A transição energética traz um desafio e uma grande oportunidade para a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa): descarbonizar a geração usada em todos os seus processos de produção de água e tratamento de esgoto e entrar em novos mercados, como o de hidrogênio verde. Para atingir esse objetivo, uma das estratégias que vem sendo estudada pela empresa é utilizar suas barragens para a instalação de painéis fotovoltaicos. O potencial total é estimado em 300 megawatts (MW).
O diretor de Eficiência e Atenção ao Cliente Flávio Coutinho afirma que o potencial de geração no espelho d’água dos reservatórios operados pela Compesa – são 129 ao todo – é limitado, já que Pernambuco é um dos estados com menor oferta hídrica em todo o país, mas ainda assim bastante significativo.
“Nossa prioridade é o abastecimento humano, mas em algumas barragens temos condições de viabilizar o consórcio água e energia sem qualquer prejuízo para o atendimento à população”, analisa o executivo. Flávio integrou o rol de painelistas do 9° Seminário de Energia Elétrica, Recursos Hídricos e Infraestrutura, realizado esta semana pela Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe).
Transição energética: saiba que barragens foram mapeadas com potencial de geração
De acordo com o diretor, entre as represas com potencial para água e energia fotovoltaica quatro estão na Região Metropolitana da capital: Engenho Maranhão (Ipojuca), Tapacurá (São Lourenço da Mata), Duas Unas (Jaboatão dos Guararapes) e Pirapama (Cabo de Santo Agostinho).
Pirapama, aliás, começa a chamar a atenção da iniciativa privada. O CEO da H2 Verde, Luiz Piauhylino Filho, estima um potencial solar de 200 MW a partir de análises preliminares realizada pela empresa luso-brasileira para o suprimento de água e energia destinadas a seus futuros projetos de hidrogênio verde.
Fora do Grande Recife, as barragens do Prata (Camocim de São Félix) e de Carpina (na cidade do mesmo nome) se enquadram nesse perfil. No caso de Tapacurá e Carpina, os projetos de geração já foram elaborados pela Compesa e preveem uma capacidade de 50 MW.
O próximo passo da Compesa é definir a modelagem de concessão ou arrendamento dessas represas a fim de viabilizar a produção de energia solar.
Por que Engenho Maranhão é crucial para transição energética da Compesa?
Idealizada para reforçar o abastecimento de água do Complexo Industrial Portuário de Suape – que soma atualmente 83 empresas e gera 17,5 mil empregos – a barragem de Engenho Maranhão ampliou sua importância com a entrada da Compesa como parceira no chamado TechHub Hidrogênio Verde.
Anunciado em 2022, o TecHub é uma plataforma de pesquisa, desenvolvimento e inovação, com foco no H2V. O empreendimento será voltado para a implementação, em Suape, de projetos inovadores nas áreas de produção, transporte, armazenamento e gestão de hidrogênio verde.
Juntos, esses projetos receberão inicialmente investimentos de até R$ 45 milhões. A iniciativa é liderada pela CTG Brasil (uma das principais empresas de geração de energia limpa no país), em parceria com o Senai e o Governo de Pernambuco.
No que se refere ao papel da Compesa, ainda que a água de Engenho Maranhão não venha a ser utilizada diretamente no processo fabril dos projetos do hub, será destinada a consumo humano, entre outros fins, e deve atender aos critérios de zero emissão da cadeia do hidrogênio verde.
Nesse contexto, o consórcio de água e geração solar seria uma solução ideal não só para as operações na barragem, mas também para atender à demanda de energia no funcionamento da Estação de Tratamento de Efluentes de Suape, caso a ETE venha a ser a fornecedora de água de reuso para o TechHub.
Transição energética pode viabilizar conclusão de Engenho Pereira
Há chance de que se amplie a lista de reservatórios que poderão ser explorados para geração solar, caso os estudos que estão sendo realizados apontem esse potencial na barragem de Engenho Pereira (Moreno).
