
A região produtora do Vale do São Francisco, no Sertão nordestino, conquistou a Indicação Geográfica de Vinhos Tropicais. Inédita em todo mundo, esta certificação é fruto de um esforço de 20 anos e contempla os vinhos finos produzidos na localidade por sete vinícolas. A demora nessa conquista deve-se exatamente ao ineditismo de se produzir vinhos finos em zonas tropicais secas.
A indicação, obtida no último dia 1º de novembro, foi concedida pelo Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI). Ela se baseia em requisitos equivalentes aos da União Europeia e resulta da demanda feita pelo Instituto do Vinho do Vale do São Francisco (Vinhovasf).
Desbravando
O processo começou em 2002, quando o presidente da associação de produtores de vinhos da região, a Vinhovasf, José Gualberto de Almeida, foi ao Rio Grande do Sul para o lançamento da primeira indicação geográfica do Brasil, a do Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha. Naquela época, a sua vinícola, a Botticelli, já produzia uvas e vinhos em Petrolina há 17 anos. “Na ocasião, percebi que o Vale tinha características tais que sem dúvida poderiam lhe dar o reconhecimento de uma região geográfica”, recorda o pioneiro produtor de vinhos do Vale.
Daí em diante, iniciou-se um processo que uniu a Embrapa Semiárido, com sede em Petrolina (PE), e a Embrapa Uva e Vinho, com sede no Rio Grande do Sul. “A dificuldade era que o universo vinícola na região ainda era pequeno, pouco expressivo”, recorda Gualberto. Mas tinha outro problema maior: superar o conceito global de que o vinho fino se produz em regiões temperadas e não nas tropicais secas, como no Nordeste.

Durante os anos seguintes, houve grande esforço para mobilizar a comunidade científica nacional e internacional para que o projeto tivesse aderência. Em 2003 foi criado o Instituto do Vinho do Vale do São Francisco. Foi quando as pesquisas se iniciaram e se conseguiu mobilizar mais fortemente os pesquisadores de várias partes do mundo.
O grande salto foi dado com a chegada ao Vale de um enólogo enviado pela Embrapa Uva e Vinho: Giuliano Elias Pereira. “Ele envolveu a Universidade de Caxias do Sul, a Universidade Federal Rural de Pernambuco e foi agregando mais pesquisadores”, recorda Gualberto. Ao final, cerca de 40 profissionais atuaram juntos para entender o funcionamento da vitivinicultura na região tropical e aprimorar a produção e qualidade dos vinhos.
Salto de qualidade
Com o selo, os produtos do Vale tendem a dar um saldo na valorização de seus produtos, atingindo novos mercados. “O consumidor terá garantia de que está consumindo um produto realmente diferente, bom e adequado. E isso gera compromissos de nossos produtores com o cumprimento de normas e regras para lançar no mercado produtos que tenham as características conferidas à região”.
Gualberto diz que o acompanhamento será rigoroso e será feito pelo Instituto do Vinho. “O fato de se ter uma Indicação Geográfica não implica que todo vinho produzido no Vale receberá o selo. Os vinhos precisam ser aprovados sob vários critérios”, sustenta o empresário.
Denominação de Origem
Agora mais estudos devem ser feitos para se chegar à Denominação de Origem, que confere qualidades, características que só os vinhos da localidade possuem. O Vale dos Vinhedos levou 15 anos para conseguir dar esse segundo passo. “Acho que conseguimos em menos tempo”, analisa o produtor pernambucano.
“Temos muito a consolidar, como consolidamos a produção de uvas finas É uma região que tem muito a dar. Mas é desconhecida, faltam pesquisas para entendê-la melhor. Não só acadêmicas, mas para setor produtivo. O risco é alto, porque a região não é conhecida. Não há lugar igual no mundo que possamos copiar”, analisa.
O empresário entende que o poder público precisa estar presente no suporte às pesquisas. “Estamos no Semiárido e dependemos de irrigação, que é um processo caro, exige recursos de longo prazo. O setor privado ainda é pequeno, a capacidade de investimentos é limitada”.
História
O Polo Vitivinícola do Vale do São Francisco remonta à década de 1970. Com 3.100 horas de sol ao ano e graças à irrigação, é a única região no mundo a produzir três colheitas por ano e a elaborar vinhos de janeiro a dezembro. Dali saem vinhos jovens, leves, frutados e aromáticos. Mas também são produzidos vinhos de guarda e mesmo vinhos nobres, com colheitas de uvas em períodos específicos do ano.

A vinícolas Adega Bianchetti Tedesco (Bianchetti), Vinum Sancti Benedictus (VSB), Terranova (Miolo), Terroir do São Francisco (Garziera), Vinícola do Vale do São Francisco (Botticelli), Mandacarú (Cereus jamacaru), e as vitivinícolas Quintas de São Braz (São Braz) e Santa Maria/Global Wines (Rio Sol), todas na região do Vale do São Francisco lançam no mercado anualmente cinco milhões de litros de vinhos finos. Muitos são exportados e obtiveram premiações em concursos nacionais e internacionais, a exemplo da Grande Prova Vinhos do Brasil e do Concurso Mundial de Bruxelas.
O carro-chefe da produção são os espumantes, com aproximadamente três milhões de litros por ano, seguidos dos vinhos tranquilos, com produção de cerca dois milhões de litros anuais.

Vinte e três variedades são cultivadas na área geográfica delimitada. Confira:
Brancas: Arinto, Chardonnay, Chenin Blanc, Fernão Pires, Moscato Canelli, Moscato Itália, Sauvignon Blanc, Verdejo e Viognier.
Tintas: Alicante Bouschet, Aragonês, Barbera, Cabernet Sauvignon, Egiodola, Grenache, Malbec, Merlot, Petit Verdot, Ruby Cabernet, Syrah, Tannat, Tempranillo e Touriga Nacional.
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