Por Juliana Albuquerque
Depois de dois adiamentos, está na pauta de votação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) da próxima quinta (16), o julgamento de uma ação que pode definir quais procedimentos e medicamentos as operadoras de planos de saúde devem ser obrigadas a custear para o tratamento de seus usuários. Na prática, o julgamento coloca em xeque se o rol de procedimentos e eventos em saúde determinados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é taxativo ou exemplificativo, colocando, desta forma, em risco a relação de consumo de mais de 48 milhões de usuários de plano médico no Brasil.
“O tema é extremamente delicado e vem sendo alvo de lobby das empresas de planos de saúde há alguns anos. O que elas buscam é consolidar no Judiciário o direito de negar atendimentos”, alerta a advogada e coordenadora do programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Carolina Navarrete.
A ação que será analisada e julgada pela Corte foi proposta pela Unimed Campinas em 2020, quando recorreu contra uma decisão da 3ª turma do Tribunal que obrigou a operadora a custear o tratamento fora do rol da ANS. Segundo o entendimento da corte na época, o rol da ANS tem caráter exemplificativo, sendo abusiva a negativa da cobertura pelo plano de saúde do tratamento considerado apropriado para resguardar a saúde e a vida do paciente.
Para o Idec, o rol da ANS é uma lista de procedimentos e eventos que devem ser obrigatoriamente oferecidos pelas operadoras de planos de saúde aos seus usuários e que, baseado na Lei de Planos de Saúde e no Código de Defesa do Consumidor, deve ser interpretada como um parâmetro mínimo ou exemplificativo. Na prática, isso significa que, na visão defendida pelo Instituto, o médico é a autoridade sanitária responsável por determinar os tratamentos e procedimentos recomendados aos seus pacientes de acordo com a avaliação clínica, e é dever das operadoras cobrir todas as doenças previstas na CID (Classificação Internacional de Doenças).
De acordo com o especialista em Direito de Saúde, Elano Figueiredo, a discussão sobre o Rol da ANS ser obrigatório ou não está bem avançada, o que o leva a acreditar que a tese de que ele é taxativo já conta com maioria tranquila no STJ. “O precursor da consolidação desta discussão é o Ministro Luís Felipe Salomão. Ele não deixa dúvidas de que a taxatividade do Rol é essencial para preservar o equilíbrio dos contratos e a segurança dos tratamentos clínicos aplicados no país”. Ele completa dizendo que “da mesma forma como foi reconhecida a competência da ANVISA para estudar e autorizar os novos medicamentos no Brasil, também será assegurada a legitimidade da ANS para os tratamentos da saúde suplementar e, em consequência, o Rol deve ser visto como taxativo”.
Em nota, a ANS afirma que não comenta ações judiciais em tramitação e que quaisquer questões relativas à referida ação em tramitação no Superior Tribunal de Justiça que questiona se o rol é taxativo ou exemplificativo, serão tratadas no âmbito da ação em curso. Contudo, esclarece o seguinte ponto: “Nos termos do art. 2º, da RN nº 465/2021, a ANS considera que, para fins de cobertura, considera-se taxativo o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde disposto nesta Resolução Normativa.” O documento ainda destaca que conforme previsto no próprio art. 2º, as operadoras de planos de assistência à saúde podem oferecer cobertura maior do que a obrigatória definida pela RN, por sua iniciativa ou mediante expressa previsão no instrumento contratual referente ao plano privado de assistência à saúde.
Em posicionamento enviado ao Movimento Econômico, a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), entidade que representa as 15 maiores operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde e exclusivamente odontológicos e 40% do mercado, ressalta que o julgamento da ação contribuirá para reduzir um dos temas mais judicializados no setor, que é o rol de procedimentos.
“A judicialização cria efeitos negativos para todos os participantes do sistema, principalmente para os próprios beneficiários de planos de saúde. Uma das razões é que, na maioria das vezes, a decisão judicial privilegia o pleito do indivíduo em desacordo com os direitos da coletividade. Portanto, uma decisão que defere uma cobertura não prevista no rol de procedimentos e no contrato, em uma ação individual, beneficia um paciente específico acaba fazendo com que todos os demais beneficiários de planos de saúde tenham de pagar pelo custo desse caso.”, afirma a entidade.