a terraplenagem de um solo muito mais complexo que o esperado.
A refinaria ia se tornando cada vez mais cara e acumulando atrasos, sem processar uma gota de petróleo. Até que explodiu o escândalo do Petrolão e a rede de desvio de dinheiro do projeto – que beneficiava, entre outros, políticos graúdos de Pernambuco – foi revelada.
Maior escândalo de corrupção do mundo
Veio a Lava Jato, que jogou o Brasil num nível de instabilidade política só comparável à dos anos 1960, na Guerra Fria, tendo agora a Petrobras no epicentro da crise. Em 2014, a Rnest, alçada ao papel vergonhoso de maior escândalo de corrupção do mundo, entrou em operação, com parte do Trem 1 funcionando.
O Governo Dilma Roussef 2 e a petroleira ainda mantiveram as obras da unidade até 2015 quando, descapitalizada e com a imagem na lona, a Petrobras anunciou a paralisação do empreendimento, funcionando com menos da metade da capacidade prevista.
Na Era Bolsonaro, inicialmente a determinação era vender a planta no âmbito do plano de desinvestimento da Petrobras, na área de refino. Porém, as tentativas de encontrar um investidor fracassaram. Em 2021, a Petrobras retirou a unidade do programa de privatização e incluiu a finalização da refinaria em seu planejamento estratégico 2022-2026.
Com a eleição presidencial de 2022, Luís Inácio Lula da Silva voltou ao poder, e sob o Governo Lula 3, a Petrobras mudou radicalmente de estratégia em relação ao Governo Bolsonaro e passou a mirar a expansão do seu parque de refino. Nesse cenário, executar 100% da Refinaria Abreu e Lima se tornou, novamente, uma prioridade.
Em Pernambuco, seja no setor produtivo, esfera política ou para o cidadão que anseia pelo desenvolvimento estadual, a expectativa é de que o planejamento estratégico da petroleira e suas prioridades saiam de fato do papel e que se encerre esse capítulo traumático na história do estado.
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