Por Jorge Jatobá
Um dos principais desafios dos entes federativos é manter as contas públicas em equilíbrio. A história tem demonstrado as consequências para a economia e para a sociedade do descontrole fiscal, a inflação e a recessão entre elas.
Até a primeira metade da década dos anos noventa o descontrole era generalizado com os estados e municípios se endividando sem limites. Não era incomum usar-se os bancos estaduais em triangulações criativas para financiar gastos públicos.
Nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso deu-se um freio de arrumação. Fez-se a reforma fiscal de 1996 que reestruturou os contratos e refinanciou, sob novo marco regulatório, as contas e as dívidas dos estados, promoveu-se também a reforma bancária que conduziu a aquisições, fusões e privatização de bancos estatais, e criou-se a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) de maio de 2000.
A despeito desses avanços muitos governos estaduais a exemplo do Rio Grande do Sul, Minas Gerais e, com destaque, o Rio de Janeiro enfrentaram graves crises fiscais e aumentaram substancialmente suas dívidas nas duas primeiras décadas deste século. No restante do país observaram-se ciclos de expansão e de retração das crises fiscais quando governadores, sucessivamente, recebiam de seus antecessores contas no vermelho e maior endividamento, faziam, mas nem sempre, os ajustes necessários nos anos iniciais da administração e depois geravam novos déficits e dividas ainda maiores nos anos finais de seus mandatos, especialmente se candidatos à reeleição.[1]
As causas do déficit repousavam, entre outras, em aumentos salariais. recorrentes e insustentáveis, para os funcionários, na bola de neve bilionária da previdência pública e na necessidade de realizar investimentos em infraestrutura econômica e social, especialmente estradas, escolas, hospitais, infraestrutura hídrica, etc.
Usualmente não havia poupança corrente (diferença positiva entre Receita e Despesa Corrente) para financiar os investimentos com recursos próprios e os governos recorriam a empréstimos de bancos públicos (BNDES, BB, CEF, BNB, etc.) e de agências internacionais de fomento (Bancos Mundial e Interamericano) para esse objetivo. Parte substantiva desses empréstimos foram e são em dólar e, portanto, com elevado risco cambial. Em Pernambuco, por exemplo, 51% da dívida atual ainda é em dólar.
Todavia, endividamento tem limites dados pela LRF. Entes para realizarem operações de crédito, precisam atender a dois critérios: capacidade de endividamento que não pode ultrapassar 200% da Receita Corrente Líquida (RCL) e capacidade de pagamento. Desde 2017, o Tesouro Nacional criou regras mais rígidas com relação à capacidade de pagamento para minimizar risco de crédito da União como avalista das operações de financiamento, criando um rating ou escala que depende de mais dois parâmetros além da capacidade de endividamento: existência de poupança corrente (relação Despesa Corrente/Receita Corrente Ajustada) e um índice de liquidez medido pela razão entre o valor das obrigações financeiras e a disponibilidade de caixa bruta para pagá-las ( Portaria MF Nº 501 de 23/11/2017).
Os ratings variam de “A a “D”, sendo que apenas os entes que obtiverem a nota “A” ou “B” seriam elegíveis para obter financiamento com garantia da União. Os estados precisam demonstrar que possuem capacidade de endividamento medido pela relação entre Dívida Consolidada Bruta e Receita Corrente Líquida, que têm recursos próprios medidos pela razão despesa corrente e receita corrente e que têm dinheiro em caixa para pagar as obrigações financeiras de curto prazo. É necessário, portanto, um ajuste fiscal mais severo para que o ente se habilite a obter empréstimos com o aval da União. Nesse contexto, vamos analisar o ajuste fiscal feito pelo Governo de Pernambuco sob o comando do Secretário da Fazenda Décio Padilha.
A aplicação de maior rigor na definição dos limites para obter empréstimos coincidiu com o primeiro ano (2017) depois da recessão de 2015 e 2016 quando a economia pernambucana retrocedeu, respectivamente, 4,2% e 2,9%. A retração na atividade econômica complicou as finanças de todos os entes da federação e Pernambuco não foi exceção. Em 2017, a economia cresceu 2,1%, e em 2018 e 2019, 1,9% e 1,1%, para mergulhar novamente, em 2020, na recessão induzida pela pandemia (- 2,9%).
No ano passado, até setembro, o PIB pernambucano expandiu 2,4%. Foi neste contexto de baixo desempenho econômico que o governo estadual iniciou, em 2019, primeiro ano do segundo mandato do Governador Paulo Câmara, seu programa de recuperação fiscal. Os resultados foram animadores com a Dívida Consolidada Líquida (DCL) caindo, em 2021, para 38,59% da RCL, o menor percentual de endividamento em 30 anos. Os restos a pagar, por sua vez, declinaram de R$ 1,6 bilhões em 2018 para R$ 593,7 milhões em 2021.
Neste último ano, o resultado orçamentário (nominal) foi superavitário em R$ 2 bilhões para o qual contribuiu significativamente o crescimento de 22,24% da receita do ICMS que responde por cerca de 70% da receita do Estado.
Com o corte do custeio de R$1,4 bilhões entre 2019 e 2021, revisão do programa de benefício fiscal, criação de programa de recuperação de créditos tributários, melhor fiscalização e combate à sonegação, e com o crescimento apenas vegetativo das despesas com pessoal foi possível gerar uma poupança corrente da ordem de R$ 3,6 bilhões. Esses ajustes permitiram ao Estado obter o rating “B” do Tesouro Nacional o que habilitou o governo pernambucano a contrair R$ 1,4 bilhões de empréstimos – de um máximo possível de R$ 2,4 bilhões- com garantia da União para poder financiar, junto com recursos próprios, um programa de investimentos da ordem de R$ 5 bilhões que deve alavancar o crescimento do Estado entre 2021 e 2022.
As fontes de financiamento para investimentos são convênios, especialmente transferências da União, operações de crédito e poupança corrente. Os primeiros dependem do alinhamento político do Governo do estado com o Presidente de plantão. Os outros dois dependem do próprio estado. Pernambuco conseguiu e já está colhendo os frutos desse esforço.
Investimentos multiplicam emprego e renda e aumentam a capacidade produtiva da economia. O Governador Paulo Câmara vai entregar, em 2023, para o seu sucessor um estado mais equilibrado do ponto de vista fiscal e também com maior potencial de crescimento econômico vez que os recursos serão alocados em projetos de infraestrutura econômica e social.
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O equilíbrio fiscal, no entanto, deve ser permanente para evitar as recorrentes crises nas contas públicas enfrentadas pelos estados. Os principais desafios são a moderação e reponsabilidade nos gastos com pessoal e mecanismos que contenham o crescimento tri bilionário dos gastos com a previdência pública estadual. Isso demanda firmeza na negociação com as corporações de servidores públicos, especialmente os das carreiras de estado. As demandas dos outros poderes também podem criar dificuldades para as contas públicas., exigindo também posturas firmes e entendimentos que nem sempre são fáceis de serem concretizados.
Manter as contas públicas sob controle é um desafio permanente. Pernambuco conseguiu, e assim deve continuar.
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Jorge Jatobá, Doutor em Economia, Professor Titular aposentado da UFPE, Ex-Secretário da Fazenda de Pernambuco. Atualmente é Sócio-Diretor da Ceplan-Consultoria Econômica e Planejamento.
[1] [1]. Esso ciclo foi objeto de análise pelo Jornalista Fernando Castilho em matéria publicada no Jornal do Comércio de 20 de fevereiro de 2022.