A reforma tributária porá fim a oferta de benefícios fiscais até 2032 complicando o jogo para atração de investimentos nas regiões mais pobres do País. Mas restou uma área geográfica onde, de certa forma, benefícios seguem sendo ofertados. São as Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs).
O texto base da reforma manteve o diferencial competitivo nos níveis estabelecidos pela legislação relativa aos tributos extintos. Mas, embora tenham o potencial de oferecer vantagens a estados mais pobres, esse mecanismo segue à margem da política de investimentos em praticamente todo Brasil.
No entanto, o tema das ZPEs vai entrar no debate do 1º Congresso de Direito Aduaneiro e Desenvolvimento do Nordeste, que será realizado em Recife, nos dias 06 e 07 de junho. O evento é promovido pela Associação Brasileira de Direito Aduaneiro e Fomento ao Comércio Exterior (ABDAEX).
Segundo a presidente da entidade, a advogada Anna Dolores Sá Malta, a intenção é que o tema desperte a atenção dos potenciais interessados. No seu entendimento, o assunto anda esquecido e a implantação de ZPEs precisa ganhar celeridade no Brasil.
De fato, no País, o tema não evoluiu. O Brasil tem atualmente apenas 12 ZPEs autorizadas a funcionar, e só duas em operação, ambas no Nordeste. Uma está no Porto de Pecém (CE) e outra em Parnaíba (PI). Todas foram criadas por iniciativas públicas, exceto a de Pernambuco, onde a concessão foi dada ao Grupo Cone. No Espírito Santo a ZPE também será privada. Em julho do ano passado, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, assinou a resolução que criou a ZPE de Aracruz.
Originalmente, as Zona de Processamento de Exportação (ZPE) foram concebidas como áreas de livre comércio destinadas à produção de bens para exportação e à prestação de serviços vinculados à atividade exportadora. Além de desenvolver a cultura da exportação, as zonas contribuem para fortalecer a balança comercial e o desenvolvimento local. Com as alterações trazidas pelo novo marco legal das ZPEs, em 2021, a obrigatoriedade de exportar foi eliminada.
Em Pecém, a 1ª ZPE do Brasil
A ZPE do Ceará, a primeira a entrar em operação no Brasil, completou 10 anos em agosto de 2023 ajudando a impulsionar as exportações do Estado ao longo da última década. De acordo com o estudo Ceará em Comex, do Centro Internacional de Negócios (CIN), há 10 anos, os principais produtos exportados pelos cearenses eram calçados, castanha de caju e couros e peles, em um valor acumulado de aproximadamente US$ 1,41 bilhão.
A partir de 2016, contudo, as placas de aço produzidas no Setor 1 da ZPE Ceará se tornaram, disparadamente, o principal produto exportado pelo Estado, e atualmente respondem por cerca de 50% de tudo o que o Ceará exporta. Em 2022, por exemplo, o valor total das exportações cearenses atingiu US$ 2,34 bilhões, uma alta de 65% na comparação com 2013. Desse total, US$ 1,07 bilhão diz respeito às placas.
Hidrogênio Verde
A recente ZPE de Parnaíba, que funciona desde 2022, acabou estimulando a construção de um porto no Piauí, que era o único estado da costa brasileira que não possuía um atracadouro marítimo. O novo capítulo da economia piauiense começou com a entrega da primeira etapa do Porto Piauí, em dezembro passado, situado no município de Luís Correia.
O porto é fundamental porque a ZPE vai abrigar a maior usina de hidrogênio verde do mundo, com investimentos de US$ 100 milhões da empresa croata Green Energy Park. O combustível produzido na usina será exportado via ZPE para a Europa.
Além disso, segundo o Investe Piauí- Agência de Atração de Investimentos Estratégico-, a Lion Mining, empresa que explora minério de ferro em Piripiri, manifestou interesse em investir na área. Recentemente, o Conselho Nacional das Zonas de Processamento de Exportação (CZPE) aprovou quatro projetos de plantas industriais na ZPE de Parnaíba (PI), que juntos somam R$ 156 milhões e devem gerar 281 postos de trabalho, entre instalação e operação. Vão produzir e exportar mel, cosméticos, tratores agrícolas e castanha de caju. No local, já há companhias produzindo madeira ecológica (a partir de resíduos vegetais) e cera de carnaúba.
O governo estadual investiu mais de R$ 50 milhões na implantação da ZPE, incluindo a construção da infraestrutura básica para atender às necessidades das futuras empresas, e acredita que ela será um vetor de desenvolvimento capaz de dobrar o Produto Interno Bruto (PIB) da região litorânea do Piauí nos próximos 10 anos.
