Eles já são campeões de queixas dos consumidores. E, sob constante alvo da criminalidade, chegam com ainda menos qualidade na ponta. Esse é o cenário de serviços essenciais como o fornecimento de água e energia elétrica em Pernambuco, que acumulam prejuízos milionários para remediar os efeitos de ações ilícitas que afetam a operação. No fim das contas, o custo acaba repassado à população e para a atividade econômica, que sofre com a falta de qualidade desses serviços ou paga mais por uma operação que compensa na tarifa os custos com a segurança e a reposição de equipamentos.
Nesta semana, a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), terceira no ranking do Procon-PE entre as dez empresas que mais são alvo de reclamações, divulgou um dado alarmante: o gasto de R$ 5 milhões, em 2023, só para repor fios, bombas e outras peças furtadas de unidades de abastecimento. Foram 82 ocorrências no ano passado, um crescimento de 15%. Os casos afetaram 60 unidades, a maioria no Sertão, e deixaram mais de um milhão de consumidores sem água.
Mesmo quando a Compesa não tem suas instalações invadidas por criminosos, o abastecimento de água também padece quando outro serviço – o fornecimento de energia elétrica – é afetado. Embora não revele números sobre quanto precisa investir para reverter os efeitos de ações criminosas, a Neoenergia – que liderou o topo de reclamações do Procon-PE em fevereiro – afirma que, em 2023, mais de 150 mil pessoas ficaram sem energia devido a furtos de cabos e materiais elétricos. Foram registrados 4,6 mil casos, que inviabilizaram 210 quilômetros de rede, além de 745 furtos de transformadores.
“A Compesa é vítima duas vezes, seja quando a Neonergia é furtada ou quando os sistemas de abastecimento são roubados. A companhia é atingida diretamente pelo furto de insumos e de água nas adutoras”, disse o presidente da Compesa, Alex Campos, em audiência pública sobre o tema, esta semana, na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). “A Compesa é a maior consumidora de energia do estado, e quando a Noeonergia é furtada, a Compesa e seus clientes são penalizados. Com uma paralisação por furto, pode levar dias até a completa normalização do abastecimento”, complementou o executivo.
Serviço de energia
O gerente de Relações Institucionais da Neoenergia em Pernambuco, Rafael Motta, foi taxativo: o consumidor paga de múltiplas formas pela reparação dos danos causados pela criminalidade às fornecedoras, seja na maior espera pelo restabelecimento da energia elétrica, que tem sido alvo de reclamações ainda mais constantes nos últimos meses, seja no nível macro da economia, que precisa compensar perdas que tornam o ambiente de negócios menos atrativo e eficiente.
“Quando alguém furta o material, deixa a rede numa condição exposta, com risco de acidentes para o transeunte e até mesmo para a pessoa que pratica o crime. As pessoas ficam sem energia por grandes períodos, afetando o desenvolvimento da economia de uma maneira geral, e o reinvestimento para consertar os danos é pago pelo pernambucano”, alertou.
Os danos à economia
Não faltam exemplos de como a falta de qualidade desses serviços vem afetando a rotina das pessoas e a atividade econômica. A própria Compesa, por exemplo, reconhece que levou mais de dois meses para restabelecer o rodízio normal de água em Vitória de Santo Antão, na Mata Sul pernambucana, depois que mais de um quilômetro de fios de cobre que operavam a ligação com a Adutora de Tapacurá foram furtados em janeiro. O material chegou a ser reposto, mas, após sofrer um segundo furto em fevereiro, precisou ser encomendado no Sul do país porque não havia insumos para pronta entrega em Pernambuco. Resultado: mais de 70% do abastecimento foi comprometido em uma região que é polo da indústria alimentícia.
Já a Neoenergia está na berlinda em casos recentes de prejuízos para a bacia leiteira e para a avicultura. Produtores rurais e donos de laticínios se queixam de constantes interrupções no fornecimento de energia na zona rural de municípios como Buíque, Pedra, Venturosa, Itaíba e Águas Belas, no Agreste de Pernambuco. As falhas vêm se agravando nos últimos meses e, nesta semana, segundo relatos, ocorreram em horários em que o leite estava estocado em refrigeradores, em que o beneficiamento de ovos estava ocorrendo e em que o abate de frangos estava em andamento em propriedades da região.
“Essas falhas frequentes vêm prejudicando as atividades produtivas e a vida das pessoas. Nesse caso que ocorreu esta semana na nossa região, o que se dizia era que a energia seria restabelecida em 48 horas. A demora no restabelecimento está sendo muito constante não só na zona rural, mas nas cidades”, relatou a deputada Débora Almeida (PSDB), que é ligada à Associação Avícola de Pernambuco (Avipe) e aprovou na Comissão de Desenvolvimento Econômico da Alepe a convocação da Neoenergia para que sejam repassadas mais explicações sobre providências para contornar o problema.
Consumidor paga a conta
As saídas apontadas pelos entes ligados ao tema passam por múltiplas frentes. O deputado Luciano Duque (Solidariedade), que convocou a audiência pública ocorrida nesta semana, defende a regulamentação da Lei nº 15.034/2013, que dispõe sobre o cadastro, a venda ou a troca de cabos de cobre, baterias e transformadores para reciclagem. Ele também propôs um novo projeto de lei aumentando o rigor das penalidades para ilícitos dessa natureza. “Vamos dialogar com o Governo do Estado e aprovar novas leis para combater com mais eficácia esse mercado ilegal, olhando a cadeia como um todo”, afirmou.
A falta de policiamento ostensivo, que pode prevenir as ações ou surpreender os criminosos ainda no ato, também é uma fragilidade, segundo representantes das atividades afetadas. Na zona rural, as longas distâncias e a pouca disponibilidade de policiais militares – em algumas regiões, há apenas uma dupla ou um trio para patrulhar mais de um município – encorajam os roubos e furtos de equipamentos das companhias até mais de uma vez em pouco tempo, como em Vitória de Santo Antão.
Algumas das estratégias adotadas pela Compesa são a contratação de segurança patrimonial, o aumento do efetivo de pessoal e o uso de videomonitoramento, medidas que, embora bem-vindas, encarecem o serviço e fazem a população pagar uma conta que é fruto da impossibilidade de o poder público entregar números melhores na segurança pública. “Esse é um debate muito oportuno para a população. Devemos somar esforços com a Assembleia Legislativa, com os órgãos reguladores, com a Secretaria de Defesa Social e com a polícia em busca de caminhos”, avaliou Alex Campos, da Compesa.
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