Com retorno econômico, creches são a bola da vez para o poder público

Ceará e Pernambuco anunciaram, nas últimas semanas, mais de R$ 730 milhões na abertura de vagas em creches
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Segundo o Ipea, cada real investido em educação se reverte em R$ 1,85 no PIB. Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil

Após colher frutos de mais de uma década de investimentos nos ensinos fundamental e médio, estados nordestinos apostam agora na etapa inicial dessa cadeia: a educação infantil. E as creches são a bola da vez. Nas últimas semanas, Ceará e Pernambuco anunciaram aportes superiores a R$ 730 milhões. E não à toa: além do impacto em indicadores educacionais, investir em educação é bom para a economia. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cada R$ 1 destinado à educação pública se reverte em R$ 1,85 no Produto Interno Bruto (PIB). O desafio, avalia o setor, é garantir a qualidade do gasto.

Os recursos anunciados para o Ceará, por exemplo, serão federais e, se concretizados, devem dar uma guinada na oferta de espaços para crianças com até cinco anos. Por meio do novo PAC Seleções, R$ 450 milhões serão empregados na implantação de 78 creches e na aquisição de 113 ônibus escolares para os municípios.

Outros R$ 150 milhões, que serão aplicados na implantação de 55 escolas em tempo integral, vão contemplar as etapas da educação básica em que o Ceará já é forte. Os alunos do 6º ao 9º ano obtiveram a maior nota do país no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2021, o mais recente. Nos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano), o estado apareceu em 2º lugar, e no ensino médio, em 3º.

“Serão mais de 170 mil jovens estudando em escolas em tempo integral, e nossa meta é chegar a 100% de escolas em tempo integral. Nós vamos cada vez mais colher os frutos dessa política educacional”, afirmou o governador Elmano de Freitas (PT), em março, quando os aportes foram anunciados pelo Governo Federal. “Teremos a oportunidade de ampliar as vagas de creches nos municípios, o que também é importante para o estado”, completou o ministro da Educação, Camilo Santana (PT).

Camilo Santana
Para Camilo Santana, ministro da Educação, apoiar construção de creches faz a diferença na dinâmica dos estados. Foto: Luis Fortes/MEC

Construir creche virou ativo eleitoral em Pernambuco

Em Pernambuco, creche também virou ativo eleitoral. Quando era prefeita de Caruaru, município do Agreste, a atual governadora do estado, Raquel Lyra (PSDB), foi apelidada de “Racreche”, de forma pejorativa, pelas ações voltadas a essa área. A gestora reverteu a alcunha em algo positivo e apresentou essa como uma de suas principais bandeiras na campanha eleitoral de 2022.

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Nesta semana, a gestora anunciou a abertura de uma licitação para implantar creches no âmbito do programa estadual Juntos pela Educação, totalizando R$ 282 milhões em investimentos. Na primeira fase, serão contratados os projetos básico e executivo e as obras de construção de 51 Centros de Educação Infantil (CEIs) em 42 municípios pernambucanos.

“Estamos garantindo às crianças do nosso estado o direito de aprender desde cedo em uma escola de altíssima qualidade, onde terá alimentação saudável e estímulo através de um projeto pedagógico que está sendo desenvolvido pelo nosso time. Além disso, às mães de Pernambuco, a quem temos uma dedicação integral no nosso governo, damos o direito de poder buscar uma renda extra”, afirmou a governadora, durante cerimônia no Palácio do Campo das Princesas, sede do Governo de Pernambuco.

Ideia é integrar ações na educação e programas que giram a economia

Confirmando a interface econômica das ações na área da educação, interlocutores do Governo de Pernambuco afirmam que a ideia é que a construção de creches tenha efeitos de forma integrada ao Mães de Pernambuco, programa de transferência de renda lançado em março e voltado a mulheres com filhos de até seis anos que estejam em situação de vulnerabilidade social. Os pagamentos de R$ 300 mensais tiveram início na última segunda-feira (13), beneficiando pouco mais de 70 mil pessoas.

A meta é atingir 100 mil mães, o que viabilizará a injeção anual de R$ 360 milhões na economia. Esse é um recurso que chegará às mãos de um público majoritariamente composto por mulheres que são chefes de família e que, se não tiverem um espaço adequado para deixar seus filhos, acabam inviabilizadas no mercado de trabalho. De acordo com o Governo de Pernambuco, cerca de 62 mil mulheres que estão nas projeções de beneficiárias desse programa socioassistencial são mães solo.

Na década passada, o estado chegou a aparecer em primeiro lugar no Ideb por conta dos investimentos no ensino médio, mantendo-se entre os três melhores nos levantamentos seguintes. Contudo, a atual gestão adotou como discurso a defesa de que é preciso fazer mais para que esses avanços também ocorram na educação infantil e no ensino fundamental. Por isso, além de contratar a construção das creches, o estado pretende custear o primeiro ano de funcionamento desses equipamentos, dando fôlego às prefeituras.

