Por Juliana Albuquerque
Depois de retomar a pauta de votação do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) nesta quarta (23), com a apresentação do voto-vista da ministra Nancy Andrighi, que havia pedido mais tempo para decidir se o rol de cobertura da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é taxativo ou exemplificativo, o julgamento foi novamente suspenso, sem data definida para voltar à pauta do tribunal.
Essa foi a segunda vez que o julgamento, que teve início no dia 16 de setembro de 2021, com o voto do relator do processo, o ministro Luis Felipe Salomão, que se posicionou pela taxatividade da lista, mas admitiu que pode existir exceções, foi suspenso por pedido de vista.
Desta vez, o pedido veio do ministro Villas Boas, que solicitou mais tempo para analisar a questão, após a apresentação do voto da ministra Nancy Andrighi.
De acordo com Nancy Andrighi, a lista de procedimentos da ANS constitui referência importante na organização do sistema de saúde privado, mas não pode restringir a cobertura assegurada na lei brasileira, nem servir como imposição genérica quanto ao que deve ser coberto pelos planos – impedindo, em consequência, a definição individualizada do tratamento pelo médico e o aproveitamento, pelo beneficiário, de novas tecnologias na área de saúde.
“O rol de procedimentos e eventos em saúde constitui relevante garantia do consumidor para assegurar direito à saúde, enquanto importante instrumento de orientação quanto ao que lhe deve ser oferecido pelas operadoras de plano de saúde, mas não pode representar a delimitação taxativa da cobertura assistencial, alijando previamente o consumidor do direito de se beneficiar de todos os possíveis procedimentos ou eventos em saúde que se façam necessários para o seu tratamento”, apontou a ministra em seu voto.
Vale ressaltar que a análise da controvérsia sobre a natureza da lista de procedimentos e eventos em saúde instituída da ANS pelo STJ pode ter como consequência a possibilidade de os planos de saúde serem obrigados a cobrir procedimentos não incluídos na relação de procedimentos listados pela agência reguladora, que é de quase 3 mil.
Para a coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica do Centro Universitário Tiradentes (Unit-PE), Tatiana da Hora, a decisão pode afetar pacientes em tratamento de câncer, autismo, terapias mais avançadas ou doenças raras. Ela alerta que o impacto pode ocorrer tanto nos tratamentos já em curso – pacientes que fazem tratamentos não listados – como pode encerrar, de maneira negativa, o suporte futuro.
“A Medicina evolui, as doenças mudam e surgem. Se o Rol é fechado, não admite qualquer alteração, alguns tratamentos, medicações e prescrição de terapias podem estar fora da lista e o paciente perde a possibilidade de ser tratado”, avalia a advogada especialista em direito do consumidor.
ANS se posiciona sobre caráter do rol de procedimentos
Interrompendo sua prática habitual de não comentar ações judiciais em tramitação, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), pouco tempo após o julgamento ser suspenso, emitiu esclarecimento no qual defende a taxatividade do seu rol.
“O caráter taxativo do rol confere a prerrogativa da ANS de estabelecer as coberturas obrigatórias a serem ofertadas pelos planos de saúde, sem que os consumidores precisem arcar com custos de coberturas adicionais. Assumir que o rol seja meramente exemplificativo significa, no limite, atribuir a cada um dos juízes do Brasil a prerrogativa de determinar a inclusão de cobertura não prevista em contrato ou no rol de cobertura mínima, o que traria o aumento da judicialização no setor de saúde e enorme insegurança ao setor de saúde suplementar, na medida em que seria impossível mensurar adequadamente quais os riscos estariam efetivamente cobertos. O que impacta na definição do preço dos produtos”, esclarece o comunicado da agência reguladora.
Segundo a advogada do Programa de Saúde do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Ana Carolina Navarrete, o argumento de que o modelo atual sobrecarrega economicamente as operadoras de planos de saúde não se sustenta, já que os custos com novas tecnologias que não estão no rol são contemplados nos cálculos financeiros das empresas – que, por outro lado, seguem registrando lucros vultuosos.
“Se há um lado economicamente vulnerável nessa história, esse é o lado das famílias, que podem se ver sem cobertura em um momento de grande necessidade. O STJ tem o papel de barrar esse retrocesso e fazer valer os direitos consagrados no Código de Defesa do Consumidor”, afirma Navarrete, que defende que o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Planos de Saúde devem prevalecer sobre os atos administrativos da ANS.
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