Em 9 anos, montadora promove revolução do emprego qualificado

Na 5ª reportagem da série sobre o aniversário da Stellantis Goiana, confira o impacto da chegada da montadora, desde a geração de emprego até o aumento da produtividade na indústria pernambucana
Fabiana Maria da Silva, funcionária da fábrica Yazaki, de Bonito (PE)
Fabiana Maria da Silva, líder de produção na fábrica da Yazaki, decidiu voltar a estudar depois do atual emprego e e está fazendo um curso superior em Gestão de Liderança. Foto: Yazaki/Divulgação

Uma das maiores mudanças provocadas pela Stellantis Goiana envolveu quase 15 mil pessoas,  incluindo muita gente que vivia da cultura de subsistência ou da lavoura da cana-de-açúcar e passou a trabalhar no chão da fábrica da Jeep ou de algum dos seus 38 “sistemistas” espalhadas por Pernambuco. É o caso da atual líder de produção na fábrica da Yazaki, Fabiana Maria da Silva, que saiu da “roça” depois de ser contratada por uma indústria de origem japonesa, a Yazaki que se instalou em Bonito, no Agreste pernambucano, numa cidade que fica a 220 Km de Goiana. 

Inaugurada em outubro de 2021, a Yazaki produz chicotes elétricos para a Stellantis Goiana, que fabrica os veículos da linha da Jeep. “Pra quem veio da roça, as conquistas que tenho hoje parecem coisa do outro mundo”, resume Fabiana, que morou quase a vida inteira num distrito rural (do município) chamado Alto Bonito. 

- Publicidade -

Antes de ser contratada pela Yazaki, Fabiana trabalhava numa casa de família na cidade de Caruaru, que fica a 55 quilômetros de Bonito, caso o percurso seja feito por estradas. “Eram 50 minutos a uma hora de ônibus pra ir. E o mesmo tempo pra voltar”, lembra Fabiana, que foi contratada, quando o atual terreno onde está a fábrica era “mato”.

Depois da contratação, ela viajou à cidade de Pedro Leopoldo, no interior de Minas Gerais, para visitar uma fábrica da Yazaki no município de Matozinho. “Não conhecia chicote de carro. Foi um mundo novo. Comecei como operadora e depois apareceram outras oportunidades”, comenta. 

Da informalidade para a carteira assinada

Entre as mudanças da sua atual rotina, Fabiana diz que a primeira é não ter que se “deslocar” todo dia. “Minha maior conquista foi conseguir comprar a casa própria. Também tenho um plano de saúde da Unimed. Antes, nada disso passava pela minha cabeça”, conta. Ela também saiu da informalidade, porque o atual emprego é de carteira assinada.

- Publicidade -

“A minha alimentação também se destaca na nova rotina. Quando a gente chega pra trabalhar, tem um café da manhã com comida regional acompanhado de uma proteína. No almoço, tem duas opções de carne, salada, comida de regime e uma terceira opção feita pelo chefe do refeitório”, conta.

Aos 40 anos, Fabiana decidiu voltar a estudar depois do atual emprego e está fazendo um curso superior em Gestão de Liderança para se “especializar” nesta área. “No ambiente em que estou, senti uma necessidade de melhorar, de me desenvolver”, resume. 

Ela diz que a chegada da fábrica “mudou o pensamento” de muita gente na cidade de Bonito, que tem uma população de 37,4 mil pessoas, segundo o Censo do IBGE de 2022. “Vejo a diferença na minha comunidade. Muita gente jovem se interessou para voltar a estudar e conseguir um emprego”, diz. 

A fábrica da Yazaki começou a ser construída em 2020 e foi inaugurada em outubro de 2021. “Uma fábrica pode transformar a sociedade não apenas pela mão de obra, mas pelo impacto na sociedade como um todo”, diz o gerente de operações da Yazaki em Bonito, Cleber Soares. 

