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Energias renováveis são a segunda causa do desmatamento da caatinga

As consequências ambientais da implantação dos empreendimentos de energias renováveis são o tema da segunda matéria da série sobre o Impacto das Energias Renováveis no Nordeste
Área desmatada para a implantação de uma usina solar na região do município de Santa Luzia, na Paraíba. Foto: Yasmin Formiga

O desmatamento provocado pelas energias renováveis tornou-se a segunda causa da supressão da caatinga no ano passado, perdendo apenas para a agropecuária. Na região, este tipo de desmatamento foi liderado pelo Rio Grande do Norte, em 2023, segundo um levantamento feito pelo MapBiomas. Isso pode potencializar outro problema que já é uma realidade em algumas localidades do Nordeste: a desertificação.

No ano passado, o desmatamento da caatinga no Rio Grande do Norte para implantação de empreendimentos de energia renovável atingiu 1.369 hectares. Foi o Estado que mais desmatou para esta finalidade segundo o MapBiomas. Em 2022, os desmatamentos para empreendimentos de energias renováveis totalizaram 290 hectares no RN. Houve um crescimento de 372%, comparando 2023 com o ano anterior.

A caatinga é o bioma mais afetado pelos empreendimentos de energia renovável, de acordo com o MapBioma. Isso ocorre porque o Nordeste tem mais de 90% das grandes jazidas de ventos do País e a região também possui índices de radiação solar mais altos. Ambos são matérias-primas para a geração de energia. Na caatinga – de uma maneira geral -, quem liderou o desmatamento, em 2023, foi a Bahia com 93.437 hectares suprimidos.

Quando o desmatamento é realizado para a implantação de empreendimentos de energia renovável, o Ceará ficou em segundo lugar com 948,6 hectares e a Bahia em terceiro com 799,3 hectares.

“Historicamente, Rio Grande do Norte e Bahia são os dois Estados que mais se destacam no desmatamento realizado para a implantação de empreendimentos de energias renováveis. Geralmente, as torres da geração eólica são implantadas em regiões mais elevadas. E a geração fotovoltaica nas planícies”, explica o coordenador da equipe Caatinga do MapBiomas e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana, Washington Rocha.

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O tipo de local escolhido pelos empreendimentos também traz outro impacto ambiental. Uma parte das eólicas estão se instalando em regiões serranas que apresentam recursos de fauna e uma caatinga mais “florestadas, com áreas que são refúgios de espécies nativas localizadas”, como explica Washington. “Já a geração fotovoltaica para ser viável economicamente ocupa grandes áreas”, comenta.

O ideal, segundo o professor, seria os empreendimentos escolherem como critério de seleção áreas já degradas, porque o impacto seria menor. Mas não é isso o que está ocorrendo. Existem pelo menos duas grandes regiões serranas onde os parques eólicos estão se instalando e trazendo muitos impactos ambientais. Uma é na região de Urandi, na Bahia. A outra é o Seridó, que inclui áreas na Paraíba e no Rio Grande do Norte.

“No Seridó, eles usam dinamite para instalar os aerogeradores em terra. Estão destruindo as serras para abrir as fundações dos aerogeradores dentro da rocha. Em Santa Luzia, o volume de dinamite usado é grande. Isso afugenta os animais, racha as casas. É um circuito de parques eólicos que forma um corredor entre o Rio Grande do Norte e a Paraíba numa área serrana, onde tem as maiores altitudes e uma caatinga preservada em termos de vegetação nativa”, descreve a professora do Instituto de Políticas Públicas da UFRN e Coordenadora do Laboratório Interdisciplinar Sociedades, Ambientes e Territórios (LISAT), Zoraide Souza Pessoa.

Ela argumenta também que “os animais estão fugindo porque o ambiente deles está sendo profundamente alterado. Estão usando dinamite também para abrir estradas que dão acesso aos locais onde serão implantados os aerogeradores”, acrescentando que essa perda é preocupante, porque as espécies dessa área são pouco reconhecidas e pouco catalogadas.

A ativista ambiental Yasmin Formiga numa serra na região de Santa Luzia, na Paraíba. Foto: João Kariri

A arte-educadora e ativista ambiental Yasmin Formiga diz que tanto os empreendimentos de geração eólica como o de geração solar tem causado muito desmatamento na região de Santa Luzia, onde os aerogeradores ficam nas serras e os empreendimentos de geração solar nas planícies. “Ambas usam dinamite para tirar as pedras, porque o solo é muito rochoso. Foram mais ou menos seis meses, escutando a dinamite explodindo uma vez por dia”, conta.

Há dois anos, num acesso que fizeram entre Santa Luzia e Juazeirinho, ela contou 14 raposas mortas, atropeladas. “Abrem as estradas no meio do mato e os bichos fogem”, diz Yasmin. Lá, quando os animais fogem, muitas vezes, vão na direção contrária da mata, onde passa uma estrada e são atropelados.

Mas este ainda não é o principal impacto dos aerogeradores nas serras paraibanas e potiguares. A região tem várias nascentes, que alimentam açudes importantes na Paraíba e no Rio Grande do Norte. O fluxo destas nascentes podem ser comprometidas com a exploração desordenada do solo destas serras, o que inclui o desmatamento.

