O secretário Wilson José de Paula é discreto e prefere trabalhar de forma silenciosa. E sem fazer alarde, vem promovendo uma série de ações para melhorar o ambiente de negócios e equilibrar o caixa do Estado. Seu grande desafio em 2023, à frente da Secretaria da Fazenda, foi ajustar as contas para que fechassem o ano no azul, como de fato conseguiu, apesar dos déficits financeiro e orçamentário de alguns bilhões de reais. Sob sua gestão, a Sefaz também promoveu uma série de ajustes sob o ponto de vista da arrecadação, o que ajudou a melhorar o caixa de muitas empresas.
Para 2024, ele quer ir além do equilíbrio nos balanços e planeja criar uma poupança para o Estado. Assim poderá superar a baixa capacidade de investimentos com recursos próprios. “Se analisarmos a séria histórica, as duas últimas décadas, vemos que não há cultura de poupança em Pernambuco”, disse.
Entre outras coisas, o secretário também anunciou para breve o lançamento de um novo portal, que será um mecanismo de estímulo à conformidade. Com esse instrumento, a Sefaz-PE vai dar uma nota pública aos contribuintes. Confira os detalhes nesta entrevista exclusiva ao Movimento Econômico:
Movimento Econômico: O ano de 2023 foi desafiador para a Secretaria da Fazenda. Havia débito financeiro e orçamentário, e o estado ainda perdeu o selo Capag B (Capacidade de Pagamento). Como foi esse primeiro ano?
Wilson José de Paula: A situação não era boa. Tínhamos um débito financeiro de R$ 1,3 bilhão e outro orçamentário de R$ 7 bilhões, sem lastro financeiro. Tivemos que fazer remanejamentos ao longo do ano e correr atrás do financeiro, que foi afetado, no Brasil como um todo, pelas Medias Complementares nº 192 e nº 194. Isso nos trouxe uma realidade nova, com redução drástica de impostos sobre atividades como comunicação e combustíveis. E o mais grave, o impacto se deu no meio do exercício de 2022, no meio de um orçamento em execução, com deterioração de R$ 1,7 bilhão.
E em 2023, veio o efeito concreto e perene. Porque foram operações que se deram para sempre. Não foi uma crise de momento. Era uma nova realidade e para mudar isso, trabalhamos a qualidade do gasto. Buscamos racionalizar, sem deixar que isso afetasse os serviços essenciais, como saúde, educação e segurança. Tivemos um corte, uma racionalização cirúrgica de R$ 500 milhões.
Além dos esforços de racionalização, tivemos o programa Dívida Zero, que foi fundamental para fechar o ano no azul. Em termos de resultado, foi o maior programa do Estado, com mais de R$ 1,1 bilhão entre parcelamento e pagamento da dívida. Alcançamos 129 mil contribuintes que tiveram sua situação regularizada.
ME: Qual era o grau de gravidade da situação? O que estava em risco?
WJP: Se não tivéssemos feito esse movimento, certamente não conseguiríamos pagar a folha deste mês de abril. Já vínhamos em situação deteriorada e a legislação que passaria a vigorar em janeiro de 2024, reduzia a alíquota do ICMS para 17%. Lembre-se que houve um reajuste de folha em julho de 2022, de 20%, o que representou R$ 3,2 bilhões adicionais. O ano de 2023 nasceu com esses bilhões a mais para pagar e 1% a menos no ICMS, o que é muito significativo. A Assembleia Legislativa (Alepe) teve um papel muito importante de compreender aquele momento.
ME: Quando o estado perdeu a Capag B, o senhor disse na ocasião que isso já era esperado. Quando soube que perderia e o que foi feito naquele momento?
WJP: Já sabíamos, em janeiro de 2023, que seríamos rebaixados na Capag. O desafio era realizar operações de crédito em prazo recorde, durante o tempo que Capag B perdurou. E conseguimos realizar operações que somaram R$ 3,4 bilhões de reais. A governadora Raquel Lyra foi protagonista nesse processo, atuando fortemente em Brasília. Por outro lado, fizemos um grande esforço no sentido da legislação e da receita. E isso se deu através da melhoria do ambiente de negócios.
ME: Como a Fazenda atuou para melhorar o ambiente de negócios, que aliás é uma das principais queixas do empresariado pernambucano?
WJP: Trabalhamos no sentido de corrigir a cobrança de impostos antecipada e de ICMS antecipado. Isso envolveu indústrias e alguns setores. São coisas que atrapalham o ambiente de negócio, que impactam no fluxo de caixa das empresas. E fizemos isso sem renúncia de receita e de forma lenta: na medida que o fluxo financeiro melhorava, íamos fazendo esse movimento.
ME: O que mudou exatamente?
WJP: Colocamos o vencimento do imposto na data correta. E o que é data correta para efeito de ICMS? É comprar, vender, apurar o imposto e ter prazo para pagar. Não dá, em alguns setores, para cobrar ICMS na sua integralidade ou num patamar superior antes mesmo de a mercadoria entrar no estoque.
