“Indústria naval só avança com fim da assimetria competitiva entre estaleiros nacionais e estrangeiros”

Nicole Mattar Terpens, ex-CEO do Estaleiro Atlântico Sul, analisa nesta entrevista a proposta do Governo Lula de retomar a indústria Naval.

Nicole Matar Terpins, consultora de indústria naval
Nicole Mattar Terpens: indústria naval está exposta à variação cambial/Foto: Divulgação

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem anunciando que o governo federal vai retomar os investimentos na indústria naval. Pelo menos, essa é a sua vontade. O próprio Lula, antes de voltar à Presidência, atribuiu à operação Lava Jato a estagnação do setor e o consequente desemprego dos trabalhadores da área.

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Em Pernambuco, no início de fevereiro, o ministro Márcio França (Portos e Aeroportos), esteve reunido com a governadora Raquel Lyra (PSDB); o prefeito do Recife, João Campos (PSB); e o presidente do Porto de Suape, Márcio Guiot. No encontro, Márcio França afirmou que Lula estaria disposto a reinvestir no Porto do Recife, destacando acima de tudo a vocação turística do lugar. Com relação a Suape, frisou que o “presidente é pernambucano”, que o estado tinha vantagens geográficas e estruturais para efetivamente participar do plano de retomada da economia.

Nicole Mattar Terpens, ex-presidente do Estaleiro Atlântico Sul (EAS), analisa, nesta entrevista ao Movimento Econômico, o cenário atual e as possibilidades de retomada da indústria naval. Ela esteve à frente do EAS até o começo deste ano. O EAS está em Recuperação Judicial e sob sua gestão mudou a direção de seus negócios, deixando o fabrico para atuar no reparo de navios.

Nicole trabalhou pelo reperfilamento da dívida, reposicionamento da marca, revocacionamento de ativos e entrada em novos mercados. Sob sua gestão, o EAS retornou ao mercado off shore através da construção de grandes estruturas, além de colaborar cada vez mais para a performance industrial e desenvolvimento econômico do Estado de Pernambuco. Atualmente, Nicole Terpens é conselheira de empresas e instituições nos setores de infraestrutura, navegação e indústria pesada.

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Nicole
Nicole nos tempos de CEO do Estaleiro Atlântico Sul/Foto: divulgação

ME – O governo Lula tem demonstrado interesse em investir na indústria naval mais uma vez. Em Pernambuco, seria viável essa operação?

Nicole – O Brasil dispõe de inúmeros estaleiros, com localização privilegiada e infraestrutura de ponta, capaz não só de atender à demanda nacional, mas de servir internacionalmente. Aqui em Pernambuco temos dois importantes estaleiros; o Atlântico Sul, por exemplo, com track record de produção de mais de 15 embarcações (entre navios e plataformas) e mais de 30 reparos. Alguns desses estaleiros, como é o caso do Atlântico Sul, já atingiram níveis de produtividade muito próximos dos estaleiros asiáticos, portanto, quando falamos de viabilidade, o problema não é performance. A meu ver, o principal problema a ser enfrentado pelo governo no contexto de um novo plano de revitalização da indústria naval, será o estabelecimento de políticas que reduzam a assimetria competitiva entre os estaleiros nacionais e internacionais, decorrente, em especial, de nossa estrutura de custos, ou melhor dizendo, do “custo Brasil”.

O fato é que aqui largamos em desvantagem, pagando mais pela mão de obra, em função dos encargos, e pela matéria prima, em função da proteção à indústria de base.

ME – O mercado confia nesse tipo de investimento?

Nicole – O fato é que aqui largamos em desvantagem, pagando mais pela mão de obra, em função dos encargos, e pela matéria prima, em função da proteção à indústria de base. Nossa cadeia de suprimentos, além de ser mais onerada pelos impostos, é menos desenvolvida, dessa forma nos expondo mais à variação cambial em função da dependência por tecnologia importada. Além disso, o crédito é caro e nem sempre disponível, e a burocracia consome uma boa parte do tempo e dos recursos existentes. Tais pontos precisam ser endereçados de modo a permitir que os estaleiros possam competir em igualdade de condições, ou, pelo menos, em um ambiente com menos desvantagens em relação à concorrência internacional. Isso é possível? Creio que sim. Já fizemos algumas propostas ao Governo visando equalizar tais condições, espero que sejam revisitadas.    

ME – Como a indústria naval brasileira pode ser competitiva internacionalmente? Quanto tempo levaria para se consolidar no mercado?

Nicole – Além da garantia por demanda, através de regras de conteúdo local adequadas à capacidade da indústria nacional, seria crucial a elaboração de uma política industrial voltada à redução das assimetrias competitivas, de modo a nos aproximarmos mais da concorrência internacional. A garantia de demanda é necessária porque a indústria naval é uma indústria cíclica, desta forma, é comum que nos períodos de “vale” a demanda seja subsidiada por iniciativas governamentais. Ademais, a demanda assegura a evolução da curva de aprendizado, melhoria de produtividade, colaborando, portanto, com a redução do leadtime dos projetos e desta forma com a competitividade da indústria. Entretanto, se não for trabalhada a estrutura de custos, de modo a nos aproximar das condições disponíveis aos nossos concorrentes, a política de conteúdo local não se faz sustentável a longo prazo, dando espaço para pedidos de waiver, ou até mesmo, pela preferência ao pagamento de multas, como ocorreu no passado, resultando no cancelamento de vários contratos e na drástica redução do conteúdo local no mercado off shore.

A garantia de demanda é necessária porque a indústria naval é uma indústria cíclica, desta forma, é comum que nos períodos de “vale” a demanda seja subsidiada por iniciativas governamentais.

ME – Quais os principais cuidados que devem ser tomados para que não exista uma nova estagnação em caso de retomada das atividades?

Nicole – A retomada da indústria deve ser fundamentada em um plano de longo prazo, lastreado em critérios técnicos e econômicos, que sejam sustentáveis independentemente da orientação política predominante. Costumamos dizer que é necessário que a indústria naval seja tratada através de uma “política de Estado”, que reconhece a sua importância para o desenvolvimento econômico e para a proteção da soberania nacional, e não como uma “política de governo”, que muda de tempos em tempos, conforme muda a estrutura governamental. 

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