Gerente de operações da Yazaki em Bonito, Cleber Soares
Gerente de operações da Yazaki em Bonito, Cleber Soares, destaca que a empresa que produz chicotes elétricos para a montadora escolheu Bonito depois de analisar mais de 300 itens que são importantes para a empresa. Foto: Yazaki/Divulgação

A unidade de Bonito emprega 1,2 mil pessoas. “Aos poucos, fomos colocando pernambucanos e bonitenses dentro da fábrica. Hoje, 95% dos trabalhadores vem da região”, conta Cleber. E acrescenta: “trabalhamos muito o desenvolvimento das pessoas. A oportunidade de trabalho fez muitas pessoas voltarem a estudar. E o estudo aumenta as entregas qualitativas”, comenta Cleber.

Antes de decidir se instalar na cidade, a Yazaki avaliou mais de 300 itens com relação ao município, como saúde, educação. Bonito também tem um núcleo de imigrantes japoneses. A companhia está presente em mais de 45 países e emprega diretamente mais de 250 mil pessoas. 

“Existe um Bonito antes e outro depois da implantação da Yazaki. Aumentou a geração de renda e a cidade teve que acompanhar. Abriram padarias, supermercados, lojas de peças, entre outros estabelecimentos. Os comerciantes dizem que aumentou a venda de carne, frango, leite entre outros”, conta o prefeito de Bonito, Gustavo Adolfo (PSB). 

Goiana, Pernambuco
Antes da implantação da montadora, em 2010, Goiana era a 13ª economia entre os municípios pernambucanos. Passou a ser a quarta desde 2019. Foto: Reprodução

Impacto da implantação da montadora em Goiana

Até março de 2024, o parque pernambucano da Stellantis tinha recebido investimentos de R$ 18,5 bilhões. Na semana passada, foi anunciado um investimento novo de R$ 13 bilhões que vai ocorrer na montadora até 2030. Antes da implantação da empresa, em 2010, Goiana era a 13ª economia entre os municípios pernambucanos. Passou a ser a quarta em 2019, posição que manteve em 2022. “A implantação da fábrica impactou a região como um todo e o Estado”, diz o sócio diretor da consultoria Ceplan, o economista Jorge Jatobá. 

Um dos principais impactos foi a geração do emprego qualificado. Foram cerca de 14,7 mil empregos diretos no complexo e cerca de 60 mil em toda a cadeia produtiva. A indústria automotiva é uma grande compradora de peças, componentes e serviços, porque a fabricação de um veículo demanda muitos deles. “Cerca de 60% dos fornecedores da planta pernambucana da Stellantis são nacionais, sendo que 27% estão em Pernambuco e 33% em outras unidades da federação”, diz Jatobá. 

Dos 38 sistemistas, 18 se instalaram no polo de Goiana. “Cerca de 42% do emprego formal gerado pela Stellantis ficou em Goiana. O supply park (parque de fornecedores) da empresa gera emprego em vários municípios de Pernambuco e fora também. As peças e componentes a serem usados pela montadora precisam de outros insumos. Há um encadeamento do emprego na indústria, um efeito pra trás na cadeia industrial, impactando a região como um todo”, resume Jatobá.

O emprego na indústria é importante porque é qualificado e, geralmente, paga mais do que os demais setores. A Stellantis investiu mais de R$ 4 milhões em capacitação, residência tecnológica, extensão, entre outras iniciativas para deixar mais qualificado os seus funcionários, segundo Jorge Jatobá.

Arrecadação maior de tributos com a montadora

Mais renda das pessoas e investimentos se refletiram em outra mudança. Em Pernambuco, a arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com origem no setor automotivo cresceu 23% ao ano entre 2015 e 2022, saindo de 0,8% do total (em 2015) para 4% em 2022, segundo Jatobá.

Uma parte do ICMS é distribuída, proporcionalmente, com os municípios. “A arrecadação do município aumentou e isso trouxe impacto na administração publica. A prefeitura contratou mais gente, ocorreram obras nas áreas de saúde e educação que resultaram numa melhoria dos serviços”, conta o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Goiana, Luciano Ferreira.

