Justiça: o que dizem os especialistas sobre indenização de R$ 5 mil por telemarking?

O autor da ação informou à Justiça que contratou os serviços de telefonia móvel da empresa ré e, a partir daí, perdeu o sossego.

Patrícia Raposo e Fernando Ítalo, com TJPE

Coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica do Centro Universitário Tiradentes, Tatiana da Hora destaca reforço da jurisprudência nessa decisão da Justiça Estadual
Tatiana da Hora afirma que decisão da Justiça Estadual reforça jurisprudência sobre telemarketing abusivo/Foto Unit (Divulgação)

Em uma derrota na Justiça, a operadora de telefonia móvel TIM S/A terá que pagar indenização de R$ 5 mil por ter submetido um cliente em Pernambuco a uma prática considerada abusiva: 30 ligações diárias de telemarketing para oferecer novos produtos e serviços. A condenação da operadora foi mantida, de forma unânime, pela 6ª Câmara Cível do TJPE.

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No julgamento, foi analisada a apelação nº 0067016-65.2022.8.17.2001, interposta pela própria empresa contra sentença proferida pela Seção B da 10ª Vara Cível da Capital. O relator do recurso no 2º Grau do Tribunal de Justiça de Pernambuco é o desembargador Gabriel de Oliveira Cavalcanti Filho. Ainda cabe recurso contra a decisão colegiada.

A 6ª Câmara Cível reduziu o valor da indenização de R$ 10 mil para R$ 5 mil, mas manteve os demais pontos da sentença do juiz Sebastião de Siqueira Souza, da 10ª Vara Cível da Capital – Seção B.

O acórdão referente à apelação foi publicado no sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) em dia 31 de janeiro de 2024. A sentença da 10ª Vara Cível do Recife foi proferida em 11 de julho do ano passado.

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Cliente diz à Justiça que perdeu sossego

O cliente autor da ação informou nos autos que contratou os serviços de telefonia móvel da TIM e, a partir daí, perdeu o sossego, com inúmeras ligações de telemarketing promovidas pela operadora.

As chamadas ultrapassaram qualquer limite de razoabilidade, chegando às dezenas por dia, sempre com ofertas de produtos e serviços sobre os quais o cliente já tinha deixado claro não ter interesse.

“Recebo diariamente, em diversos horários do dia, até mesmo à noite e durante o fim de semana e feriados, diversas ligações da operadora TIM, oferecendo promoções, cobranças indevidas e outras ligações automáticas que não completam, importunando e atrapalhando o meu tempo de trabalho, descanso e convívio familiar”, diz a vítima, na ação judicial.

“Tais ligações têm gerado constrangimentos e transtornos diários e intermitentes, abalando a sanidade mental do consumidor”, acrescenta a ação judicial.

Em sua defesa, a TIM S/A alegou que as ligações de telemarketing seriam um procedimento legal, justificando que o acesso do número do celular do autor estava previsto no contrato assinado.

Argumento do cliente foi acatado pela Justiça de Pernambuco

O desembargador Gabriel de Oliveira Cavalcanti Filho relatou a situação durante o julgamento da apelação para os outros membros da 6ª Câmara Cível, os desembargadores Antônio Fernando Araújo Martins e Márcio Fernando de Aguiar Silva.

“A documentação disposta nos autos, dá conta de que existe, em vigência, um contrato de serviços de telefonia móvel com cláusula de acesso de número, e, a partir desta vigência, o autor perdeu o sossego com inúmeras ligações de telemarketing promovidas pela parte demandada”, de acordo com o magistrado.

O relator destaca que mesmo diante de várias solicitações devidamente protocoladas requerendo o cancelamento destas inconsequentes ligações, a empresa “continuou com o importuno e aborrecimento”.

Segundo Gabriel de Oliveira Cavalcanti Filho, a TIM “apresentou descaso com o direito do consumidor, restando comprovada a prática do ato ilícito por má prestação do serviço e consequentemente, ficando provado que lhe causou aflição, frustração e angústia”.

Para o juiz de Direito Sebastião de Siqueira Souza, da Seção B da 10ª Vara Cível da Capital, “a cláusula imposta pela empresa ao cliente é abusiva”.

“A empresa não pode se valer de uma cláusula contratual para tirar o sossego do consumidor, sendo evidente que está perturbando a vida e a saúde do consumidor de forma insuportável”, detalha na sentença, mantida pela 6ª Câmara.

Decisão da Justiça estadual reforça jurisprudência

Para Tatiana da Hora, coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica do Centro Universitário Tiradentes (Unit-PE) e especialista em Direito do Consumidor, essa decisão da Justiça estadual reforça a jurisprudência sobre o tema.

“O Código de Defesa do Consumidor, nos direitos básicos do consumidor, traz uma proteção no artigo cinco, inciso quatro, que tanto trata de publicidade enganosa e abusiva, como de práticas comerciais, coercitivas ou desleais. E com base nesse dispositivo, as práticas insistentes do telemarketing têm sido consideradas nos tribunais como abuso do direito de oferta”, explica.

“Alguns tribunais tinham o entendimento no passado de que se tratava de um mero aborrecimento. Isso mudou, com os casos recorrentes de ligações constantes e repetida, mesmo quando o consumidor declara não desejar aquele produto. Muitos magistrados passaram a acolher o argumento de que essa prática viola a dignidade e o direito de uso da própria linha telefônica do consumidor”, acrescenta.

Erick William afirma que casos de abuso de telemarketing vêm sendo considerados pela Justiça como dano moral
Professor de Direito, Erick William afirma que casos como esse vêm sendo considerados pela Justiça como dano moral/Foto Erick William (Acervo Pessoal)

Professor de Direito, Erick William, ressalta que “quando um operador de telefonia começa a ligar e liga várias vezes para um cliente, seja fornecendo algum produto ou então por alguma questão de cobrança, essa cobrança pode ser realizada via e-mail de forma automática e também por telefone.”

“Quando essa oferta ou cobrança excede, como nesse caso de 30 ligações diárias, isso ultrapassa o mero dissabor, citado pelos juristas, e gera a possibilidade de uma indenização por dano moral”, frisa.

Justiça pode considerar telemarketing abusivo como desrespeito à Constituição, diz Fábio Gonçalves
Fábio Gonçalves vê no telemarketing abusivo desrespeito ao artigo 5º da Constituição Federal/Foto: Divulgação

Sócio no escritório Gonçalves & Falcão, Fábio Gonçalves avalia que situações de ligações continuadas, sem que o consumidor consiga estabelecer um controle para que as chamadas parem, configuram uma tentativa de desestabilizá-lo emocionalmente. “A operadora está oferecendo um produto ou um serviço de uma forma bastante coercitiva”, analisa.

“A empresa, dessa forma, está entrando na intimidade daquela pessoa e a intimidade ou privacidade é inviolável, conforme a Constituição Federal no seu artigo cinco”, conclui.

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