
Os geradores de energia renovável – principalmente de solar e eólica – no Nordeste estão passando por mais um problema: a disparada do Preço das Liquidações das Diferenças (PLD), que estabelece o preço da energia no mercado de curto prazo por regiões. Ao venderem energia para outras regiões, as geradoras nordestinas têm que pagar a diferença do PLD onde a energia foi gerada e o PLD onde a energia foi comprada. O PLD do Sudeste/Centro-Oeste disparou desde o começo de março, alcançando R$ 402,21 por megawatt-hora (MWh) no dia 20 de março, enquanto o preço do PLD no Nordeste estava em R$ 58,60.
“É um cenário que não é possível conviver por muito tempo. E que realmente pode levar a insolvência vários geradores da região Nordeste. Mas também é um sobrepreço nas tarifas de energia que vai refletir nos consumidores cativos”, explica o presidente do Conselho da Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias (Abeeólica), Fernando Elias.
Alguns consultores dizem que se este cenário perdurar, vai acabar com a geração de renováveis no Nordeste. Somente para o leitor entender melhor, se uma geradora de energia solar vendeu a energia, no valor do contrato, a uma empresa do Sudeste por R$ 200 o megawatt-hora (MWh), quando a energia for liquidada (paga) o gerador nordestino terá que pagar a diferença do preço estabelecido no PLD entre o mercado do Nordeste – onde a energia foi gerada – e o do Sudeste , local em que a energia foi comprada. “Ou seja, o gerador recebe R$ 200 do contrato e paga R$ 343 pela diferença do PLD do Nordeste e Sudeste. Isso faz com que o produtor do Nordeste esteja pagando para gerar energia”, comenta o sócio de uma empresa que gera energia solar no interior do Nordeste.
A diferença do PLD do Sudeste e Nordeste sempre existiu, mas nunca apresentou uma diferença tão grande, segundo executivos da área. Quem estabelece o preço do PLD, por regiões, no Brasil é a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que utiliza um modelo automatizado levando em consideração algumas variáveis. A CCEE passou a usar um novo sistema para calcular o preço do PLD, o Newave Híbrido em janeiro de 2025.
O preço da energia começou a subir no mercado de curto prazo desde o final de fevereiro, quando começaram as previsões de chuvas abaixo do esperado para o Sudeste do Brasil, região que acumula cerca de 70% da água armazenada para gerar energia no País. Num primeiro momento, isso não chega, de imediato, ao consumidor residencial. No entanto, se a estiagem persistir no Sudeste, a alta vai chegar na conta de todos os brasileiros.
Problemas crônicos do setor elétrico brasileiro
Segundo Fernando Elias, alguns fatores contribuíram para o aumento do preço do PLD do Sudeste. O primeiro fator foram as chuvas abaixo da expectativa no Sudeste/Centro-Oeste do País, que está passando por uma grande estiagem em algumas bacias. “Também houve uma mudança no modelo de preço”, explica, acrescentando que passou a se cobrar mais pelo valor da água, quando há um cenário de falta de chuvas. E acrescenta: “Estamos pagando hidrelétrica a preço de termelétrica”.
O outro motivo, segundo Fernando, que também contribui para a alta do PLD no Sudeste são os cortes de geração do Nordeste e as restrições de intercâmbio de energia entre Nordeste e Sudeste. Os cortes de geração são feitos pelo Operador Nacional do Sistema (ONS) que manda as geradoras de renováveis, principalmente do Nordeste, produzirem menos energia por vários motivos, como a falta de linhas de transmissão para escoar esta energia e questões operacionais de segurança do sistema elétrico.
Fernando argumenta que a capacidade de transmissão de energia do Sudeste para o Nordeste não é suficiente, mas há também “uma restrição operativa, porque não estamos nem atingindo a capacidade nominal de transmissão” do sistema Interligado Nacional (SIN), o sistema elétrico que leva energia a mais de 99% dos brasileiros.
Segundo Fernando, poderia estar sendo escoada, a mais, do Nordeste para o Sudeste 1,5 gigawatt de energia, “o que levaria a um decréscimo do preço do Sudeste, porque haveria mais energia pra ajudar na recomposição dos reservatórios”. E complementa: “Mas além disso, se o ONS utilizasse uma flexibilização operativa, a gente poderia agregar o dobro disso, mais 1,5 GW. Esses dois fatores combinados poderiam levar a uma redução de até R$ 140 reais o MWh no preço do Sudeste. Então, além de aliviar a diferença entre os submercados, que vai pesar muito sobre os renováveis do Nordeste, também aliviaria o custo da energia no Sudeste”, afirma Fernando.
Já a implantação de novas linhas de transmissão é um problema que não vai se resolver no curto prazo, como lembra Fernando. Ele diz que há uma “desotimização” do sistema elétrico brasileiro por causa dos fatores citados acima como “estar jogando fora a energia que poderia ser gerada no Nordeste, pagando hidrelétrica com custo de termelétrica no Sudeste, falta de linhas para transportar energia e uma restrição operativa que faz transportar menos energia do que poderia ser escoada entre o Nordeste e o Sudeste. Na opinião dele, somente a restrição operativa poderia ser corrigida no curtíssimo prazo.
Veja o que dizem a CCEE e o ONS
Ao ser contatada pela reportagem, a assessoria de imprensa do ONS respondeu que: “atualmente, o Sistema Interligado Nacional – SIN apresenta um armazenamento de 70% do total disponível, mas as projeções meteorológicas indicam que março poderá ter afluências de água inferiores a 60% da média histórica nas usinas da região Sudeste/Centro-Oeste. Diante desse cenário, os modelos computacionais utilizados pelas organizações buscam poupar os níveis dos reservatórios, o que resulta em níveis de preço mais elevados”.
Já a CCEE enviou a seguinte resposta a reportagem esclarecendo que: “o cálculo do Preço de Liquidação das Diferenças (PLD) ocorre por meio de modelos computacionais que são revisados e aprimorados por um conjunto de entidades setoriais, em fóruns que contam com ampla participação dos agentes do mercado de energia.
O mecanismo tem cumprido com o seu propósito de representar as movimentações inerentes ao setor, refletindo as projeções meteorológicas que apontam que o mês de março terá afluências de água inferiores a 60% da média histórica nas usinas hidráulicas das regiões Sudeste e Centro-oeste. Diante desse cenário, os modelos computacionais utilizados buscam poupar os reservatórios, o que resulta em níveis de preço mais elevados neste momento e menor necessidade futura de acionamento das usinas térmicas.
A organização destaca também que a implementação do Newave Híbrido em janeiro de 2025 foi alvo de amplos debates organizados pela Comissão Permanente para Análise de Metodologias e Programas Computacionais do Setor Elétrico – CPAMP, que envolveram diversos agentes, ao longo de pelo menos dois anos”.
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