Reforma tributária gera IVA gigante e ativa guerra entre montadoras

Com a reforma tributária, a expectativa é de que o Brasil tenha a maior alíquota de IVA do mundo
Polo Automotivo da Stellantis Goiana
A reforma tributária manteve os incentivos fiscais da Stellantis (foto), em Pernambuco, e da BYD,na Bahia. Foto: Arthur de Souza

A guerra entre as montadoras ficou, mais uma vez, visível no dia da votação da reforma tributária no Senado. Três das maiores montadoras do País: a Volkswagen, a GM e a Toyota assinaram uma carta pública pedindo, nesta quarta-feira (08) para os senadores retirarem as alterações que incluíram no texto os incentivos fiscais do setor automotivo para a planta da Stellantis, que funciona desde 2015 em Pernambuco, e a fábrica da chinesa BYD, que está se implantando na Bahia. Os incentivos foram mantidos no texto aprovado pelo Senado. 

“Os incentivos não são às montadoras, mas à promoção de um desenvolvimento nacional menos desigual”, afirma a economista da Ceplan, Tânia Bacelar, uma das maiores especialistas em desenvolvimento regional. As montadoras atraem milhares de outras empresas no seu entorno para serem fornecedoras, geram vagas de trabalho qualificadas que, geralmente, remuneram melhor do que a média salarial dos demais setores. 

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Outra vantagem do setor automotivo: as fábricas são intensivas no uso de tecnologia. “Os incentivos fiscais foram importantes para atrair estas empresas e também para mantê-las na região, porque é um setor que tem alta produtividade e eficiência. Há também um grande jogo de interesses na guerra entre as montadoras. Recentemente, só lembro de um caso de fechamento de montadora que foi na Bahia”, resume o economista da Ceplan, Ademilson Saraiva. E acrescenta: “os incentivos fiscais se tornam imprescindíveis, porque a região ainda é deficitária em alguns fatores como infraestrutura, mobilidade e formação de mão de obra”.  

Uma das empresas que assinou a carta, a GM, está contra o incentivo às montadoras do Nordeste, mas já recebeu incentivos fiscais para importar carros pelo Porto de Suape na primeira década dos anos 2000. “Quando este incentivo foi revogado pela Confaz, a GM foi embora. Esta questão do incentivo é determinante para a relocalização dos investimentos. Na época, os incentivos foram determinantes para a GM deixar de importar pelo Sudeste e vir para Suape. Hoje é determinante para a Stellantis se manter aqui”, comenta o advogado tributarista do escritório Ivo Barboza, Alexandre Albuquerque. E argumenta: “O Nordeste ainda tem desvantagens competitivas que são compensadas pelos incentivos fiscais. Se retirar, vai provocar um processo de concentração do desenvolvimento no Sul e Sudeste. O Nordeste tem até 2032 para encontrar outras vantagens competitivas”. 

A guerra das montadoras contra as plantas nordestinas se dá porque os incentivos do sistema automotivo do Nordeste deixam as nordestinas com mais competitividade diante da carga tributária, que não é pequena no Brasil e representa uma parte significativa do preço final dos veículos. 

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Alexandre Albuquerque -reforma tributária
Advogado tributarista Alexandre Albuquerque diz que a alíquota do IVA vai ser alta, porque o gasto público do País é grande. Foto: Divulgação

Reforma tributária com o maior IVA do mundo

O texto aprovado pelo Senado prevê a substituição de cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por três: Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto Seletivo (IS). Tanto a CBS, que será federal, como o IBS, que é estadual e municipal, tributam o consumo e são formas de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), incidindo, como o nome diz, sobre o que foi agregado em cada etapa da produção. A reforma não estabeleceu a alíquota do IVA que será fixada por lei complementar depois da aprovação do texto.

