ENTREVISTA: “Suape ganharia muita força se incorporasse o Porto do Recife à sua gestão”

Roberto Gusmão deixa o cargo nos próximos dias e nesta entrevista envia alguns recados à futura governadora de Pernambuco.
Roberto Gusmão
O presidente do Porto de Suape, Roberto Gusmão/Foto: divulgação

Às vésperas de completar 44 anos, no próximo dia 7 de novembro, o Complexo Industrial e Portuário de Suape pode se considerar autônomo. Não só porque efetivamente recuperou a autonomia de sua gestão, há menos de um mês, mas porque já não depende tanto da influência política de governos para atrair os grandes investimentos e se expandir. Suape tem tudo para ser o agregador regional. “E ganharia muita força se incorporasse o Porto do Recife à sua gestão”, reflete Roberto Gusmão, presidente do complexo. No próximo dia 5, ele deixa o cargo para reassumir seus negócios. Antes, porém, deu esta entrevista ao Movimento Econômico, trazendo uma reflexão inovadora sobre os benefícios da integração dos atracadouros de Suape e Recife.  

Contexto

Importante contextualizar: Suape passou a ser visto pelo mercado como oportunidade de negócio e vive um ciclo virtuoso – quanto mais investimentos recebe, mais investimentos atrai. Durante o governo Eduardo Campos, quando o PT esteve à frente do Governo Federal, projetos de grande porte foram viabilizados graças à intervenção federal. A Refinaria Abreu e Lima e o Estaleiro Atlântico Sul, com investimentos e encomendas bilionárias da Petrobras, são exemplos disso. 

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Mas, nos últimos anos, mesmo com a gestão estadual em oposição à federal, os grandes investimentos continuaram chegando ao complexo portuário e já somam R$ 37 bilhões em projetos em execução. Neste pacote estão a planta de R$ 22,5 bilhões de hidrogênio verde da Qair Brasil; a indústria de R$ 1 bilhão da Blau Farmacêutica; o novo terminal de tancagem de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) da Nacional Gás com a Liquigás e Copagaz, orçado R$ 1,2 bilhão; o novo terminal de Contêiner da APM Terminal (Grupo Maersk), de R$ 2,6 bilhões, o terminal de Regaseificação da Shell e OnCorp de R$ 2 bilhões, entre outros (conferir tabela abaixo). Juntos, os investimentos devem gerar quase 22 mil empregos.

Porto de Suape
Porto de Suape/Foto: Divulgação

No entanto, é a chegada do ramal ferroviário – um investimento agregado ao Terminal de Granéis Sólidos Minerais no Porto de Suape (TGSMS) a ser operado pela Planalto Piauí, do grupo Bemisa Brasil Operação Mineral S.A. – que permitirá a Suape dar um salto logístico. 

“Essa é a obra mais importante que está vindo para Suape, mais importante que a Refinaria, porque coloca Suape em outro patamar”, diz Roberto Gusmão. Nesta entrevista ele ressalta os pontos com os quais a governadora eleita de Pernambuco , Raquel Lyra, precisa se comprometer para que Suape possa explorar todo seu potencial. Confira:

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Movimento Econômico Nos últimos anos, Suape conquistou uma posição importante no setor logístico nacional e internacional. E os investimentos têm fluído para o complexo portuário, atraídos pelas oportunidades que estão disponíveis ali. Que pontos merecem mais atenção da governadora eleita Raquel Lyra para que esse movimento de expansão continue crescente? 

Roberto Gusmão – Suape é um complexo industrial com forte vantagem competitiva. Tem um porto estabelecido, com capacidade de concentração de cargas, conta com 224 indústrias e tem a possibilidade de ter um complemento de sua operação com o Porto de Recife. 

Neste sentido, caberia ao terminal portuário da capital atender a toda Zona Norte do estado, onde estão as cervejarias, que importam malte e cevada e não precisam de navios com grande profundidade. Da mesma forma, a barrilha, subproduto do vidro, que também entra pelo Recife e terá sua importação ampliada para atender a ampliação da fábrica de vidro Vivix. O Porto do Recife pode funcionar como concentrador de carga, complementando a operação de Suape.

Mas, para isso, o Porto do Recife necessita ser gerido por Suape, para gerar economia de escala. Ele tem que ser um complemento de Suape, com a mesma gestão, para racionalização de custos. E se nós conseguirmos fazer o Arco Metropolitano se interligar com Suape, então o complexo portuário estará maduro o suficiente para ser forte em cabotagem e atender a outros estados do Nordeste.

ME – Como classifica Suape frente a outros portos do Nordeste?

RG –Temos que deixar as comparações de lado. Não cabe ser melhor que os portos de Pecém (CE) e Salvador (BA). Entendo que os portos do Nordeste devem se completar um ou outro, porque eles são de usos diferentes. Itaqui (MA) tem condição de ser o grande exportador de grãos. E já faz isso. Há 10 anos não tinha movimentação de grãos e este ano já está movimentando 18 milhões de toneladas.

Pecém é um complexo para exportação de produtos. Diferente de Suape, que é concentrador e distribuidor de carga. Já a Bahia tem 5 portos que não atendem à sua produção de minérios, do agronegócio, de frutas, porque eles não se ligam por ferrovia. A Bahia só tem a FIOL (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), que está em construção e terá 1,2 mil km, conectando Ilhéus a Barreiras, mas isso fica longe demais de Salvador.