“Nosso compromisso, até o fim do ano, é oferecer 60 mil vagas para as nossas crianças. Esse é um momento histórico na educação de Pernambuco”, enfatizou a secretária estadual de Educação e Esportes, Ivaneide Dantas.

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Pernambuco, que se destaca por resultados no ensino médio, quer dar guinada no ensino infantil. Foto: Hélia Scheppa/PCR

Recife dobrou número de vagas criadas em 40 anos

No início de maio, o ministro Camilo Santana esteve em Pernambuco, e anúncios sobre creches também não faltaram na agenda. O auxiliar do presidente Lula (PT) prestigiou um ato em que a Prefeitura do Recife anunciou ter superado a meta de dobrar o número de vagas nesses equipamentos, saindo de 6.439, em 2021, para mais de 14 mil. Segundo a gestão do prefeito da capital, João Campos (PSB), em quatro anos foram criadas mais vagas de creche do que o que foi feito de 1981 a 2020.

“Construir uma rede de educação integral não inclui apenas a educação formal, mas também cuidados essenciais, garantindo o bem-estar e o desenvolvimento saudável das crianças. Para chegar a esse resultado, tivemos cerca de 200 obras ocorrendo de forma simultânea na Secretaria de Educação e mais que quadruplicamos a equipe de engenharia para rodar tanta obra na pasta”, afirmou o prefeito, citando o programa Infância na Creche, que já acumulou investimentos de R$ 150 milhões.

Na ocasião, Camilo Santana mencionou a importância desses equipamentos para a autonomia econômica das mães das crianças beneficiadas. “Pernambuco foi o estado mais contemplado com obras da educação básica, com 140 obras e 95 creches para os municípios pernambucanos. O Recife ultrapassa a meta do Plano Nacional de Educação (PNE), que previa que 50% das crianças de 0 a 3 anos estivessem em creche. É importante destacar que, aqui no Recife, a creche é em tempo integral e isso é muito importante para as mães, que saem para trabalhar e deixam as crianças seguras, cuidadas e acolhidas”, disse.

PAC terá R$ 4,1 bi para construir mais de mil creches

No âmbito federal, os investimentos em creches vão somar R$ 4,1 bilhões, conforme anúncios feitos em março pelo presidente Lula. Serão construídas 1.178 creches e escolas de educação infantil pelo país, via PAC Seleções. A iniciativa é um desmembramento do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) destinado a projetos prioritários de estados e municípios, diferentemente da versão clássica do programa, centrada na retomada de obras paralisadas em todo o país. Segundo o Governo Federal, as novas unidades educacionais atenderão 110,7 mil crianças com até cinco anos de idade.

O PNE estabelece que a oferta de educação infantil em creches deve ser ampliada para atender, no mínimo, 50% das crianças com até três anos. Contudo, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua divulgados no ano passado indicam que essa cobertura atinge apenas 38,3% do público-alvo. De acordo com o Ministério da Educação, os aportes anunciados recentemente para o setor darão condições de o Brasil cumprir essa meta.

População
Investimento em creches tem como efeito de curto prazo a facilitação do ingresso de mulheres no mercado de trabalho. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Para seguir trilha de potências, Brasil precisa gastar com qualidade

Quem estuda os impactos dos aportes em educação se diz otimista com essa guinada de olhares em direção à etapa mais básica do ensino e, sobretudo, com o amadurecimento da percepção de que investir nesse setor tem reflexos nas finanças públicas e no bolso das famílias. O analista de cenários econômicos Tiago Monteiro lembra que as grandes potências mundiais têm em comum os vultosos investimentos em educação. No Brasil, o entrave nem é o volume de recursos, já que há a obrigação constitucional de estados e municípios empregarem ao menos 25% de suas receitas nessa área. O problema é a qualidade do gasto.

“O Brasil gasta com educação no nível de um país de primeiro mundo, mas esse gasto não é bem canalizado e nem sempre tem sido de qualidade. Hoje, temos uma média entre R$ 1,60 e R$ 1,80 de impacto no PIB a cada real investido em educação. Mas se essa quantidade de investimentos fosse acompanhada de qualidade, poderíamos chegar a R$ 1,90, quase dobrando o retorno do que se investe. Essa guinada para investir no ensino infantil é salutar, mas precisamos analisar a questão não apenas pelo volume investido, mas se isso está resultando em uma educação condizente com o que é empregado”, alerta.

Por outro lado, conforme o especialista, um efeito de curto prazo resultante dos investimentos nas creches é a possibilidade imediata de inserção das mães das crianças atendidas no mercado de trabalho, o que ajuda a movimentar a economia, areja o orçamento familiar e é um retorno social importante para as demandas da população em situação de pobreza e extrema pobreza.

“É um investimento que dá um retorno de curto prazo para as mães e de médio e longo prazo na trajetória educacional da criança, que estará desde cedo no ambiente escolar. E se a gente conseguir, além de fazer volume, entregar qualidade dentro da creche, nosso país tem um potencial muito grande a partir dos investimentos em educação”, complementa.

Leia também: Infraestrutura e educação passarão a ser atrativos na decisão de investimentos

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