O próprio governo trabalha com a expectativa de que a alíquota do IVA fique em 27,5%. “É a maior alíquota de IVA do mundo. Até agora, o maior IVA praticado era o da Hungria com uma alíquota de 27%. A alíquota acaba sendo alta, porque o gasto público é grande. Não são as exceções da reforma tributária que estão impactando na alíquota, mas o gasto público. Cadê a reforma administrativa ? Temos um gasto público que não se submete a um teto”, critica Alexandre Albuquerque. Inicialmente, o governo chegou a falar de uma alíquota de 20%. O IVA é adotado por 174 países e a média da alíquota deste tributo nos países que compões a OCDE é de 19%.

Os especialistas em tributação também criticaram muito as exceções que foram incorporadas ao texto da reforma tributária. “O atual sistema tem mais exceções do que regras. Não são as exceções que vão inviabilizar a reforma tributária. A gente tem que entender que a cesta básica, formada por bens de primeira necessidade, não pode ter uma tributação igual a dos supérfluos. Não se pode romper, de forma abrupta, o sistema de saúde, que tinha uma carga tributária muito menor antes da reforma”, comenta Alexandre. Na reforma, a cesta básica é isenta de tributos e o setor de serviços também terá um tratamento diferenciado.

O grande receio, segundo Alexandre, é que o Brasil vai ter a alíquota do IVA mais alta do mundo numa população que não tem educação fiscal. “Isso pode fortalecer a concorrência desleal, podendo levar alguns empreendimentos a concorrer com quem não paga imposto”, diz Alexandre, acrescentando que a “reforma é boa e tem mais pontos positivos do que negativos’.

Fernando Dueire - reforma tributária Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado
O senador Fernando Dueire (MDB-PE) diz que a bancada pernambucana do Senado fez o dever de casa. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

O lado político da reforma

Para o senador Fernando Dueire, “o texto aprovado não foi perfeito, mas precisamos considerar que o relator Eduardo Braga construiu a condição possível. Esteve aberto para ouvir governadores, prefeitos, setores econômicos e a sociedade civil organizada. Pernambuco conquistou a renovação dos benefícios para a indústria automotiva que prevê novos investimentos em torno de R$ 7 bilhões. Isso significa geração de renda, empregos e estímulo à uma virtuosa cadeia produtiva”. Ele destacou também a articulação da bancada pernambucana no Senado: “Associado a Teresa e a Humberto fizemos o nosso dever de casa”.

O senador Humberto Costa disse que “foi uma vitória para o Brasil e um passo fundamental para modernizar o nosso sistema tributário e dar mais transparência. O projeto permite zerar o imposto da cesta básica nacional e vai devolver parte do imposto pago pelos cidadãos, beneficiando acima de tudo os mais pobres. Além disso, asseguramos os benefícios fiscais para o polo automotivo, o que vai assegurar empregos e ampliar o projeto de desenvolvimento do nosso Estado. Ele também agradeceu o empenho do presidente Lula em incluir na reforma tributária os incentivos fiscais para as montadoras do Nordeste e Centro-Oeste até 2032.

Ao saber da aprovaçao da reforma tributária, a governadora Raquel Lyra (PSDB) disse que a reforma vai poder proporcionar redução das desigualdades regionais, podendo fortalecer a competitividade do Nordeste no País. “Estamos em um caminho importante que busca a simplificação tributária, um pleito que há décadas o Brasil sabe que precisa, mas não tinha sido feito. A reforma chega para garantir diminuição das desigualdades regionais e sociais, além de poder ser um agente de competitividade para Pernambuco e demais estados do Nordeste com os incentivos concedidos às indústrias automobilísticas para que elas possam continuar seu ciclo de investimento onde estão instaladas”. A chefe do Executivo esteve nesta quarta no Senado junto aos senadores pernambucanos Teresa Leitão, Humberto Costa e Fernando Dueire e realizou debates com parlamentares para defender a importância da aprovação da reforma. 

Na Câmara dos Deputados, os incentivos fiscais das montadoras do Nordeste foi retirado do texto por causa de um voto, o do deputado federal pernambucano, Fernando Monteiro. Mesmo aprovado pelo Senado em dois turnos, o texto vai voltar para a Câmara dos Deputados por causa das alterações feitas na Casa Alta. O Brasil discute a necessidade de uma reforma tributária há mais de 30 anos.

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