Desconhecimento
Especializada em Direito Tributário e Aduaneiro, Anna Dolores analisa que a falta de conhecimento das empresas sobre o mecanismo da ZPE contribui para travar o tema. Ela lembra que o instrumento existe desde a década de 80, e que o marco regulatório aprimorou o sistema em 2021.
“Estados como Pernambuco não têm ZPE por falta de conhecimento. Na China, só o PIB da ZPE de Chenzhen supera o do Brasil”, ressalta a presidente da ABDAEX. De fato, foi no governo de Deng Xiaoping – entre 1984 e 1987, que a China adotou a ZPEs como estratégia de desenvolvimento. Elas foram mantidas por governos subsequentes e se constituíram como o principal marco de abertura do mercado chinês.
ZPE em Pernambuco
A Zona de Processamento de Exportação de Suape foi criada em janeiro de 2010. Ela é municipal, com sede em Jaboatão dos Guararapes, mas ocupa parte do território estratégico de Suape, numa área de 198,84 hectares.
O secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, Guilherme Cavalcanti, analisa que no Brasil como um todo as ZPEs não decolaram por falhas na legislação, “que vêm sendo corrigidas”. Ele entende que o perfil da indústria pernambucana, muito voltado para o mercado interno, contribui para o cenário local. O secretário ressalta o pioneirismo do Grupo Cone, e diz que o estado tem como prioridade fazer a ZPE privada dar certo.
“Pela legislação, a permissão para implantação do empreendimento alcança um raio de 30km a partir da ZPE, o que estende a área beneficiada até o cais do Porto de Suape. E, eventualmente, se os investimentos alcançarem essa região, possivelmente teremos ali uma cogestão”, acrescenta.
Embora assegure que o estado prefere trabalhar com os instrumentos existentes, ou seja com a concessão dada ao Cone, Cavalcanti não descarta a possibilidade de realização de estudos para uma concessão pública num cenário em que a atuação privada não se viabilize.
O Cone vem atuando para atrair empresas e assegura que conseguiu avançar em algumas tratativas. Fernando Perez, diretor de negócios da empresa, espera colocar a ZPE em atividade até 2026.
Vantagens da ZPEs
A produção no espaço da ZPE garante às empresas isenção de IPI, Pis, Cofins e Imposto de Importação e AFRMM (Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante) na aquisição de insumos e matérias-primas.
Com a reforma tributária, as garantias de competitividade foram mantidas. A legislação dos novos impostos CBS (Contribuição sobre Bens e serviço) e IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que vão substituir os impostos atuais, deve garantir às Áreas de Livre Comércio existentes em 31 de maio de 2023, os níveis estabelecidos pela legislação relativa aos tributos extintos. O texto também garante que uma Lei Complementar disporá sobre as hipóteses de diferimento do imposto aplicáveis aos regimes aduaneiros especiais e às zonas de processamento de exportação.
Vale destacar que áreas de livre comércio terão IPI funcionando até 2032. Após esse período, será estabelecido um imposto seletivo genérico para a manutenção da competitividade.
Para Anna Dolores, as vantagens não ficam restritas à isenção tributária. “Há muita facilidade logística. Quem adere à ZPE, além de estar numa zona exportadora, conta com vantagens operacionais como transfer, entreposto aduaneiros e a alfândega própria da ZEP. As mercadorias não entram na fila de desembaraço porque já existe alfandegamento próprio no local”, ressalta.
Mas essas áreas não podem incentivar a transferência de plantas industriais. “Os projetos precisam ser de novas unidades para não desestruturar áreas já industrializadas”, alerta a presidente da ABDAEX.
Segundo Anna Dolores, a atualização da lei passou a permitir que empresas prestadoras de serviços se instalem nas ZPEs desde que estejam associadas a alguma planta industrial. “Para Pernambuco isso é muito conveniente porque o estado exporta produtos de software para empresas de tecnologia e operar numa ZPE seria bem mais vantajoso e barato”, ressalta Anna, acrescentando que a instalação de empresas de serviços ainda aguarda regulamentação, processo acompanhado pela Frente Parlamentar para ZPEs.
A presidente da ABDAEX destaca ainda que Pernambuco tem ao menos três polos que poderiam se beneficiar de uma ZPE: o têxtil, na região Agreste; o de tecnologia, no Recife; e o de frutas, no Sertão do São Francisco. Hoje, Petrolina hoje escoa sua produção de frutas por Pecém e Salvador. Sem ferrovia, os produtores não vão para Suape devido ao custo do frete portuário, considerado muito alto pelos produtores. “A ZPE poderia ser um atrativo para trazer essa carga para Suape”, analisa a advogada. No seu entendimento, é preciso um esforço dos estados para colocar as ZPEs na pauta, inclusive na hora em que se negocia a atração de investimentos.
Leia também:
ZPE Ceará fecha 2023 com alta de 12,2% na movimentação de cargas