O empreendimento está paralisado desde 2014. Este ano, o Governo de Pernambuco criou um grupo de trabalho para definir uma solução que viabilize a obra. O reservatório, essencial para a contenção de enchentes no rio Jaboatão, já recebeu investimentos de R$ 50 milhões e demanda valor semelhante para a conclusão. Uma das alternativas em avaliação é a modelagem de uma PPP em que o parceiro poderia explorar os serviços de água e geração.
Na transição energética, meta da Compesa é 70% de geração limpa até 2024
A Compesa já vem trabalhando, desde o final da década passada, em diversas frentes para descarbonizar os processos de geração de energia. Mas precisa correr contra o tempo nessa transição, diante das pressões internacionais cada vez maiores por uma economia de baixo carbono – geradas pelo aumento da ocorrência de fenômenos climáticos extremos – e também por causa de surgimento de novos negócios que exigem zero emissão.
A meta da sociedade de economia mista é atingir 70% de energia produzida a partir de fontes renováveis já em 2024, com investimentos estimados em R$ 600 milhões. Algumas iniciativas de geração limpa, por meio de parceria público-privada ou convênios, já vêm sendo implementadas pela empresa.
Uma delas é a primeira PPP de energia para saneamento no Brasil. O projeto, que teve o contrato assinado em junho do ano passado e deverá entrar em operação até 2026, totaliza investimentos de R$ 453 milhões na construção de seis usinas de autoprodução de energia, nos municípios de Flores e Garanhuns. A potência será de 135 MW.
A companhia também conta com 16 usinas para geração solar distribuída, em fase de instalação. Essas plantas totalizam 10 MW e foram contratadas por meio de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) lançado em 2019.
Além disso, Compesa e Neoenergia estão instalando em Fernando de Noronha, a primeira usina solar flutuante com escala comercial do estado. O empreendimento, no espelho d’água do Açude do Xaréu – uma área de 4.400 metros quadrados – está orçado em R$ 10 milhões e terá capacidade para 630 quilowatts (KW). A previsão é de que atenda a 50% da demanda total de energia no abastecimento de água e tratamento de esgoto no arquipélago.
O que a Compesa ganha na transição energética?
A Compesa terá dois ganhos principais ao investir na transição energética, além de atender às exigências crescentes por descarbonização. O primeiro é se integrar à cadeia do hidrogênio verde. O H2V tem gerado uma corrida do ouro entre os estados nordestinos, que pretendem ser pioneiros e até líderes globais no mercado do chamado “combustível do futuro”.
Para entrar nesse jogo, em um setor com possibilidade de movimentar bilhões no planeta, a companhia só tem uma alternativa: a substituição de todos os seus processos que emitam CO2, incluindo a geração da energia utilizada em suas unidades.
Isso porque para ser homologado pelas entidades classificadoras internacionais como verde, o hidrogênio precisa ser produzido de forma limpa em todas as etapas e nenhum produtor de H2V irá comprar água que não atenda a esse requisito básico.
Em relação à oferta hídrica deficiente no estado, a Compesa já tem uma estratégia – bastante alinhada com o ESG (governança ambiental, social e corporativa) – para garantir o atendimento às indústrias de hidrogênio. A ideia é, ao invés de utilizar a reserva das barragens, adotar o reuso da água oriunda do tratamento de esgotos.
Já o segundo ganho que a transição energética vai gerar para a Compesa é na gestão financeira. Até o próximo ano, a despesa mensal da companhia com energia deve chegar a R$ 41 milhões por mês, valor que será reduzido para R$ 2 milhões quando todos os projetos de energia limpa previstos até o momento estiverem em funcionamento.
Leia mais sobre transição energética:
Os desafios para a produção do hidrogênio verde em Pernambuco
Neoindustrialização do Brasil vai passar pela energia renovável do Nordeste
No Nordeste, setor automotivo sai na frente na corrida pela neoindustrialização