A presidente do Estaleiro AtlÂntico Sul , Nicole Mattar Terpins, resolveu se pronunciar pela primeira vez desde que o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) determinou a suspensão do leilão que venderia os ativos do Estaleiro Atlântico Sul (EAS) no Complexo Industrial e Portuário de Suape. O Estaleiro está em processo de recuperação judicial e a venda faz parte da estratégia para pagamento aos credores.
Nesta entrevista exclusiva à jornalista Patrícia Raposo, editora do Movimento Econômico, Nicole fala pela primeira vez sobre o impacto que vem sendo gerado pela postura de um dos concorrentes no processo, e como isso rebate no estaleiro e no próprio Porto de Suape.
Entenda o caso
O leilão judicial já foi adiado duas vezes nos últimos dias por solicitação da ICTSI Rio Brasil Terminal 1 S.A., controladora do Terminal de Contêineres de Suape, (Tecon-Suape), empresa que opera desde 2001 sem concorrentes no Porto de Suape.
Empresários e operadores que atuam no mercado de navegação se queixam dos custos do terminal, os mais altos do mundo, segundo pesquisa da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Isso, inclusive, fez com que algumas cargas migrassem para portos vizinhos, como é o caso das frutas do Vale do São Francisco. Pernambuco é um grande produtor de frutas, mas nenhuma manga ou uva sai do estado por Suape.
No processo, ao qual o TJPE acatou, o Tecon Suape pede a observância do princípio da isonomia a fim de garantir igualdade de oportunidades. Isso porque o Estaleiro Atlântico Sul conferiu a condição de Stalking Horse à empresa APM Terminals B.V. (APMT), integrante do grupo Maersk.
Stalking Horse consiste na oferta inicial e antecipada que um comprador interessado faz para tentar fechar negócio com uma empresa que está em recuperação judicial. Isso lhe dá a prerrogativa de preferência.
E então, no meio desse processo confuso, e já com prazos esgotados para novos interessados homologarem participação no leilão judicial, entra em cena um fundo de hedge chamado North Tabor Capital, de Nova Jersey. Gerido por um jovem de 22 anos e que conta com apenas um sócio, ele se diz representante de investidores de grandes bancos internacionais e disposto a comprar todo estaleiro. O mercado recebeu com desconfiança esse novo ator.
Vamos à entrevista:
Movimento Econômico – Como o estaleiro recebeu a notícia do adiamento do leilão?
Nicole Mattar Terpins – Ficamos muito surpresos que um único participante, que já havia declarado estar de acordo com as regras do edital, questionasse o próprio edital, às vésperas do leilão.
Esse leilão está sendo conduzido de forma íntegra e transparente, com a participação de empresas que cumpriram com requisitos e fizeram visitas ao estaleiro. Nenhum dos que fizeram visitas ao estaleiro, que buscaram informações sobre o ativo, questionaram o certame. Todos os participantes declararam que estavam de acordo com as regras do edital.
ME- Então o Tecon Suape não visitou o Estaleiro, nem buscou informações sobre a empresa?
NMT – Não. O Tecon não visitou o estaleiro nem pediu qualquer esclarecimento sobre o processo. A postura do Tecon foi totalmente conflitante com a de um competidor interessado em fazer uma proposta.
ME – O Tecon questiona a figura jurídica do Stalking Horse conferida à APM Terminals B.V. (APMT), integrante do grupo Maersk…
NMT – O Stalking Horse é algo muito comum no processo de recuperação judicial em todo mundo e constava no edital e foi aprovado duas vezes pelos credores. O Tecon já sabia disso há 2 meses e ainda assim resolveu questionar apenas às vésperas do certame.
Stalking Horse é a condição concedida ao proponente da oferta inicial, uma forma de compensá-lo pela apresentação da proposta vinculante que é aberta e serve de referência aos demais proponentes. Nós e nossos credores concordamos em conceder tal direito a APM após um leilão em que não houve interessados, em outubro de 2021.
ME- No meio disso tudo, entrou em cena o fundo North Tabor Capital, fazendo proposta de compra mesmo com prazo do edital vencido. Esse ator veio para tumultuar?
NMT – Temos um processo formal. O leilão público segue regras legais e previstas no edital, aprovado pelo juízo e pelo administrador judicial, com a anuência dos credores. Ele determina quais são os requisitos para a habilitação dos concorrentes, das fontes de financiamentos e das garantias que serão prestadas. A proposta feita por esse fundo não atende a nenhum destes requisitos.
ME – Como se deu o contato do fundo com o EAS?
NMT – Eles enviaram uma carta extemporânea, fora do prazo de habilitação e sem cumprir os requisitos de elegibilidade e, por consequência, de credibilidade.
ME- A quem interessa tumultuar o processo?
NMT – Aos concorrentes sérios não interessa, aos credores não interessa, a Pernambuco não interessa.
Qual o impacto disso no processo de RJ?
NMT – Repito, o processo foi sério, transparente e as regras foram aprovadas por todos os atores. O cenário todo é favorável para que isso seja revertido e a venda seja concluída, porque isso é algo que favorece não só o estaleiro, mas toda comunidade, os credores, e está totalmente aderente ao plano de reestruturação do estaleiro que pressupunha o revocacionamento de determinadas áreas para a implantação de projetos portuários. Isso é algo que vai ao encontro do interesse público, melhorando a infraestrutura da região e resolvendo gaps logísticos, trazendo desenvolvimento social com geração de empregos. Quando dedicamos essa área à projetos portuários, estávamos conscientes do benefício que isso geraria à região, atraindo novos negócios para Suape.
ME -Quais os próximos passos?
NMT – Vamos tomar as medidas cabíveis na Justiça. Sabemos de nossa responsabilidade. O EAS é um grande projeto gerador de emprego. Voltamos a operar e entramos em novos negócios, com perspectivas de crescimento. Hoje temos um ativo valioso que tem condição de gerar riqueza além da indústria naval e queremos otimizar o uso de nossa área de forma positiva, não só pagando aos credores, mas atendendo às necessidades da região. Estou confiante de que seguiremos em frente com a venda e que a área servirá ao seu objetivo, favorecendo não só o EAS e seus credores, mas também ao Estado.
Leia também:
Maersk afirma que seu novo terminal vai reduzir os custos de operação em Suape
Justiça adia, de novo, o leilão dos ativos do Estaleiro Atlântico Sul (EAS)