Esses portos precisam de integração por malha ferroviária. Todos os portos do Nordeste precisam estar conectados. Quando isso acontecer, a logística regional dará um salto e esses portos vão crescer muito, cada um com sua vocação.

ME- Por isso a ferrovia da Bemisa é tão importante…

RG – A Bemisa é o maior projeto de Suape, maior até que a refinaria de petróleo. Essa linha colocará Suape de fato noutro patamar, de viabilidade econômica e da expansão que tem capacidade para explorar. Hoje Suape movimenta 25 milhões de toneladas e com a ferrovia e os outros investimentos previstos, saltará para 80 milhões de toneladas. Só com a ampliação da refinaria serão mais 16 milhões de toneladas. E Suape já é o líder em movimentação de combustível no Brasil, mais do que o Porto de Santos. Temos ainda o terminal de gás, com mais 2,3 milhões de toneladas a serem movimentadas. Tudo isso com o mesmo custo, mesma equipe e mesma torre de controle.

ME- No último dia 3 de outubro, o Porto de Suape voltou a ter autonomia na operação de seus cais, píeres e na gestão de contratos de arrendamentos. Foram nove anos sob controle da Agência Nacional de Transporte Aquaviários (Antaq), desde que a chamada Lei dos Portos lhe retirou essa atribuição. O que o resgate da autonomia representa no atual contexto?

RG- Vou te contar com um exemplo: Estamos há três anos trabalhando para rever o contrato do Tecon Suape para que esse terminal consiga operar cargas com custo mais baixo – hoje trabalha com as tarifas mais caras do mundo. Fizemos pleito junto a Antaq e ela negou. Após dois anos, revertemos com recurso. O processo então seguiu para a Secretaria Nacional de Portos e está parado lá desde o ano passado. Neste período, fizemos o vocacionamento do Estaleiro Atlântico Sul e atraímos a operação do APM Terminals (Grupo Maersk). Após tanto tempo, as condições que pedimos para o reequilíbrio contratual do Tecon não são as mesmas da época da solicitação. Demorou tanto, tanta coisa aconteceu que pedimos a devolução do processo para recomeçarmos do zero. Com autonomia, coisas assim se resolvem rápido.

Após a retomada da autonomia, já conseguimos publicar um manifesto de interesse para quem quer se instalar dentro do porto organizado para atender as operações das indústrias Aché e Blau. E apareceram dois novos players querendo fornecer ingrediente para essas gigantes farmacêuticas. No caso da Bemisa, pudemos tirar a Ilha de Cocaia da poligonal e inseri-la rapidamente no porto organizado com base em contrato por notória especialização. Sem a autonomia isso passaria por estudos de viabilidade econômica e outros processos junto ao governo federal.

ME – O que o programa BR do Mar vem agregar?

RG – O programa dará muito impulso a Suape, porque somos líderes em cabotagem e esse mercado vai dobrar de tamanho. Suape já está inserido nisso, porque tem armadores como Aliança e terá a Maersk, gigantes… E tem que ter combustível para os navios. Por Suape passam 20 mil navios por ano, e como disse, o volume vai dobrar e eles precisam de pontos para se abastecer com óleo bunker. Quando a BR do Mar saiu, fizemos o dever de casa e estamos com todas as licenças prontas para iniciar essa operação em 2023. Oportunidade logística muito grande para quem quer fazer contratação de cargas em Suape. 

Tudo isso está alinhado com uma política muito clara de sustentabilidade. Porque as principais empresas já trabalham na perspectiva do carbono zero, do hidrogênio verde. Estamos fazendo inventários de carbono e vamos deixar pronto para o próximo governante. Nenhum outro porto tem essa vantagem. Isso atrai empresas que buscam estar alinhadas com práticas ESG. Quando Marcelo Hahn, presidente da Blau, viu nosso plano ficou louco, porque está alinhado com o que ele quer para a empresa dele. São aspectos como esses que levam um investidor escolher Suape. 

ME – Com que a futura governadora precisa se comprometer para manter Suape em crescimento?

RG – Primeira medida: dar a Suape uma gestão profissional. Quem for trabalhar em Suape precisa ser profissional porque o porto tem que ter governança. Suape precisa de pessoas com experiência em gestão e logística. Suape é um equipamento de estado, não de governo. Isso precisa ser compreendido.

Segunda medida: as pessoas que atuarem em Suape têm que ter força política, têm que tratar diretamente com o governador, precisam ter acesso a ele com facilidade, para que as medidas e decisões não enfrentem burocracia e não percam oportunidades. E nesse ponto é preciso reconhecer que o governador Paulo Câmara e o secretário Geraldo Julio foram muito comprometidos com Suape. É preciso deixar claro que sem esse entendimento que eles tiveram não teríamos avançado tanto, porque Suape é resultado de um trabalho de equipe. 

E terceiro: do ponto de vista estratégico, é preciso tratar Suape como o importante ativo de infraestrutura logística que nós temos. Suape tem que ser o caminho de partida da logística de distribuição do estado. Precisa do Arco Metropolitano para escoar e ser a porta de saída mais barata e viável. Suape pode atender aos estados da região que equivale a uma área semelhante à da Europa. Suape tem um potencial enorme. O bolo está feito.

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