Ele estima que houve um aumento de vendas da ordem de 50% no comércio da cidade antes e depois da fábrica da Stellantis. “Antes, a cidade dependia da fábrica de cimento da Nassau e da Usina Maravilhas, que sustentavam o comércio local. Ambas fecharam”, lembra Luciano, acrescentando que o comércio da cidade cresceu muito.

“Goiana hoje tem cinco hotéis de porte razoável. Antes da montadora, só tinha pousada. Aumentou a quantidade de lojas, restaurantes. Hoje, cerca de 5 mil pessoas passam pelo comércio da cidade diariamente”, afirma Luciano. Para ele, a parte ruim deste impacto foi o aumento do preço dos aluguéis na cidade.

Segundo Luciano, o aquecimento da economia local também fez uma parte da mão de obra do comércio de Goiana começar a vir de cidades próximas, como Condado, Aliança, – ambas em Pernambuco – e Caaporã, na Paraíba, porque a cidade não tem mais pessoas qualificadas disponíveis.

Stellantis - Fábrica de Goiana - carros híbridos. Foto: Divulgação/Stellantis
A fábrica da Stellantis de Goiana (PE) é intensiva no uso de tecnologia. Foto: Divulgação/Stellantis

Impacto da montadora na indústria pernambucana

Como já foi citado acima, a fábrica da Stellantis Goiana trouxe vários impactos à economia pernambucana. “Um deles foi agregar valor à indústria pernambucana. A Jeep é intensiva no uso de tecnologia. A indústria pernambucana mudou completamente. Isso não ocorreu só por causa da Stellantis, teve a participação de outros players, mas a Stellantis foi determinante”, resume o economista Jorge Jatobá.

Ele estava se referindo ao fato de que, nos últimos 15 anos, “houve um processo de reindustrialização em Pernambuco, num caminho contrário ao que fez o Brasil”. Isso ocorreu por causa dos empreendimentos que se instalaram no Porto de Suape – incluindo a Refinaria Abreu e Lima (Rnest) e então petroquímica Suape – e alguns que foram para o interior, como a fábrica da Stellantis.

E a consequência, de acordo com Jatobá, foi o aumento do Valor da Produção Industrial (VPI) que saiu 25% do PIB pernambucano em 2013 para 35% em 2019. “Também aumentou a produtividade na indústria pernambucana”, explica o economista, acrescentando que isso também é uma consequência do uso da tecnologia.

“A produtividade da Stellantis Goiana no início de 2021 era o dobro da indústria automotiva brasileira. A Stellantis é uma empresa mais moderna, traz para a indústria processos inovadores, que são importantes”, argumenta Jatobá. Isso fez o Estado passar a exportar um produto de alto valor agregado: veículos. Foram mais de 250 mil enviados ao exterior.

Em Recife, mais precisamente no Porto Digital, a empresa instalou o Software Center, que se tornou referência na produção e exportação de software automotivo, usados em várias das 14 marcas que pertencem à empresa, inclusive em modelos de veículos fabricados em outros países.

Antes de chegar ao veículo 100% elétrico, a Stellantis vai lançar o híbrido – que vai ser mais eletrificado e usar um combustível muito ligado à história do País e de Pernambuco: o etanol. “A Stellantis olha com prioridade para o potencial do Brasil, como as energias limpas e verdes, como é o caso do etanol, desenvolvendo pesquisa e ciência neste sentido”, diz o presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar-PE), Renato Cunha.

E o futuro ? A sinergia entre a Moura – que faz baterias automotiva -, a implantação da montadora chinesa BYD na Bahia e a Stellantis é um fator a ser ressaltado, segundo Jatobá. “Eles podem fazer do Nordeste um embrião de uma nova indústria brasileira automotiva moderna, competitiva, de carros elétricos”, conclui o economista.

Leia também

Stellantis chega ao 9º aniversário sob expectativa para o 1º híbrido

- Publicidade -
- Publicidade -

Mais Notícias

- Publicidade -