Ainda na região do Seridó, a previsão é de que ocorra um desmatamento de 8 mil hectares na parte plana numa área chamada Vale do Sabugi para a implantação de empreendimentos de geração solar, segundo o advogado José de Anchieta de Assis, integrante do Comitê de Energias Renováveis do Semiárido.

Estradas abertas no meio da floresta de caatinga na Região de Santa Luzia, na Paraíba, que faz parte da região do Seridó, que inclui também municípios no Rio Grande do Norte.

As energias renováveis e a desertificação

“Não se pode dizer que os parques de geração eólica e solar estão causando a desertificação, que é um processo longo e não ocorre de forma imediata. O Nordeste já tem áreas que estão deixando de ser semiáridas para áridas. Os empreendimentos poderiam ser instalados em áreas degradas, mas não é isso o que está acontecendo”, argumenta a professora Zoraide Souza Pessoa. 

O desmatamento é um dos fatores que podem contribuir para aumentar a desertificação, porque deixa o solo exposto. A vegetação protege o solo. O desmatamento ocupa áreas maiores, quando ocorre a implantação de parques solares nos quais as placas fotovoltaicas são instaladas em áreas grandes. Embaixo das placas, é aplicado um tipo de herbicida para evitar o nascimento da vegetação. “Também surge uma poeira em cima das placas, que diminui a produtividade e que, geralmente, é retirada com água, numa região em que já há escassez do líquido”, comenta a coordenadora do Nordeste Potência, Cristina Amorim.

Outro possível problema é o aumento do calor. “As placas fotovoltaicas solares possuem minerais que aquecem. Os próprios estudos ambientais de algumas empresas (de geração solar) dizem que pode haver um aumento da temperatura de quase quatro graus no lugar onde estão as placas”, comenta a educadora da Comissão da Pastoral da Terra NE2, Vanúbia Martins. A entidade acompanha várias questões ligadas às comunidades que receberam empreendimentos de energias renováveis. O aumento da temperatura também contribui pra um ambiente mais árido.

“As comunidades entendem a importâncias das energias renováveis para combater as mudanças climáticas, mas a forma como é aplicada precisa ser revista urgentemente. Precisa colocar as pessoas no centro deste debate”, diz a coordenadora do Nordeste Potência, Cristina Amorim. O Nordeste Potência é um fórum formado por várias entidades que defendem a transição energética justa.

Saindo da parte ambiental para a social, várias das entidades que atuam no semiárido fazem o alerta para outro problema futuro. Muitos agricultores deixam de ser considerados agricultores para fins de aposentadoria porque estão arrendando parte das suas terras para instalação da infraestrutura dos parques ou dos aerogeradores. Isso significa que eles podem perder a aposentadoria especial que tem direito no futuro, quando estiverem idosos.

O lado das empresas

Tanto a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEeólica) assim como a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABsolar) responderam, em nota, os questionamentos feitos pela reportagem informando que os seus associados estão dentro do que é exigido e regulamentado pelas leis que estabelecem as regras para este tipo de geração no Brasil.

A ABEeólica lançou em abril último um guia de boas práticas a ser seguido pelas empresas do setor. Ainda de acordo com a entidade, os seus associados seguem as regras ESG, sigla que significa a adoção de boas práticas nas áreas social, do meio ambiente e da governança. Para a entidade, o guia estabelece iniciativas para uma transição energética justa.

A entidade congrega congrega mais de 150 empresas de toda a cadeia produtiva do setor eólico, onshore e offshore, e tem como principal objetivo trabalhar pelo crescimento, consolidação e sustentabilidade dessa indústria no Brasil.

Ainda na nota, a ABEéolica diz que “a análise de viabilidade de um empreendimento, como, por exemplo, parques eólicos, são feitos diversos estudos para identificar quais os impactos negativos e positivos de sua instalação, e definidas as medidas adequadas para, no caso dos impactos negativos, evitá-los, mitigá-los ou compensá-los. Isso é definido em cada caso, individualmente, para que não haja impacto negativo sem o devido tratamento”.

A entidade também cita que o Senai-RN realizou estudo mostrando que o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) e Produto Interno Bruto (PIB) dos municípios com parques eólicos aumentaram em 20% e 21,15%, respectivamente. Uma das conclusões desse estudo é de que é preciso políticas públicas para que este crescimento do PIB se transforme em desenvolvimento sustentável.

Já a ABSolar informou, também em nota, que desde 2012, o segmento já trouxe R$ 60,7 bilhões em novos investimentos e mais de 424 mil empregos verdes acumulados, além de proporcionar cerca de R$ 20 bilhões em arrecadação aos cofres públicos.

De acordo com a ABSolar, a ampla maioria dos empreendimentos solares é construída em locais com menor densidade demográfica e em terrenos já antropizados e de baixa produtividade, que normalmente não seriam aproveitados para outras atividades. “A implantação de grandes usinas solares no Brasil atende a rigorosos requisitos legais, regulatórios e ambientais, inclusive quanto ao seu licenciamento, mitigação e compensação de eventuais impactos ao entorno”, informa a nota.

A entidade também “incentiva que seus associados orientem seus estudos e ações com base nos mais elevados padrões internacionais de ESG (Environmental, Social and Governance – meio ambiente, social e governança, em português). Estes padrões consideram, por exemplo, que tratativas locais sejam justas e transparentes, em especial com populações mais vulneráveis”.

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