Essa mudança começou com alguns setores, como indústrias e pequenos atacados. Nos próximos dias novos setores serão contemplados. Vamos acabar com 78% desse tipo de cobrança este ano. O restante em 2025. Nesses 78% alcançamos grande número de empresas. Os que ficaram nos 22% restantes são as grandes empresas que têm capacidade robusta e sabemos que terão imposto no mês.
Além disso, fomos à Assembleia Legislativa e aprovamos seis ou sete projetos de lei, envolvendo a revisão de penalidades, a revisão de parcelamento, a criação de programa de conformidade, que já iniciamos e devemos intensificar no próximo ano. E vamos lançar um novo portal, com olhar para a conformidade.
ME: De que forma o novo portal estimulará a conformidade?
WJP: Esse portal estreitará nossa relação com o contribuinte oferecendo a ele oportunidade de se regularizar. Queremos dizer ao contribuinte como o estamos vendo. Ele terá uma nota pública. Se ele é um contribuinte A no conceito da Fazenda, teremos uma lista de contrapartidas para ele, como a não cobrança de imposto antecipado ou um corredor verde para facilitar o trânsito das mercadorias.
ME: E se ele não for um contribuinte A?
WJP: Se não for A, ou ele sobe de patamar ou teremos que tomar medidas contra ele. E vamos ser transparentes. Porque um dos pontos fundamentais da conformidade é a transparência. O contribuinte precisa entender como nós o enxergamos. Com isso, queremos passar segurança jurídica.
Secretário: “A palavra é fluidez”
ME: Qual será o maior desafio em 2024?
WJP: Em 2024, a racionalização dos gastos permanece. Os recursos estão em caixa, os projetos de entregas já se iniciaram e fizemos o regramento da receita do estado, em função daquilo que o estado teve no passado, que foi a operação da alíquota modal do ICMS. Esse realinhamento, com redução do IPVA, cria um ambiente novo. Esse ano começa otimista porque o orçamento é nosso. No primeiro ano de governo, executamos o orçamento do governo anterior. O nosso orçamento é técnico e está 100% com lastro financeiro, e não teremos surpresas. É óbvio que podem haver contratempos, como intercorrências climáticas, por exemplo, mas 2024 será um ano de entrega. A palavra de ordem é fluidez. E o grande desafio será mesmo fazer poupança.
ME: Por que a poupança é o maior desafio?
WJP: Porque se analisarmos a séria histórica, nas duas últimas décadas, vemos que não há cultura de poupança em Pernambuco. Os investimentos decorreram de operações de crédito. Temos capacidade baixa de investir com recursos próprios. Vou te dar um exemplo da importância da poupança: no ano passado, nos foi pedido para antecipar a folha em 2 dias, em dezembro. E não conseguimos, porque dependemos de um pagamento que cai no dia 27. Eram apenas dois dias e não conseguimos por falta de reservas.
ME: Diante de tantas demandas que o estado recebe, esse tema pode ser sensível a alguns interlocutores. Ou não?
WJP: Quando falei sobre poupança na Alepe, um deputado me questionou dizendo que o estado não é uma instituição financeira para ficar guardando dinheiro. Isso é óbvio. Mas quando falo de poupar, falo da capacidade de fazer investimentos com recursos próprios, de enfrentar situações adversas com mais folga. A Paraíba tem um ótimo índice de poupança. O Espírito Santo também. Mas conquistaram isso ao longo do tempo. Paulo Hartung (ex-governador do estado capixaba) começou isso lá atrás e hoje o Espírito Santo chega a ser referência fiscal no Brasil. Temos que ir com calma, não é todo dia que teremos recursos. Mas vamos avançar observando as oportunidades. Sou econômico. Tenho uma fama danada (risos).
ME: Como o estado vem se preparando para o fim da guerra fiscal? Os desafios são enormes. A questão da infraestrutura é um dos pontos fundamentais para atrair investidores e nossas estradas estão entre as piores do país…
WJP: Já percebemos empresas buscando localização sem guerra fiscal. Eles começam a olhar para uma boa posição geográfica, para a infraestrutura. Já há esse movimento. E a localização geográfica de Pernambuco é excelente. Veja, no aspecto da infraestrutura, por exemplo, a poupança também é importante. Não podemos ficar refém do FNDR (Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional – que terá a função de mitigar as desigualdades regionais e sociais, mediante repasses da União para a realização de estudos, projetos e obras de infraestrutura).
O FNDR tem valor significativo, aproximadamente quase R$ 5 bilhões para Pernambuco, mas um volume inferior ao que temos de previsão de renúncia em termos de guerra fiscal, que é algo da ordem de R$ 6,5 bilhões.
No Conselho de Secretários da Fazenda, discutimos a dificuldade de mensurar o IBS, um ponto obscuro para muitos estados. Temos na Fazenda um grupo que não pensa só no fim da guerra fiscal, mas na reforma tributária como um todo. Muita gente ainda não percebeu o tamanho da mudança que virá com a reforma em 2033.
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